“Pearl Jam”, Pearl Jam
por Helder Souza
Em quinze anos de carreira, o único “erro” do Pearl Jam foi ser “bom demais”, beirando a perfeição, isso lá pelos idos de 1991, e mais precisamente até “Vitalogy”, terceiro disco do grupo, de 1994. Após uma bombástica tríade de álbuns (incluindo a estreia com “Ten”, de 1991, e “Vs.”, de 1993), a banda se acalmou no bom “No Code” (1996) e começou a mostrar sinais de cansaço apenas em “Yield” (1998), o início de uma decadência cujo ponto mais baixo foi exatamente o último álbum de estúdio do grupo, “Riot Act” (2002). Intitulado apenas “Pearl Jam”, o primeiro álbum de inéditas da turma de Eddie Vedder em quatro anos supera em qualidade o disco anterior, mas não é a sétima maravilha do mundo como a crítica tem pintado por aí.
Tematicamente, “Pearl Jam” é um reflexo agressivo da realidade e insatisfação com o atual momento da política norte-americana, tomado principalmente pela figura de Eddie Vedder, o carismático e engajado vocalista do grupo – famoso pelo apoio efetivo a candidatos alternativos para a presidência dos EUA. Vedder têm por característica lutar por ideais liberais, indo constantemente contra a ala conservadora da nação norte-americana, muitas vezes quebrando a cara. A reeleição de George W. Bush foi apenas uma destas derrotas ideológicas, e refletiu consideravelmente no novo trabalho do grupo.
Já musicalmente, o novo disco pode ser comparado ao álbum “Yield”. É o velho retorno às guitarras básicas, com riffs distorcidos e clichês perpassando em várias faixas o punk rock. Vocais roucos relembram a linha seguida em “Vitalogy”, mas as melodias são pobres, sem a virtuosidade do álbum de 1994. “Pearl Jam’ parece um álbum feito para chocar, como é declarado implicitamente em uma das entrevistas promocionais do disco – vinculada à MTV e divulgada na Internet um pouco antes do lançamento – em que Vedder afirma o contentamento com o peso sonoro do novo álbum. O disco, porém, não alcança esse intento, não choca.
A própria arte do produto parece construída para incomodar: um abacate sobre um degrade azul, em três momentos diferenciados pela presença ou não de polpa e caroço. Ironia básica, que ainda destaca um caderninho decorado em suas páginas por letras sobre um fundo de figuras ambíguas, cuja conotação remete a feições humanas desfiguradas/suturadas. Algo parecido com a tentativa da arte do álbum “No Code” e suas fotografias de objetos triviais que evocavam outros objetos nojentos. Novamente uma decadência. Comparada à arte dos álbuns anteriores, “Pearl Jam” é uma decepção para quem aguardava algo magnífico.
“Pearl Jam” é uma decepção não só na arte e na parte musical, mas também porque 2006 parecia ser o ano do ressurgimento da banda, após o pior álbum de sua carreira, “Riot Act”. É o primeiro passo do PJ fora do contrato-escravo com a Sony, cumprido após o lançamento da coletânea dupla de raridades “Lost Dogs”, cuja obrigatoriedade de seu lançamento era parte do pacto comercial com a antiga gravadora. O novo álbum ganhou lançamento pelo selo Monkey Wrench, sendo distribuído pela mesma Sony do contrato anterior. Agora que a banda têm domínio sobre o que grava e lança, o material não cumpre a expectativa de tudo aquilo que se esperava de um grupo com o nome que eles carregam. “Pearl Jam” é até um disco bom, mas fica devendo em comparação com a discografia da banda.
É quase como uma longa viagem adolescente: começa rebelde, gritante, feroz e vai se amaciando conforme as musicas vão passando. Como numa fadiga após tanta energia desperdiçada, as musicas se acalmam, se elaboram e a mensagem se torna matura, frustrada e sonhadora. O álbum parte de um início gritado e cortante acompanhado de um riff sujo, punk e repetitivo (“The whole world,… World over. It’s a worldwide suicide”) até chegar a uma mensagem final melódica, profunda e quase ingênua (“Let me run into the rain, to shine a human light today. Life comes from within your heart and desire”). Um “quê” de “Vitalogy” no ar.
O álbum começa com a voraz “Life Wasted”, uma canção orgânica e cruel, que relembra um pouco o ideal musical inicial do grunge, da qual a banda fez parte no projeto Temple Of The Dog e no álbuns ‘Ten” e “Vs”. Este formato básico se segue nas duas próximas músicas: “World Wide Suicide” e “Comatose”. Riffs grudentos e distorcidos acompanham um refrão tão “grunge” quanto, que não salvam as duas canções de formarem o bloco fraco do álbum. “Comatose” chega a ser uma catástrofe por sua falta de criatividade, com clichês tão prováveis e forçados que parecem implorar a mudança de faixa.
“Severed Hand” inicia com um efeito elaborado e prenuncia um acerto de contas com o apreciador do disco. Bem mais complexa, relembra o clima do álbum “No Code”. A banda trabalha perfeitamente a melodia sem perder o peso da proposta inicial. “Marker In the Sand” é mais um passo ascendente em qualidade e pode ser quase entendida como uma preparação harmônica para a musica seguinte, “Parachutes”. As duas são canções virtuosas, embora tristes. “Marker In The Sand” é mais pesada e pessimista, porém muito bem trabalhada. “Parachutes”, por sua vez, é a melhor canção do CD. Linda, quase idílica/circense, traz uma virtuosidade que surge para aplacar o desânimo inicial do álbum. Segue “Uneployable”, trazendo novamente as guitarras distorcidas, porém numa frequência super aprazível, relembrando a sonoridade de “Vs”, sem perder, novamente, o intuito agressivo da mensagem global do trabalho (“Yeah, so this life is sacrifice”).
“Big Wave”, canção sucessora, é um retrocesso esperado. Afinal, um álbum de protesto não poderia terminar calminho. A música destaca novamente a essência adolescente e clichê que relembra os antecessores do fenômeno grunge. “Gone”, a próxima, engana com um tom acústico que explode num poderoso refrão (“I’m gone, long gone, this time I’m letting go of it all”), a partir do qual a canção se alterna entre o calmo e o maciço. Relembra em muito o álbum “Yield”, tendo como sequência uma canção curta e diferente de tudo o que havia sido demonstrado até então: “Wasted Reprise”, a pitada tímida de foco experimental sempre contida nos trabalhos do Pearl Jam desde “Vs.”.
“Army Reserve” relembra algumas canções do fraco “Riot Act”, com uma sonoridade atual e comercial que, no entanto, não soa exagerada. Evoca em parte o Soundgarden, apesar de não ter o dedo de Matt Cameron na sua composição. “Army Reserve” alia-se com “Come Back” e “Inside Job” na categoria de melhores canções do disco. A penúltima música exibe uma calma e belíssima melodia, que por alguns segundos evoca – na voz de Eddie Vedder – a emoção contagiante de Janis Joplin. Não contém grandes surpresas instrumentais a não ser uma pequena distorcida em seu epílogo. Serviria perfeitamente para fechar o disco, que prossegue (felizmente) com “Inside Job”, uma maravilhosa e riquíssima canção, onde pode-se perceber mais enfaticamente o trabalho do tecladista Boom Gaspar, havaiano amigo pessoal de Vedder que foi inserido na banda a partir do álbum “Riot Act”.
“Pearl Jam” começa barulhento, tentando chocar, e termina de modo espetacular, afirmando uma progressão qualitativa em um álbum cheio de altos e baixos, que não surpreende, mas também não deixa claramente a desejar. É superior à “Riot Act”, mas não arranha o status clássico do início de carreira do grupo. Definitivamente é um disco viril, engajado e idealista. Mas também é um álbum de uma banda de quarentões que já há muito perceberam que nada mais resta além da simples esperança, e que moicanos e guitarras quebradas não irão mudar o mundo. Musica é musica, e se é assim, que seja apenas boa. E estamos diante de um bom disco, cheio de altos e baixos, mas um bom disco.
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