por Jorge Wagner
O Placebo mudou. Quantos de nós somos os mesmos que éramos há 10 anos? Mudamos nossas roupas, nosso corte de cabelo, nossas amizades, nosso gosto musical, nossas crenças, nossa posição política. Se evoluímos ou não, creio que não cabe discutir. Mudamos. Já não somos os mesmos, e apenas isso. E merecem prêmios todos aqueles que o fizeram sem a intenção de acompanhar tendências e modismos.
Com a coletânea “Once More Feeling – Singles 1996-2004”, Brian Molko, Stefan Osdal e Steve Hewitt fecharam o que pode ser chamado de “a primeira fase” do Placebo. Não que o homônimo disco de estreia (de 1996), “Without You I’m Nothing” (1998), “Black Market Music” (2000) e “Sleeping With Ghosts” (2004) sejam uma coisa só. É que foi-se o “nervosismo” inicial de faixas como “36 Degrees” e “Nancy Boy” dando lugar à músicas mais fáceis de digerir, explicitando influências pós-punk (caso de ‘Every You Every Me” e “You Don’t Care About Us”) – bons anos antes da louvação infantilizada aos anos 80 que entraria em voga no início do novo milênio -, e baladas tristes à moda Placebo, que começam com “Without You I’m Nothing” (que na coletânea traz Molko em dueto com David Bowie), passam por “Black-Eyed” e deságuam em “Special Needs”.
“Once More Feeling” é um retrato de uma banda que muda, mas muda para continuar sendo ela mesma, por mais contraditório que pareça. A banda que criou verdadeiro ‘frisson’ ao passar por esses lados do Atlântico em abril do ano passado (chegando nesta época a até mesmo figurar entre as mais pedidas de uma das rádios – hoje extinta – com o público de gosto mais duvidoso do país). A banda fez no Rio de Janeiro um show cansado, antes de entrar em férias, mas também fez a promessa de que 2006 os traria de volta, com um álbum novo no currículo.
Em entrevista ao programa Metrópole, da TV Cultura, concedida durante o tempo em que a banda esteve no país, Brian Molko declarou, entre outras coisas, que não ouvia mais bandas de rock, e que o que o interessava mesmo era o universo da música eletrônica (o que quase – ironia – não dá pra perceber em “I Do”, lançada apenas na coletânea), do hip-hop (tsc!) e do trip-hop (ufa!). O que esperar do próximo álbum, portanto? Uma continuação de “Sleeping With Ghosts”? Várias medianas como “I Do” ou várias excelentes como “Twenty Years”? Impossível saber.
“Meds”, lançado oficialmente no último dia 21 de março (apesar de já estar circulando pela rede há praticamente três meses), teve como precursor o single “Because I Want You”. Com menos de 50 minutos de duração, 13 faixas, participações de VV (The Kills), e Michael Stipe (R.E.M.), “Meds”, é primeira página de um novo capítulo do livro chamado Placebo.
A faixa-título é também a faixa de abertura. Conta com a participação da “assassina” Alison Mosshart, a “VV”, do The Kills. Após 50 segundos de apenas voz e violão, com a entrada de bateria e baixo, já não resta dúvidas: apesar de algo soar diferente, e “novo”, ainda é a mesma banda que gravou hits como “Every You Every Me” e “Special K”, e a mais b-side (porém sem menor qualidade) “Days Before You Came”.
Acalmem-se todos aqueles que temiam a afetação techno: o Placebo pode não ouvir mais bandas de rock, mas, ainda assim, continua sendo uma banda de rock. Não que tenham aberto mão de recursos eletrônicos, mas sabem a medida certa, a hora e forma de usá-los, como comprovam as faixas “Infra-Red”, a hipnótica “Space Monkey”, além de “Blind” (dessas que crescem, até um refrão forte, do tipo que fará muita gente cantar junto nos shows) e “Pierrot The Clown” – essas duas últimas, com sutis flertes com o trip-hop. “Pierrot The Clown”, em especial, remete ainda a outra boa música da banda: “Burger Queen”, de “Without You I’m Nothing”.
Salta aos ouvidos o fato de que “Because I Want You” não foi, em termos de qualidade, a melhor escolha para ser o primeiro single do disco. Não que seja ruim, como insistem em dizer alguns fãs puristas da banda (que, não resta dúvida, se fossem mais velhos, com certeza teriam esganado o camaleão David Bowie – um forte ponto de referência para Molko e sua turma – em uma de suas muitas “trocas de pele pop”), mas não passa nem perto de ser é a melhor – título disputado pelas excelentes “Post Blue” e “Broken Promise” – outra com refrão marcante, dos versos “I’ll wait my turn, / To tear inside you, / Watch you burn… / And I’ll wait my turn, / To terrorize you, / Watch you burn… / And I’ll wait my turn, / I’ll wait my turn.”, e que traz Michael Stipe dividindo o vocal com Brian – e “Song To Say Goodbye”, que fecha o disco de forma certeira (“Uma voz que me faz chorar… / Essa é uma canção pra dizer adeus.”)
A crueza do primeiro álbum, as influências explicitadas no segundo, o clima soturno no terceiro e a ousadia eletrônica do quarto serviram como trilha para uma banda que, com dez anos de carreira, demonstra saber bem onde está pisando, ter plena consciência do que podem e querem fazer, não importa o que digam. Molko ainda é o rapaz de olhos negros que nasceu para perder, mas está maduro, e sabe que não precisa ficar berrando isso aos quatro cantos, apesar do medo de ficar só que ainda diz (canta) sentir. Ele mudou. O Placebo mudou. Mas, afinal, quantos de nós ainda somos os mesmos que éramos há 10 anos? Merecem prêmios todos aqueles que o fizeram sem a intenção de acompanhar tendências e modismos.