por Marcelo Costa
Danny Boyle é um dos diretores mais estilosos do cinema recente inglês. Cravou duas pequenas obras-primas logo de cara, calcado no humor negro, no suspense e na ironia: os essenciais “Cova Rasa” (1994) e “Trainspotting” (1996). Este último arrebatou a crítica mundial, colocou o nome do diretor (e também o do ator Ewan McGregor) em todas as manchetes de cinema do mundo e levou Boyle a Hollywood.
Em Hollywood o diretor fez dois filmes: o deliciosamente pop “Por Uma Vida Menos Ordinária” (com Cameron Diaz) e o ótimo “A Praia” (com Leonardo DiCaprio). Após essa pequena investida nos EUA, Boyle retornou à Inglaterra para filmar “Extermínio” com câmera na mão, pequenas doses de terror e muito suspense. A crítica voltou a elogiar o trabalho do diretor escocês.
É do alto desse pequeno currículo cheio de acertos (de que ainda constam “Vaccuming Completely Nude in Paradise” e “Alien Love Triangle”, inéditos no Brasil) que surge “Caiu do Céu” (“Millions”, 2004), uma fábula infantil sobre um menino que acha uma sacola com milhões em dinheiro. Assim como em seus dois principais filmes, o foco da narrativa trata de como o ser-humano age quando há muito dinheiro envolvido na história.
Em “Cova Rasa”, o dinheiro corrompe a amizade. Em “Trainspotting”, acontece quase o mesmo, se der para dizer que drogados têm amigos de verdade. Em “Caiu do Céu”, no entanto, Boyle situa a trama naquela fase da vida em que a pessoa não sabe realmente o valor das coisas, cuja inocência é a marca da personalidade, defendendo que para uma criança, ainda não influenciada pelos males do mundo, dinheiro é apenas papel.
Apesar de ser um tiquinho óbvio, o ponto de vista interessante do diretor acaba sendo sugado por seu exercício de estilo e pelo exagero do roteiro. O que sobra é um pastelão piegas com cara de conto de fadas natalino. Escrito pelo roteirista de “A Festa Nunca Termina”, Frank Cottrell Boyce, “Caiu do Céu” conta a história de dois irmãos – Damian (Alex Etel), de 7 anos, e Anthony (Lewis McGibbon), de 9 – que, após a morte da mãe, se mudam para os subúrbios do norte da Inglaterra com seu pai (James Nesbitt).
Os dois irmãos têm personalidades completamente diferentes. Anthony é pragmático, talvez por ser mais velho (ele já navega pela Internet sozinho) enquanto Damian é sonhador, estuda a vida de santos e frequentemente recebe a vinda de um deles, que o aconselha em momentos de dúvida. A primeira aparição de uma santa, que enrola um baseado enquanto fala do paraíso, é bastante hilária, escorrendo ironia. Porém, o uso constante da piada na trama faz com que, no final, ela já esteja bastante desgastada, e já não funcione com a mesma perfeição.
Tudo muda na vida dos irmãos quando Damian encontra uma sacola com 300 mil libras (chutando: R$ 1.8 milhões). O irmão mais novo mostra para o irmão mais velho, e ambos decidem não contar ao pai, afinal o governo poderia querer taxar o montante e ficar com 40% da soma: “Impostos”, diz Anthony. Há um agravante: em 11 dias a moeda será mudada para que a Inglaterra adote o euro. Em 11 dias a libra esterlina não terá nenhum valor. Desse ponto em diante, “Caiu do Céu” flagra a aventura de dois meninos “milionários”. Um deles (Damian) quer ajudar as pessoas. O outro (Anthony) quer torrar a grana. O roteiro e o modo frenético de filmar acabam entornando o caldo. No final sofrível do filme dá vontade de esganar Damian.
Na minha experiência cinematográfica de quase 20 anos admirando filmes em uma sala escura, “Caiu do Céu” me proporcionou, pela quarta vez na vida, a vontade de deixar a sala sem saber a conclusão da história. Das quatro, apenas uma foi “positiva”: “Amores Brutos”. O filme é tão violento, mas tão violento, mas tão violento (no sentido passional mesmo) que no meio da segunda história (o roteiro amarra três) eu apertava meu estômago na sala de cinema pensando se eu aguentaria ver aquilo tudo até o fim. Foi uma das experiências mais intensas, doloridas e sensacionais que o cinema me proporcionou até hoje.
Numa segunda oportunidade resisti bravamente ao início terrível de “Moulin Rouge” para aproveitar a segunda metade do filme, mais poética e “aturável”. Porém, não deu para aguentar Robin Willians em “Amor Além da Vida”. Com meia hora de projeção eu deixei a sala, aliviado. “Amor Além da Vida” foi o único filme que assisti em um cinema e que deixei a sala no meio da projeção. “Caiu do Céu” tinha tudo para ser o segundo (os filmes guardam semelhanças visuais), mas insisti para saber se Boyle seria mesmo capaz de fazer algo tão ruim. Fez. A cena final é uma das coisas mais ridículas do cinema recente. Spielberg não está mais sozinho.
O grande problema, no entanto, não é o filme ser totalmente ruim. É ser um filme de Danny Boyle totalmente ruim. No cartaz nacional, a produtora fez questão de ressaltar que estávamos diante de uma película do diretor de “Trainspotting” e “A Praia”. Alguém me enganou. Quero meu dinheiro de volta, por favor. Nem precisa ser libra esterlina…
Ps. “Caiu do Céu” é tão ruim, mas tão ruim, mas tão ruim que consegue tocar a integra da única música de todo o repertório do The Clash que não parece The Clash. Também, estamos falando de um filme que parece ser um filme de Danny Boyle, mas não é.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
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