por Angélica Bito
O sucesso de “Beleza Americana” abriu portas para que o cinema americano pudesse, finalmente, deixar para lado a perseguição do sonho americano para levar às telas o ‘loser’. Para quem não sabe, o ‘loser’ é aquele cara que não é, exatamente, um exemplo à sociedade. Ele, simplesmente, vive a realidade das ruas, e não dos filmes. É exatamente pela mão de um dos produtores de “Beleza Americana”, Alan Ball, que chega às nossas telinhas “A Sete Palmos”, série produzida e exibida pelo canal por assinatura HBO desde 2001. O programa mostra essa sociedade longe de máscaras, longe de ser perfeita e que existe na maioria das famílias. Ball, mentor dessa série, dá um chute na hipocrisia e mostra, semanalmente, os problemas pra lá de comuns da família Fisher.
Assim como em “Beleza Americana”, esta é uma história familiar, contemporânea, urbana, na qual os dramas são permeados por situações bizarras, com leves pinceladas de humor negro. A família Fisher tem seu patriarca, Nathaniel, e uma funerária. Imagine você crescendo entre cadáveres nus em seu porão; gente chorando e um caixão no meio da sala, quase todos os dias; na garagem, um carro funerário. Foi assim que cresceram Nate, David e Claire, os filhos. A mãe é a serena Ruth. Logo no primeiro episódio, começa o drama quando Nathaniel sofre um acidente e morre. Seus filhos e mulher, então, se vêem sozinhos, tendo de tocar suas vidas e os negócios da família. Nate é o mais velho e morava em Seattle, mas teve de voltar ao lar, em Los Angeles, depois da morte do pai. David é tímido, reprimido e trabalhou ao lado do pai a vida inteira, apesar de não ser esse seu mais forte desejo. Claire é a caçula problemática, depressiva e sensível. E, como se não bastasse, adolescente. Ao longo dos capítulos, eles aprendem a conviver sem o pai – apesar de ele visitá-los sempre em conversinhas dentro de suas cabeças – e com uma funerária para tocar. Cada um, claro, tem seus problemas e dilemas: Nate é desenvolve uma doença rara e fatal; Ruth tenta lidar com seu próprio pudor quando arranja outro companheiro para substituir Nathaniel em sua vida; Claire arranja um namorado problemático e não sabe como será seu futuro; David deve superar seus próprios preconceitos e assumir sua homossexualidade e o relacionamento com um policial.
“Every time I’ve ever believed in a happy ending I’ve gotten severely fucked” (Todas as vezes que acreditei em um final feliz eu me ferrei muito), diz Brenda, noiva de Nate, em um episódio. Dias felizes e ensolarados não existem. Não há finais felizes na vida real, nem em “A Sete Palmos”. Cada capítulo começa com uma morte e é em torno dela que as situações de seus protagonistas se desenvolvem. Se Nelson Rodrigues ainda estivesse vivo, certamente soltaria um sorriso a cada episódio, que já teve diretores do calibre de Kathy Bates, Miguel Arteta (“Por Um Sentido na Vida”) e Rodrigo Garcia (“Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar Para Ela”) atrás das câmeras, jogando seus olhares cruamente sobre a sociedade hipócrita em que vivem. A Sete Palmos é uma série extremamente americana. No entanto, por se tratar de problemas existenciais inerentes a qualquer um que viva em sociedade, pode conquistar qualquer tipo de espectador.
“A Sete Palmos” é, também, uma série densa e, para isso, o elenco é essencial. A maioria dos atores é desconhecida e oriunda do teatro. O rosto mais conhecido talvez seja o de Jeremy Sisto, que já chegou a encarnar Jesus Cristo em um filme e foi o pesadelo de Alicia Silverstone e Jeff Goldblum em “O Esconderijo”. Ele é Billy, o irmão problemático da não menos louca Brenda, vivida pela australiana Rachel Griffiths, que ganhou reconhecimento internacional ao ser a melhor amiga de Toni Collette em “O Casamento de Muriel”. Ela é a noiva de Nate, vivido por Peter Krause, um ex-atleta que resolveu virar ator e já fez participações em seriados como “Ellen”, “O Quinteto”, “Seinfeld” e até “Barrados no Baile”. Michael Hall, que até agora só tinha atuado no teatro, é David, enquanto que Claire é Lauren Ambrose.
Elenco e roteiro caminham juntos para o sucesso dessa série, que já colhe frutos. Em 2001, ganhou dois Globos de Ouro: de Melhor Série de Drama e Melhor Atriz Coadjuvante, para Rachel Griffiths. Neste ano, já concorre nas as categorias de Melhor Série Dramática, Melhor Ator (Peter Krause) e Atriz (Rachel Griffiths) em Série Televisiva. No Brasil, o seriado chegou à segunda temporada e a terceira está prometida para o fim de 2003 pelo canal HBO, produtor da série. No entanto, o canal Warner Channel comprou os direitos de exibição das primeiras temporadas de “A Sete Palmos”. Se você não acompanhou na época em que era exibido pela HBO, a sua chance de conhecer a família Fisher começa no dia 6 de julho. E prepare-se para enterrar seus preconceitos e ver que seriados americanos não se resumem somente a risadas enlatadas e problemas de adolescentes.