por Marcelo Costa
“Yeah Yeah Yeahs” – Yeah Yeah Yeahs (Touch and Go)
Depois do enorme burburinho sobre a banda, a gravadora ultra cool Touch and Go foi atrás e decidiu relançar o ep de estréia do trio novaiorquino, esgotado na primeira tiragem. A banda já havia colocado uma música numa compilação de outra gravadora cool, a Kill Rock Stars. Se conseguir o apadrinhamento de gravadoras bacanas não diz nada a você, caro leitor, o som fará o serviço. “Yeah Yeah Yeahs”, o ep, traz cinco faixas em que a tosqueira reina em 13m52s. “Bang” tem guitarra suingada, vocal cativantemente sexy que remete a PJ Harvey e refrão depravado “As a fuck, son, you sucked”. “Mystery Girl” destaca a bateria em levada lenta e pop que cresce com o tempo até a entrada da guitarra. “Art Star” é bem novaiorquina, com vocal inicialmente falado até o refrão ‘grindcore’ alternado com tchutchutchurus sessentistas na letra que diz “I’ve been working on a piece that speaks of sex and desperation / I’ve been screwing on the tracks of abandoned train stations.” “Miles Away”, o hit do álbum (e uma das melhores canções do ano), começa com a guitarra emulando baixo até explodir no refrão pegajoso. “Our Time” fecha o single a lá Blues Explosion. Como álbum, “YYY” transpira rock and roll. Agora é esperar que na assinatura com uma major (que deve acontecer logo) a banda não amoleça na tosqueira como aconteceu com outros novaiorquinos.
“Essence” – Lucinda Williams (FNM)
O disco começa com “Lonely Girls” e logo na terceira frase temos a definição do álbum: “Sweet Sad Songs”. O sexto álbum de uma carreira esporádica (iniciada em 1979) de Lucinda Williams é altcountry do tempo que altcountry era folk, country e blues, sem frescuras. Segundo álbum de Williams a sair no Brasil (o outro foi “Lucinda Williams” de 1988, o tal que carrega a balada “Passionate Kisses” que o amigo Thales de Menezes cita em “Romance com alma rock and roll“), “Essence” é arrepiante. A citada “Lonely Girls” traz um arranjo de cordas que remete ao sublime “Baja Sessions“, de Chris Isaak e, em contrapartida, ao melhor do folk dos anos 60. O trio de canções na seqüência (“Steal Your Love”, “I Envy The Wind” e “Blue”) vasculha sentimentos de maneira a deixar o coração partido de um jeito que você não imaginava poder acontecer mais (“Don’t Want Your Drugs and Don’t Want Your Money, Just Wanna Steal Your Love”, canta Williams). Assumindo ela mesma a guitarra acústica, mas amparada por Charlie Sexton (guitarrista da banda de Bob Dylan), Bo Ramsey (guitarra na banda da lenda folk Greg Brown), Tony Garnier (o baixista que mais tocou com Dylan ao vivo) e Jim Keltner (um dos músicos de estúdio mais requisitados da história do rock, sendo inclusive, baterista nos dois álbuns da Traveling Wilburys) ainda traz a participação do garoto prodígio Ryan Adams preenchendo com uma guitarra cheia de efeitos a atmosfera da faixa título que resume em seu refrão tudo que a música country/folk disse em décadas e décadas: “I am waiting here for more, I am waiting by your door, I am wating on your back steps, I am waiting in my car, I am waiting at this bar, I am waiting for your essence”. Em tempos que homens e mulheres paracem cada vez mais se entender menos, “Essence” surge como a trilha sonora perfeita. Perfeita para ser ouvido as três da manhã ao lado de uma garrafa de uisque, vinho ou cerveja gelada.
“Congregation” – Afghan Whigs (Trama)
Com 10 anos de atraso chega ao Brasil “Congregation”, segundo álbum do Afghan Whigs, uma das cinco bandas obrigatórias da década de 90. O atraso não tira em nada o mérito da Trama, ao contrário, permite relativar “Congregation” com tudo que andam hypando por ai. E é uma injustiça. Nada se compara a “Congregation”. Após a áspera estréia com “Up In It” (1990), o maluco Greg Dulli e comparsas conseguiram condensar suas principais influências criando um som único que seria burilado a excelência em álbuns posteriores (“Gentlemen”, “Black Love” e “1965”): uma mistura do soul clássico da era Stax/Motown com a urgência do rock independente da virada dos anos 80 para os 90. Não a toa, na capa, uma mulher negra segura um bebê branco, metáfora perfeita para o som da banda, emocionante, gritado, sentido, passional e visceral como poucos. “Congregation” começa com a quase vinheta “Her Agaist Me”, doce e cortante, em que Greg dueta com Ruby Belle numa letra que diz “i know your ass is fine / but i’m the only who one can say…”. É a deixa e você acaba de adentrar o mundo de Dulli. “I’m Here Slave” é o perfeito resumo da banda. Guitarras afiadas, vocal gritado, bateria suingada e pesada, letra poética/absurda (nos moldes Dulli, claro) que resume a entrega total ao amor, sem correntes, mas com um único probleminha: “you can call and ask your wife / she’s been over once or twice / likes to use me / and i’m her slave / but i don’t need no chains”. Já “Let Me Lie To You”, cinicamente inclusa em uma coletânea de love songs da Sub Pop, diz: “your eyes are all swollen from crying / feeling sick you open it / and discover your lover / between the legs of another / and he’s loving it / let me lie to you / i’ll be kind when i deceive you”. O encarte aponta onze faixas, mas você irá encontrar mais uma, escondida: o clássico “Miles iz Ded”, aquela canção que pede para você não esquecer o álcool, tributo maior de Greg Dulli a seu artista favorito. Em tempos de dólar batendo recordes, nada melhor que encontrar um álbum com etiqueta de sensacional custando R$ 20 nas lojas. Qualidade e preço andando de mãos dadas.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne