Música: “The Man Who”, do Travis, um disco repleto de baladas preciosas

por Marcelo Costa

Francis Healy é o que todos chamam de um cara delicado. Ele é o letrista e o principal compositor do Travis, a grande banda dos últimos dois anos no mundo pop. O equivalente aos Smashimg Pumpkins em 95/96, ao Oasis em 96/97 e ao Manic Street Preachers em 97/98.

A única diferença do Travis para estes é que o Travis é escocês e ser músico escocês no ano 2000 é sinônimo de som suave, confessional, lírico. É sinônimo de silêncio. E ser Travis é invadir as paradas do mundo com as mais belas baladas da atualidade. De escrever as letras mais confessionais e desesperadas do momento. E de fazer os shows mais intimistas, quase sempre conduzidos por violões, quase sempre com covers improváveis, quase sempre cantado em coro.

O responsável pela epifania foi o álbum “The Man Who”, lançado lá fora em 1998, e aqui há apenas dois meses, e que já deve estar beirando as 5 milhões de cópias vendidas no mundo todo.

O quarteto surgiu em Glasgow, 96, e “The Man Who” é o segundo álbum da banda. É, também, um amontoado de baladas preciosas que são o fundo perfeito para casais dançarem a noite toda, tanto quanto podem soar o mais perfeito e dolorido desabafo para aqueles a quem o amor deu adeus. Nas letras, Healy brinca com a simplicidade e com a cultura pop de maneira sublime, expondo sua sensibilidade à flor da pele.

“The Man Who” abre com “Writing To Reach You”. Healy escreve para alcançá-la. A primeira linha é uma meia citação de Morrissey (“Everyday is Like Sunday”) e a quarta aproveita para elogiar o Oasis (“o rádio está tocando o normal, o que é wonderwall de qualquer modo”). A poesia começa a ser destilada, e afiada, na segunda estrofe, quando Healy canta: “my inside is outside, my right side’s on the left side” e justifica mais a frente que “I long to teach you about you”.

“The Fear”, a próxima, segue a levada assegurando que “the fear is here”. As guitarras se apresentam na singela “As You Are”. A próxima é a joia pop “Driftwood”, que ganhou um belo single, que já valeria pela versão Travis do clássico “Be My Baby”, se “Driftwood” não valesse a pena. Mas vale, e muito. Em “The Last Laugh Of the Laughter” o sorriso não quer surgir e o dia azul fica cinza, mas tudo melhora em “Turn”, canção cheia de esperança que proclama “I want to live, I will survive, And I believe that it won’be very long”.

A segunda parte do single “Turn” traz a comentada e festejada cover da banda para o hit de Britney Spears, “Baby One More Time”. Um q de ironia e de paixão na mesma batida de violão que só quem já ouviu o bootleg “It Didn’t Rain”, gravação completa do show da banda no Glastonburry Festival 2000, poderá perceber.

“Why Does It Always rain On Me?” foi o primeiro single retirado de “The Man Who” e um dos responsáveis pelo sucesso da banda. Rock song arrastada sobre nuvens cinzas em que o vocalista reclama que sempre chove sobre ele. Impossível não imaginar Healy como um Jim Carrey em “Truman Show”. Impossível não se lembrar do personagem de desenho animado Hardy, que andava com uma nuvenzinha na cabeça dizendo “Oh céus, oh vida, oh azar”. Impossível não se embalar com a canção, assoviar, cantar junto, dançar.

A próxima, “Luv”, começa com uma harmônica de partir corações partidos: “It only serves to show me That I’m still in love with you”. O álbum está acabando. Você já não consegue imaginar de onde Healy tira tanta dor, e tanta beleza, e tanta melodia, e tanto amor. A questão não tem resposta, apenas reforço. É “She’s So Strange”, em que os violões aparecem mais à frente. Ela parece mais estranha.

Para o final, o melhor. “Slide Show” começa como se tivéssemos correndo em uma floresta, ou, ao mesmo tempo, arrumando o armário, jogando o passado para fora. Num primeiro ímpeto vem à alegria – “today is the day, for dancing and for singing” – mas as coisas não são fáceis assim – “I hope I’m alright, cause I’m gonna cry”. E isso acontece em menos de dez linhas.

O refrão é apoiado em citações – “There is no design for life” (Manic Street Preachers), “There’s no devil’s haircut” (Beck) “in my mind, there is not a wonderwall” (precisa falar?) “to climb” – e o riff que surge com o arranjo orquestrado é um magnífico final para um belíssimo álbum. Acabou? Não. Se você esperar uns dez minutos, ainda vai encontrar uma faixa escondida, “Blue Flashing Light”, canção feita para quem espera o telefone tocar no sábado a noite, em vão, como diria outro jornalista.

A banda planeja uma pequena parada no momento. Healy anunciou que vai se casar (“Não na Escócia, em Londres, porque há quatro anos estou morando em Londres, e eu gosto daqui”, explicou à NME) e que está com saudade do tempo em que ficava em casa vendo Frasier e Os Simpsons todos os dias. Por outro lado se diz contente com o sucesso e com a turnê.

Francis Healy é o que todos chamam de um cara de bem com a vida.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Leia também:
– “The Invisible Band” mostra que “The Man Who” foi um acidente de percurso (aqui)
– Coldplay ao vivo em 2001: show provoca catarse, mas não surpreende (aqui)
– Sete motivos para rir de Chris Martin, vocalista do Coldplay (aqui)
– Coldplay, Travis e Starsailor pertencem ao grupo das bandas coxinhas (aqui)
– “Viva La Vida Special Edition”, Coldplay: reedição é indicada para completistas (aqui)
– Em “X&Y”, Coldplay alterna baladinhas, baladas e baladões. E dá sono. (aqui)
– Os dois primeiros discos do Coldplay e a estreia do Starsailor (aqui)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.