Esse
você precisa ler ... : Marcelo Rubens Paiva
por
Marcelo Silva Costa
Você se lembra de todos os livros
que leu? Eu não. Eu me lembro dos que mais gostei, e muitas vezes
prefiro ler um livro já lido outrora a encarar o desafio de um novo.
Eu sou assim. Isso acontece sempre com Marcelo Rubens Paiva; vez ou outra
um livro dele me acompanha. E vá lá entender por que a gente
gosta mais de um autor do que de outro, como eu gosto mais de lasanha do
que arroz e feijão, sei lá, o mundo é assim e isso
basta.
Eu já tinha desistido desse
texto. Tudo estava dando errado e um ataque devastador de Hermann Hesse
quase me fez mudar de idéia. Mas aí surge o imprevisto e,
do nada, uma amiga (valeu Denise) me empresta os dois livros do Marcelo
que faltava para eu reler e o próprio aparece numa entrevista dizendo
que desistiu de escrever romances. Essa coluna se fez urgente.
Costumo pensar que não me ligo
muito nos clássicos de nossa literatura. Rui Barbosa, Machado de
Assis, Euclides da Cunha e outros que fizeram história
escreviam para o seu tempo. É lógico que são bons,
só não são pra mim, hoje. Só isso. Costumo
imaginar então que daqui a cem anos algum cara vai estar escrevendo
o mesmo de Marcelo Rubens Paiva, dizendo que os textos dele são
pra quem viveu de 1980 à 2020. Posso estar errado, até devo,
mas gosto de pensar assim. Tanto como gosto de dizer que cada um vê,
lê e ouve a sua maneira. A minha, sei lá porque,
é geralmente poética. É o meu jeito. Sendo assim,
destaco três detalhes meio poéticos que sempre
me vêm a mente quando leio Marcelo:
1º- A linguagem, cortada, cinematográfica,
urgente.
2º- A tensão que
faz a gente não querer largar o livro.
3º- A característica
básica de seu personagem principal: se você tem um pouquinho
que seja de sonhador e um tiquinho de azarado, você poderia ser qualquer
um deles. Eu sou...
Feliz Ano Velho
(1982) - O primeiro livro que li dele é o que quase todo mundo leu.
Sucesso de vendas, essa autobiografia romanceada (que virou filme, com
Malu Mader) tem bons momentos (como a história da música
"Bamba"), algumas características que apareceram em livros posteriores,
mas, como um todo, é apenas um bom livro, entre o cínico
e o sincero. Tudo começa numa cachoeira, ele e sua turma (todo mundo
já fez isso). Do alto, o mergulho, a lá Tio Patinhas mergulhando
em seu cofre de dinheiro, e então água, pedra, cabeça.
Aconteceu. É aconteceu. Marcelo mistura imaginário e real
com inquietação. Reclama, lembra, sonha, ri, pede. Alguém
pode perguntar: "isso não basta?". Não, não basta.
Mas é um bom início...
Blecaute
(1986)
- O que era apenas bom revela-se instigante. Utilizando-se da imaginação
e da fantasia, Marcelo nos joga em um mundo onde todas as pessoas morreram
e só sobraram três amigos. O que você faria? É
estranho, mas lendo o livro a gente descobre que faria praticamente as
mesmas coisas que esse trio de abandonados no novo mundo fazem. Até
querer voar... Aquele cara que poderia ser você chama-se "Rindu"
e é meio azarado nas brincadeiras infantis ("Disputávamos
os campeonatos de duplas de carrinhos de rolimã... nunca ganhávamos
uma corrida" - isso eu ganhei) tanto quanto com mulheres ("Mas,
com o tempo, descobri que o que eu queria numa mulher não se encontra
a cada esquina. Alias, acho que nunca se encontra" - bingo). Terrivelmente
emocionante. O final é uma surpresa que deixa a gente perplexo,
se perguntando como? Como?
Ua Brari
(1990)
- Sempre encanei com o título desse livro. Significa o mito dos
índios Makuxi sobre um índio que conhecia o caminho para
o outro lado da Terra. Acho um título pouco pop, pouco romântico.
Mas há espaço para o romantismo num Brasil em chamas? Já
de início, uma pista: "Uma notícia boa e uma ruim. Primeiro
a boa: não há noticia ruim". Esperança. Nós
agora nos chamamos Fred e somos um ótimo sujeito. Apenas nos apaixonamos
pela mulher errada (sempre) e herdamos problemas familiares (idem)...
Na cama, Bia, aquele sorriso; decifro
o que quiser...
- Eu previ. Sabia que ia acontecer.
Desde o dia em que te vi naquela festa - ela.
- Por isso me deu o número
do seu telefone.
- E fui eu que tive que te ligar.
Você não ligou... e a Amazônia ?
- E seu casamento? - devolvi.
- E se eu me apaixonar por você
“? - devolveu”.
- Não faça isso,
pelo amor de Deus! - mais uma vez me torturava.
- E se eu me apaixonar por você?
- perguntei.
- Faça isso. E depois me
telefona.
Uhmmm...
A história gira em torno de
um filho de empresário que decide criar uma espécie de seita
na Amazônia. A fronteira é ali do lado, a família é
conhecida e nossa garota vai se casar com o irmão do xamã.
Dá pra imaginar a confusão? O final deixa a gente sem rumo
e eu só digo uma coisa: esse é um dos meus livros preferidos,
de tudo que já li. De tudo.
Bala na Agulha
(1992) - Thomaz é o nosso nome e a gente trafica pra gente grã-fina
em Nova York. Não é de se orgulhar ser traficante né,
mas o mundo está confuso. Alguém morre. De quem vão
suspeitar? A saída é voltar para o Brasil, mas será
que o pai, recém eleito Chefe de Estado, vai querer um fugitivo?
E a família? Dúvidas... "As palavras falam por sí,
e estas são as minhas. Quer mesmo saber?" A tensão
escorre pelas páginas do livro. Fugas, desencontros, desencantos.
E incesto: "Parei de pensar e entrei. Que dimensão esse simples
movimento. Olhos assustados se perguntando: está acontecendo? Estava.
Aconteceu. E não interessam detalhes. Aconteceu".
Bem, você sabe...
Não
és tu Brasil (1996) - O cenário é uma mesa
de boteco. O ouvinte, um delegado. Dialogo? Poucos. Nosso herói
vai contando sua história: "Meus avós se conheceram
num trote. Ela discou um número, ele atendeu, ela ia fazer uma piada,
gostou da voz e cá estou". Outro fragmento dos pensamentos de
um garoto: "Meu maior medo é a solidão... E se eu nunca
me apaixonar por uma mulher e ficar sempre triste? E se eu nunca mais conseguir
dormir? E se eu parar de pensar. Penso demais, o tempo todo..." Já
vi esse filme...
A história segue e os personagens
vão surgindo. O principal: Lamarca, Capitão Carlos Lamarca.
O local: Xiririca da Serra, agora Eldorado, no Vale do Ribeira, férias
todo ano. Ano? 1969. Já dá pra imaginar aonde nosso herói
vai se meter, certo? E você, não faria a mesma coisa? E quem
nunca sonhou com uma história de guerrilheiros...
Esse é o Marcelo Rubens Paiva
que eu gosto. Mais? Bem, tem as peças de teatro (lançadas
em livro!) e se alguma passar pela sua frente, não perca. E tem
as matérias na Folha de São Paulo. De vez em quando Marcelo
nos brinda com alguma resenha antológica, como a do filme One Night
Stand (Por uma noite apenas), o texto à morte do amigo Renato
Russo
(Alfredinho, pra gente) ou
a entrevista que cedeu a ele mesmo. É o Marcelo de sempre, cínico,
irônico e divertido. Se realmente ele parar de escrever, a perda
será grande. Ele deve ter lá os seus motivos e também
se não tiver, a decisão é dele. Mas, entende-se, afinal,
se escrever uma poesia já consome a alma, imagina um livro! Mesmo
assim, caros amigos, vocês tem aqui cinco motivos pra gostar de Marcelo
Rubens Paiva.
Isso basta.
Textos de
Marcelo Rubens Paiva
Por Uma
Noite Apenas - Resenha
Alfredinho,
o missionário que se vai.
Marcelo
Rubens Paiva entrevista Marcelo Rubens Paiva
Texto
publicado na versão on paper do zine SY 5 |