Faixa
a Faixa
"Amanhã
é Tarde" - Fellini
por
Julio Costello
Eles são uma das mais famosas
"injustiçadas" bandas brasileiras dos anos 80. Do lançamento
de "O Adeus de Fellini" (em 1985) até o derradeiro "Amor Louco"
(em 1989), a banda cultivou vários elogios da crítica, o
que não refletia em reconhecimento do público. Com poucos
fãs, a banda sobrevivia em meio a outras atividades de seus integrantes.
Há 13 anos o grupo registrava
aquele que é considerado por muitos seu melhor álbum, "Amor
Louco". O disco vendeu módicas 1000 cópias, número
que não deve ter aumentado muito com a reedição do
álbum em CD no início do ano passado.
Foram então quase 13 anos de
espera. Cadão Volpato sabia que o amanhã não era tão
tarde assim, sabia que deveria continuar e que "Amor Louco" era a prova
incondicional do talento do grupo.
Programado para ser lançado
no segundo semestre de 2001, mas só agora disponível, "Amanhã
é Tarde" (Midsummer Madness)
traz o Fellini novamente reduzido a um duo (Thomas Pappon e Cadão
Volpato), assim como no segundo disco, "Fellini Só Vive 2 Vezes".
"Amanhã é Tarde" traz
a banda disseminando durante 54’43’’ odes/elegias sem a ausência
de coerência que acompanha quase todas as bandas ressuscitadas. O
processo de gravação foi semelhante ao dos primeiros discos
do grupo, ou seja, músicas gravadas na casa de Thomas Pappon num
porta-estúdio de quatro canis, no consagrado-obrigatório-esquema
lo fi.
O lançamento urge para confirmar
aquilo que já desconfiávamos, perdoem-me pelo clichê:
temos o disco do ano. Se for muito cedo para fazer tal afirmação?
Não sei. Sei que as 13 faixas do álbum preenchem a lacuna
dos 13 anos sem material inédito – uma faixa para compensar cada
ano e cada ausência das canções mais oblíquas
e claustrofóbicas de novamente melhor grupo brasileiro.
Polichinelo
A abertura do disco. Prenda a respiração
para ouvir essa faixa. Eu esperava algo parecido com The Gilbertos, o projeto
paralelo de Pappon, mas é Fellini em todas as faces. Esqueleto de
samba, letra/poema (isso existe?) hermética e vocal hipnótico
("Você vem...").
As Peles
Tem ótima atmosfera e uma belíssima
letra. A canção resume-se em imperativos, sugerindo mudanças,
metáfora de serpentes abandonando as peles: "Não olhe para
trás / lá ficaram as peles / pele de virar as costas pra
sempre / pele de ouvir a língua / pele de não entender nada
/ pele de deixar a morada / pele de partir pra outra / pele de deitar no
sofá da sala / pele de rir sozinho no eco da sua casa / pele de
portas fechadas".O andamento é redenção, a vocal de
retorno de Thomas em falsete, frágil e melancólica
– a melhor canção do disco.
Amanhã é Tarde
A faixa título, é uma canção
folk, moldura para versos como "ah, vem amanhã é tarde /
os olhos sonham / os braços apertam / a noite que cintila / a primavera
/ que arde". São linhas que aludem à angústia de quem
necessita de companhia em noites perfeitas e solitárias.
Gravado no Rio
Esta me surpreendeu pelos abençoados
ecos do Tamba Trio e Dave Brubeck. É uma ode ao Rio de Janeiro.
É o grande samba-jazz do grupo, algo já experimentado nos
outros discos do Fellini, mas concretizado a perfeição nesse
álbum.
Greve
Um híbrido de bossa/pop com
uma letra descritiva sobre uma garota "revoltada em meio à greve"
ouvindo música: "Nunca um dia assim bonito / ele e seus fones de
ouvido". Bela imagem cotidiana, num ângulo que só um poeta
pode ver.
Ventre Livre
É um "poema torto", amplamente
confessional. Cadão lista o que gosta e não gosta, abertamente,
ressaltando o amor por uma certa pessoa: "gosto de tudo em você".
O Quarto
Belos acordes dissonantes acompanham
essa faixa. Cadão canta sobre lembranças incômodas
que somos obrigados a carregar. "Hora de partir e de chegar", antítese
tão obrigatória e cara, temperada com o verso: "Abre a janela
e deixa o sol entrar". Esquema rímico: infinitivos.
Besouro
Inicia-se com um berimbau. Grande
sambinha que parece ser oferecido a uma criança às voltas
com seus brinquedos.
Retrato
Voz em falsete – voz grave de apoio,
ritmo divertido e versos que descrevem um antigo retrato: olhar perdido,
sorriso refletido no regaço, felicidade emulada.
Jardim Secreto
Alusão ao livro? Só
nas memórias de 1971: Um Lp por mês, testa com espinhas e
flores na cabeça. Outro samba maravilhoso e que me fez lembrar de
algumas coisas...
Contas
Uma declaração de amor,
uma balada apaixonante. A quietude vocal e o ritmo do violão de
Thomas preparam Cadão para uma brincadeira com os significados da
palavra "contas".
Longe
Esta é uma canção
que falta aos últimos discos de Milton Nascimento. Tem o texto mais
instigante do disco, ritmo delicioso. Foi inevitável, mas tentei
emular o baixo no meu Di Giorgio velhinho, mas fiquei tão atento
à letra que acabei me perdendo...
Canção
Metalinguagem? Sim. Muitos substantivos
de associações inéditas e interessantes e o que é
incrível, sem pedantismo. Somente uma bela canção
sobre coisas, ouvidos, chuvas, suplício, carne e osso e canção. |