Entrevista -
Anderson Soares
por
Marcelo Costa Foto: Lili Martins/Divulgação
maccosta@hotmail.com
21/09/2004
A house music brasileira chega às lojas com Muito Soul (Trama), primeiro álbum que traz o DJ Anderson Soares como produtor. Anderson é um dos principais nomes do house no País, com mais de 15 anos dedicados ao estilo. Antes do trabalho próprio, Anderson Soares foi responsável pela compilação House Essentials e passou pelas principais casas noturnas de São Paulo, tendo, ainda, tocado em clubs na Europa e nos Estados Unidos.
Toda a experiência do DJ pode ser conferida em Muito Soul, trabalho que
exibe a paixão pelo house sendo buscada direto na fonte: o soul e o funk do começo
dos anos setenta. "O suíngue une o disco",
explicou Anderson Soares. Para o DJ, Muito Soul "segue essa linha de resgate
da sonoridade da década de 70 com uma roupagem mais moderna".
Love & Hapiness abre o disco com acento soul, "mas vira brazuca no meio", completa Anderson. Entre e Ouça (de Ed Motta), a faixa seguinte, é um convite à dança, com Silvera mandando muito bem no vocal. A batida dançante continua em Acima dos Sete Mares, com letra e voz de Patrícia Marx, canção que já vem sendo executada tanto em pistas brasileiras quanto do exterior. A bossa marca presença em Menino do Morro, com letra, violão e scats de Jair Oliveira. A americana Mia T canta a house Look To The Sky enquanto Rosy Aragão canta a lenta e suingada O Tempo Dirá. O vocal personalíssimo de Paula Lima marca a black Tem Que Dar Certo.
Confira entrevista com Anderson Soares que conta como foi gravar Muito Soul, explica o que é a house music e conta que a idéia do disco foi buscar a raiz da história.
Muito Soul é o seu primeiro disco, certo?
Produzido 100%, sim.
O que era o House Essentials?
Era uma compilação em que eu mixava as músicas. Fiz a seleção de repertório e fui mixando como se estivesse à noite, em um club. É mais um trabalho de DJ. Já o Muito Soul é diferente. É um trabalho com músicas que fiz do zero, produzindo e compondo desde o início.
É semelhante o trabalho de DJ com o de produtor? Como foi essa coisa de mexer com o vinil e, de repente, estar com o artista na sua frente?
Na hora do trabalho do DJ você está executando o trabalho de alguém. Você está mostrando a sua técnica de mixagem. Já na hora de fazer um remix, ou construir uma música como produtor, é um método diferente. Você precisa ter um conhecimento um pouquinho diferente. É uma outra parada. Apesar de ter o envolvimento com a música e tal, ser DJ é uma coisa, ser produtor é outra parada.
Essa foi sua primeira experiência como produtor?
No caso das colaborações, eu já havia trabalhado com todos eles, com exceção da Rosy (Aragão) e da Mia T., que veio de Nova York. Como os conhecia, acabou sendo uma continuação dos trabalhos que eu já vinha desenvolvendo com cada um deles, através dos remixes. Agora, no álbum, foi legal por termos a oportunidade de juntar todo mundo e criar algo novo. Nos remixes, eu trabalhava em cima de uma estrutura que eles me davam. Agora foi ao contrário. Eu passei para eles a história e eles vieram comigo. Fiquei muito feliz porque todo mundo aceitou o convite na hora.
Como surgiu a cover do Ed Motta, Entre e Ouça?
Essa música é um clássico para mim. O disco é demais. E muita gente não conhece, apesar de ser um clássico. Considero o Ed (Motta) um dos principais artistas brasileiros. O resgate dessa música acabou servindo como uma homenagem ao Ed, ao músico e artista que ele é. A versão ficou com muita cara de pista.
Você pretende fazer remixes deste trabalho?
A gente está conversando ainda. Como o disco irá sair fora do Brasil também, a gente está pensando em algumas possibilidades, de repente lançar vinil e, dentro do vinil ter algum remix. E o remix não terá de ser necessariamente meu. Mas isso está sendo estudado, é muito cedo ainda. Eu sei que alguns amigos já estão tocando Acima dos Sete Mares, que conta com o vocal da Patrícia (Marx), tanto aqui quanto fora do Brasil.
Você tem alguma música preferida no disco?
Não, não tenho. Cada música transmite o sentimento do momento que eu estava vivendo na hora da composição. Eu tenho um carinho super especial por cada uma delas. Quem vai escolher a favorita é o público na hora que ouvir o trabalho todo. Não consigo fazer essa diferenciação.
Qual o clima de Acima dos Sete Mares? Como foi a composição?
O Acima dos Sete Mares é um house. A gente começa a sentir, através desta música, que o house é a coluna cervical do disco. A Patrícia (Marx) colaborou nos vocais e também na letra. Eu passei alguma idéia do que queria dizer nessa música, que na verdade é uma homenagem para a minha namorada, e a Patrícia logo em seguida trouxe a letra. Foi algo em torno de uma semana. A gravação tem o Cláudio Farinha fazendo solo de surdina, o Bocato (trombone) e o Márcio Negri (sax), um time de primeira. Para a house, a junção de todos estes elementos é muito bacana.
E a faixa cantada pela Paula Lima, Tem Que Dar Certo?
Tem Que Dar Certo surgiu quando eu estava indo para Londres. Eu já estava com a base da música meio pronta. A gente já tinha uma idéia de como seria. Então fiz essa viagem e o Paulinho (Ribeiro), meu parceiro, disse - por telefone - que estava pensando em escrever uma letra para aquela música. Nós já sabíamos que essa seria a faixa que nós iríamos mostrar para a Paula (Lima), para ela fazer o vocal. Quando cheguei de viagem e topei com a letra, falei: 'cara, é isso!'. Eu e o Paulinho temos essa conexão. A gente olha um para a cara do outro e já sabe mais ou menos o que o outro está pensando. Tudo flui muito bem. Ele mandou muito bem na letra e fez um solo de piano excelente. A Paula cantou muito bem também. Essa é uma música para a galera que gosta da batida mais suave. Acho que vai rolar legal nos bailes black.
O trabalho gráfico do Muito Soul me chamou a atenção...
Quem fez foi a Camila Sola e o Flavio Giannotti. A foto é da Lili (Martins). Esse é um grafite que está no muro da (gravadora) Trama. É o portão de entrada. A capa é um detalhe da arte que está no muro. Fazia um tempo que eu não ia até a o escritório da gravadora e quando cheguei e vi aquele muro, chapei. O desenho é um grafite, mas com um tratamento diferente. E é todo musical: tem um cara tocando percussão, outro no piano, uma garota no microfone e por ai vai. Pela história do grafite na cultura black, pela história do disco ser baseado na cultura black dos anos 70, aquele desenho casou direitinho com a idéia que eu tinha para a capa. E tanto a Lili quanto a Camila tinham a mesma idéia. Tinha que ser aquele desenho mesmo.
Para fechar, eu gostaria que você contasse um pouco da história da house music e como ela está presente em Muito Soul.
A house é um estilo que surgiu do meio para o fim dos anos 80. Ele serviu como
uma nova roupagem para o som dos clubs de Nova York e Chicago. Foram experimentos
que foram sendo feitos do início da década de 80, quando a disco music começou
a cair, até 1985. Em 86 começou a surgir o termo house. A bateria eletrônica
fazia o beat 4x4 tendo como inspiração referências harmônicas do início da década
de 70. Chicago tinha um timbre mais pesado do que Nova York, que se mantinha
enraizado na timbragem musical da disco music, contando, ainda, com vocal. Chicago
sofria uma influência européia, com o beat um pouco mais acelerado e o timbre
mais eletrônico. Com o boom da house, destacando estes dois centros, o som de
um começou a interferir no outro. A característica principal de Nova York, que
era o vocal, começou a aparecer em Chicago. E por sua vez, Nova York começou
a ter músicas de timbragem mais suja. Era o som da rua nos Estados Unidos, que
logo foi exportado para todo o mundo, chegando na Inglaterra com a explosão do
Hacienda e da acid house. Durante os anos 90, a house sofreu várias mutações
pela sua facilidade de absorver influências. A batida 4x4 consegue se encaixar
desde a percussão africana até a pegada da música brasileira, essa coisa de bossa.
Fica fácil de se encaixar novos elementos na base house. E essa facilidade fez
com que a house deixasse de ser apenas eletrônica, voltando a introduzir os instrumentos
novamente na música. Hoje é possível encontrar house com guitarra, baixo, solos
de sax. A house tem seu segmento totalmente eletrônico, mas também tem essa outra
linha que retoma o uso dos instrumentos. E aqui que se encaixa o Muito Soul. É house
music com instrumentação. Têm baixo, guitarra, naipe de metais, sintetizadores,
bateria eletrônica. O disco segue essa linha de resgate da sonoridade da década
de 70 com uma roupagem mais moderna. Além da parte de house, o Muito Soul busca
a raiz da história. É a sonoridade que inspirou a house. É exatamente por isso
que o disco se chama Muito Soul. Porque, independente do estilo de cada
uma das 13 faixas, o soul, o funk e o suíngue unem todas as músicas.
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