Entrevistão - Marcelo Nova
Antologia resgata a carreira do "último rocker brasileiro"

por Alexandre Petillo
2001

Talvez a definição acima seja exagerada. Afinal, ela é dada, com orgulho, pelo próprio Marcelo Nova. O vocalista da primeira banda punk baiana, o Camisa de Vênus, ganha uma caprichada retrospectiva, chamada Tijolo na Vidraça. A gravadora Som Livre colocou no mercado uma caixa com três CDs reunindo a obra quase completa de Marcelo Nova. Os discos, apresentados em ordem cronológica, trazem 22 gravações inéditas, entre covers de Bob Dylan, Led Zeppelin e canções compostas este ano. O destaque vai para a faixa Controle Total, composta em 1980, um dos primeiros registros do extinto Camisa de Vênus, que Nova sepultou de vez. "Estou com mais de 40 anos, não pega bem ficar brincando de adolescente", diz.

Pouco conhecido pela nova geração de apreciadores do rock nacional, Marcelo Nova gosta de atirar para todos os lados. Nesse bate-papo, o roqueiro intitula-se criador da música vulgar brasileira, destrói Samuel Rosa e o novo rock nacional como um todo, fala de drogas e, claro, com autoridade, de estrada e rock'n'roll. "Minha turnê começou há 21 anos e nunca mais parou. E não vai parar enquanto eu estiver de pé. Enquanto eu tiver língua e dedo, mulher nenhuma me mete medo". Segue:

Como está se sentindo as portas de virar um cinquentão?
Cara, estou seguindo o meu caminho. Estou me sentindo da mesma maneira que me sentia quando tinha 10, 27 ou quando tinha 44. Essa é uma viagem só de ida, você tem que aproveitar, porque acaba logo.

Vai ter alguma comemoração especial?
O pessoal do Sesc está armando uma festa, acho que vai ser legal. Ando achando muito engraçado isso.

Fazendo uma retrospectiva da sua carreira, onde você se encaixa na história do rock nacional?
Não sei, isso são as pessoas que tem que dizer. Eu só acho que sou o único rocker vivo no Brasil. O resto é tudo bunda mole. O mundo está cheio de bunda mole.

Como você se apresentaria para um moleque de 15 anos que começou a ouvir rock agora?
O último rocker brasileiro vivo.

De quem foi a idéia de lançar essa caixa?
Eu estava em Salvador quando recebi um telefonema do Hélio Costa Manso, diretor artístico da Som Livre, com quem eu tinha trabalhado na RGE, na época do Camisa. Ele morou a década de 90 inteira em Los Angeles. Daí ele me disse no telefone: 'Quando eu saí do Brasil você era o cara das encrencas no rock. Voltei de viagem e você continua sendo. Precisamos contar a sua história para a molecada'. Eu achei isso muito interessante, ainda mais vindo de um diretor de gravadora, que é uma raça não muito dada a sentimentos. Topei na hora. Aproveitei e paguei tributo para alguns caras que eu sempre tive vontade de gravar, como Led Zeppelin, The Doors e Lou Reed.

Não há nada que preste no novo rock nacional?
De novo? De novidade? Rapaz acho que eu não sei de nada novo. Não sei o que está acontecendo. Eu viajo tanto, toco tanto, me preocupo tanto com o meu trabalho que não ouço nada de novo. Eu não sei o que está acontecendo. De um modo geral acho que deve existir algumas bandas na garagem que estão começando, que devem, evidentemente, ter uma sonoridade mais original, que devem trazer um discurso mais significativo, um texto contundente. As bandas que estão aí na mídia, pelo que eu tenho ouvido, é tudo lixo. Me parece que é tudo um bando de meninos bobos. Está precisando de alguém que chute o saco do Gugu. Está difícil. São umas letras muito bobinhas, sem sentido. Musicalmente, então, é uma mistureba só. Eles misturam reggae, misturam funk, mistura rock, mistura pop. É uma coisa sem personalidade. Não gosto, mas espero que apareça alguma coisa legal. Fico torcendo, porque sempre fui muito ligado a esse negócio de ter algo que conteste tudo isso que está aí. Algo que conteste essa meia-verdade. As gravadoras, esses diretores de gravadoras, bicho, eles pegam essa molecada, espremem, espremem, que nem suco e joga fora depois e pega outro. Porque é fácil você se livrar disso. Mas fico torcendo que apareça uma molecada esperta. É necessário que apareça uma molecada disposta a chutar a nossa bunda. Não podemos ser nós, com quase 50 anos de idade, que vamos ficar chutando a bunda dos moleques. No meu tempo, a gente não dava espaço para os mais velhos. Eu chutava a bunda dos velhos na boa. E agora são os velhos que estão chutando a bunda dos meninos. Tem alguma coisa de errado nisso aí, porra.

Por que os sucessos de dinossauros do rock brasileiro como Ira! e Capital Inicial agora, depois de anos no ostracismo?
Não sei. Acho que eles deveriam voltar, né? Acho que era a hora deles. Mas tem que saber diferenciar quem merece de quem está aí por alguma razão. Tem gente que é honesto.

Como quem?
Aí você tem que perguntar para os donos das gravadoras. Eu só sou músico.

Mas precisa da mídia, certo?
Eu não. Porque sempre vai existir pessoas que repartam do meu gosto pelo bom rock'n'roll e que irão aos meus shows. O meu trabalho é fruto de uma reflexão e de um esforço no sentido do sangue, do intestino, da víscera, da alma. Não posso compartilhar a minha alma com as pessoas sendo puxado pelo cabresto por qualquer engravatado. Depois de mais de vinte anos fazendo música, eu já ganhei disco de platina, de ouro e de couro, quando não se vende porra nenhuma. Se eu não me preocupei com isso lá atrás não vou me preocupar agora. Estou aí até hoje, do mesmo jeito. E não fiquei pulando de galho em galho, ficando na crista da onda, mudando a cada estação ou moda. Uma coisa que nunca podem dizer da minha carreira é que nunca fui íntegro ou honesto.

Por que o rock brasileiro não resistiu à década de 90?
Por que não existiu uma geração que segurasse a onda?

Não existiu nada de relevante. Só merda. A influência dessa molecada é outra. Ouviram muito MPB e rockzinho inglês. Tem muito roqueirinho usando jaqueta de couro de vaca louca inglesa e guitarra Fender. Aí você pergunta pro cara, "quais são as suas influências", aí o moleque grita "Milton, Djavan, Caetano e Gil".

Como foi o seu primeiro contato com o rock'n'roll?
Foi muito cedo, muito cedo. Meu pai me deu um disco de Little Richard aos 8 anos de idade e eu adorei. Ouvia sem parar. Ouvia também porque eu não agüentava mais ouvir bossa-nova. Minha irmã ouvia bossa-nova e eu não agüentava mais. Foi uma descoberta que me deu um certo alívio auditivo.

O roqueiro de hoje desdenha bandas e o rock feito nos anos 50/60 e ouvem as bandas, que de uma certa forma, nasceram e diluíram essas influências, como Oasis, por ex. O que você acha disso?
Falta um pouco de energia e informação. Com essas coisas de computador e Internet ficou tudo muito fácil. E a facilidade gera preguiça. Então, é basicamente isso. Está surgindo aí uma geração que sabe de tudo, mas não conhece nada.

O rock também passa por uma invasão de bandas fofinhas, escocesas, que fazem um popzinho açucarado e reclamam o tempo todo porque chove lá fora. Você já ouviu algumas dessas bandas? Por que não existem mais roqueiros com cara de bandido?
Porque o mundo está cheio de bundão. Um dia me mostraram uns troços ingleses desses e fiquei com enjôo. Nego chorando porque o sucrilhos estragou. Acredito que quem gosta desse tipo de música só pode ser publicitário. É coisa de publicitário. São caras sensíveis, que depois colocam essas babas na TV, com um casal correndo na praia em câmera lenta. Cada época tem os seus bunda-moles. Quando o Elvis estava no auge, na década de 50, também tinham aqueles caras que faziam as baladinhas chatinhas, como Pat Boone, Donovan e outros. Resta a você escolher a sua turma. Ou você é roqueiro ou não. Ou então você vira evangélico.

Quais os discos e artistas fundamentais para influenciar uma boa banda de rock?
Se o cara não tiver nenhum disco dos Beatles, do Elvis, do Velvet Underground ou dos Pistols em casa não pode dizer que gosta de rock.

Como era ouvir rock e ser roqueiro na Bahia?
A diferença básica é que eu não tinha amigos. Ninguém ouvia comigo. Eu ouvia sozinho, mas ouvia o dia inteiro. Ninguém reclamava. Tinha uma vitrolinha que tinha um som fraquinho, então eu não conseguia incomodar ninguém. Era mais o fato de você estar sabendo que estava rolando alguma coisa diferente do que todo mundo estava ouvindo. E isso também era bom porque me dava uma sensação de que eu pertencia ao mundo misterioso e selvagem (cai numa gargalhada maligna). Daí por diante, hoje, a minha coleção chega a mais ou menos um dez mil discos. Mas só de rock'n'roll. Eu não tenho essas coisas... Tem gente que tem 20, 30 mil. A minha fixação não é pela quantidade. É uma coleção de rock’n’roll. Uma coisa que eu posso dizer com certeza é que é uma bela coleção de rock. Tudo que foi bom nesse gênero estão ali nas minhas estantes.

E o punk?
Foi bom. Trouxe de volta tudo para as origens. Dando possibilidade a gente como eu, que não sabia tocar nada, de encontrar o meu caminho. Foi importantíssimo. Mais do que musicalmente, a atitude foi mais importante aí. Eu me beneficiei do fato de ter um programa de rádio em Salvador para divulgar o Camisa de Vênus no começo. Fez com que eu pudesse divulgar os shows e as pessoas foram ao encontro. Mas aí eu tive que sair da rádio e virei rocker 24 horas por dia.

Perdeu a sua "baianidade"?
Isso é papo furado de baiano, cara. É igual aquele ditado que diz que baiano não nasce, estréia. Isso é merda. Essa história de que a Bahia é mística, de que é o paraíso tropical, é tudo merda. Não vê o caos que é lá? Não tem nem policia mais lá. O Antônio Carlos Magalhães é cassado por corrupção e é recebido como herói. Depois dizem que é uma terra mística. Isso é papo furado para turista paulista otário ir para lá e gastar todo o dinheiro suado, que ganhou respirando poluição onze meses por ano. Aí o cara vai lá pensando que é o paraíso. Balela. Uma vez o Gilberto Gil disse que a Bahia e a Jamaica tinham um elo de ligação. Mas por enquanto só apareceram por aqui muitos 'Bob Malas' e nenhum Bob Marley.

Como foram os primeiros shows de uma banda punk na Bahia?
Era uma espécie de cisão cultural na cidade. Algumas pessoas começaram a adorar e onde a gente fosse tocar, elas iam atrás. E tinha gente que odiava e ia ficava indignada com o fato de atrair uma multidão e estar criando uma cena sem pedir permissão para os velhos patrões, que você sabem quem é, eu não preciso dizer os nomes.

Quando você teve o estalo de que precisa ter uma banda?
Ter uma banda era um desejo antigo, desde garoto. Agora, eu só vislumbrei essa possibilidade quando surgiu o punk. Dava pra tocar com guitarra vagabunda. Os parâmetros não eram mais Led Zeppelin e Pink Floyd. Os parâmetros eram Sex Pistols e Clash. Dava para conseguir montar uma banda com pouco investimento, pouca grana, pouca produção. A atitude do punk foi o mais importante de tudo. Inúmeras pessoas puderam se expressar graças ao punk rock.

Sente saudades do Camisa?
Nenhuma. O Camisa sou eu, cara. Eu criei o Camisa, eu dei o nome ao Camisa, eu fiz todas as letras do Camisa, eu fiz várias músicas no Camisa. O Camisa sou eu e eu não tenho saudade de mim.

Então por que a sua carreira solo não engrenou?
Como não engrenou? Eu tenho uma carreira solo com mais de seis títulos lançados, sem contar o que eu gravei em parceria com o Raul Seixas. Eu sou um artista e não me acomodei em momento algum. Eu estou lançando uma caixa agora que é exatamente isso, ou seja, ela começa no Camisa, no qual me orgulho de ter integrado e ter criado. Mas a minha carreira é muito maior do que a banda. Bandas são feitas para acabar um dia. Como acabaram os Beatles, como acabaram os Raimundos, não importa a nacionalidade da banda. Banda de rock é feita para acabar, para não correr o risco de ficar chata, como os Rolling Stones, que já deviam ter acabado há muito tempo. Banda de rock tem que acabar cedo. Banda, o nome já diz, deriva de bando é uma coisa adolescente, anda todo mundo em grupo, todo mundo se veste igual. Aliás, se o lance é falar sobre rebeldia, por que todo mundo se veste igual em banda de rock? Você entende? Então, banda tem que acabar. Banda só é legal quando você tem 20 anos. Depois dos 40 anos de idade ninguém fica mais andando em bando. Isso é uma coisa adolescente.

Rock é coisa de adolescente?
É

E por que você continua tocando aos 50 anos?
Porque, meu amigo, é só isso que eu sei fazer. Eu não tenho outra chance. Eu não tenho imóvel, eu não tenho fazenda, eu não invisto na Bolsa, eu não abri casas noturnas... Eu só sei fazer música, cara, mais nada. Então, eu não tenho alternativa, até gostaria de ter, mas não tenho. Eu ter que fazer música é a minha paixão primordial. Minha vida é ficar na estrada tocando o tempo todo. Só isso importa.

E a família?
A família fica para os dias que eu não estou na estrada, que é a parte boa e ruim. Ruim porque eu me afasto muito dela. Eu tenho um filho de 8 anos, chamado Drake, que é muito apegado a mim e eu a ele. Mas por outro lado, eu entendo, porque a criança na relação é ele e não eu, eu entendo que é necessário que eu me afaste dele, para eu poder fazer o meu trabalho e para que ele também saiba que não vai ter o papai dele o tempo todo. Porque a vida não é feita de papai e filhinho e filhinho e papai. É bom que tenha uma relação intensa e próxima e que essa relação também continue intensa à distância. Cada um sabendo a falta que o outro faz, mas é necessária essa distância. A gente conversa bastante, sobre tudo. Ao invés da gente ficar em frente à televisão assistindo o Pokemón, a gente conversa muito. Ele só descobriu a existência da Xuxa há alguns meses. Ele descobriu quem era por acaso.

Como você vê a cultura musical hoje em dia?
Primeiro que não existe cultura musical no Brasil. Não existe. Existem ótimos artistas em distintas épocas.

Como quem?
Como os Mutantes, Jards Macalé, Walter Franco, Adelino Moreira, Raul Seixas... Vários artistas em diferentes épocas, mas cultura musical... Porque não existe uma cultura brasileira em si, e se não existe cultura não seria a música privilegiada. Nós não temos uma história. Nós apagamos a nossa história, constantemente, em busca do novo. E o novo amanhã está velho. Nós somos tolos. Eu, você, quem está lendo essa entrevista agora, nós brasileiros somos tolos. Nós acreditamos na modernidade, de que é necessário ser moderno. O mar não é moderno, o sol não é moderno, a lua não é moderna. As árvores não são modernas, os oceanos não são modernos e sem eles nós não vivemos. Então, quem quer ser moderno é babaca, é tolo, é bobo.

Mas você não se preocupa com o seu filho ouvindo a música popular de hoje?
Ele não tem contato com esse mundo. Ele nem sabe quem toca no rádio. Aqui na minha casa a gente não passa por esse universo. Eventualmente ele vê na casa de um colega, na rua ou no shopping. Eu não estou criando para ele um mundo fantasioso, não estou isolando-o. Ele vai ter que lidar com essa sociedade que está aí. Mas faço questão que ele saiba diferenciar uma coisa de outra. A partir daí, a opção é dele. Aí eu não vou interferir mais. Mas enquanto ele está nessa idade tão tenra, é minha obrigação mostrar para ele que as coisas não são iguais. Que existem diferenças.

Mas de uma certa forma você foi o precursor dessa vulgaridade da música popular, com "Silvia", por exemplo. Boa parte do público que ia aos shows do Camisa de Vênus ia mais para gritar "bota pra fuder" nas barbas da ditadura do que para ouvir o som da banda.
Você vê como nós somos tolos. Você pega uma música boba como Silvia, uma música boba, que além de boba ela é chata. Ela chata e foi censurada. Quando uma música boba e chata é censurada você imagina o que está por trás do país. Oh boy! Pensando bem eu acho que eu sou o precursor dessa palhaçada toda. Sou eu sim o culpado. Quando eu inseri palavrão na música brasileira, porque antes de mim não existia isso, o que muita pouca gente sabe. Eu estava na verdade tirando o chapéu para Plínio Marcos (autor teatral). Eu tinha visto uma peça de Plínio chamada Dois Perdidos Numa Noite Suja muito anos atrás, muitos anos antes do Camisa. E a platéia ficava horrorizada com toda aquela série de vai tomar no cu, filho da puta, vai se foder, disparada pelos atores. Que era, na verdade, ou melhor, não era nenhuma apologia ao palavrão, era apenas o uso da linguagem cotidiana. Só que era uma linguagem que não fazia parte da dramaturgia brasileira. O Brasil vivia fazendo tradução de peça de (Bertold) Brecht e Plínio veio com uma linguagem totalmente brasileira. Aquilo me impressionou e pensei e fazer o mesmo em música. E fiz. E, claro, provocou uma reação enorme. Com isso eu inventei a música vulgar popular brasileira. Mas eu só abri a porta. Um monte de gente veio atrás. Eu não era mais responsável. Eu não fui o porteiro. Eu abri a porta e fui embora, porque essa é uma porta que não me interessa ficar de porteiro e muito menos ficar angariando créditos por ter feito isso. Fiz sim, e daí? Não tem mais essa. Já fui, acabou. Agora, tem muita gente que ainda está fazendo isso. Mas naquela época era contestador. A censura federal tirava os meus discos das lojas. Os discos eram presos. Eu ficava solto, mas os discos iam em cana. Eu olhava e pensava: "será que eu sou um Che Guevara do rock?". Mas era adolescente esse negócio de gritar "bota pra fuder em show". Era revolucionário naquela época. Esse grito, que até hoje me persegue onde quer que eu vá, dava uma sensação adolescente para a platéia, não importando a idade. É gozado, eu vejo homens de cinqüenta anos de idade gritando bota pra fuder. É um grito de liberação, de contestação. É curioso.

É verdade que você joga muita música fora?
Música nem tanto, mas letras sim. O que eu jogo fora dava para abastecer todas essas bandas nacionais que estão aí. Dava para abastecer com álbuns triplos. Jogo fora porque acho que não ficaram do jeito que eu queria. Mas também jogo fora para amanhã eu não resistir à tentação de pegar essas velharias, olhar e dizer: "ah, mas não ficou tão ruim assim, se eu concertar aqui, colocar um refrão, vai ficar melhor". Não gosto de enganar os fãs.

Qual foi a importância das drogas na sua música?
O quê, droga? Na minha música? Claro. Teve importância na minha vida. As drogas foram muito importantes. Eram não, foram importantes na minha música, foram na minha vida. Eu comecei a tomar droga muito cedo, a fumar maconha, a tomar LSD muito cedo, com 17, 18 anos de idade. E também parei muito cedo porque eu tomei muito, foram experiências únicas. E não estou falando dessas bobagens de êxtase, essas coisas malhadas, essas bobagens. Estou falando do puro mesmo, da época em quer ácido lisérgico mesmo, de verdade. Eu tive experiências fabulosas e outras horríveis, pavorosas. Porque eu fui a minha própria cobaia. Não existia, assim como não existe, nenhuma literatura explicativa sobre o assunto. Cocaína, maconha, LSD, crack, é tudo tratado da mesma forma nas campanhas. "Diga não às drogas", dizem aí. É uma coisa totalitária e burra de quem faz campanha anti-droga. Assim como quem toca rock atualmente no Brasil não é roqueiro de verdade, quem faz campanha antidrogas nunca tomou drogas, então não sabe do que está falando. Cara, eu falo tudo isso para os meus filhos. Lá em casa não existe tabu. Eu não vou falar para a minha filha, "olha, isso aqui mata". Não, isso aqui mata se você usar em excesso. Isso é legal, isso não é bom. É tudo um questionamento. Na minha casa não entra babaca, de espécie nenhuma.

Quando você encosta a cabeça no travesseiro, qual é o momento da sua carreira que você acha mais marcante?
O dia em que eu entrei no estúdio pela primeira vez. Eu jamais imaginei que um dia eu conseguisse. No dia em que eu entrei no estúdio pela primeira vez para gravar um álbum, eu disse: "puta que pariu, era isso que eu queria". De lá pra cá e tudo o mais foi uma espécie daquele dia que eu entrei no estúdio.

E a parceria com o Raul Seixas?
Foi uma das experiências mais rocks da minha vida. As seções da Panela do Diabo foram muito boas. Aquilo é rock.

Existe uma história de que você se aproveitou, já que estava com a carreira solo em baixa, para se levantar junto com o Raul. O que você acha disso?
Quem saiu com essa história foi o tal do Samuel Rosinha, você conhece? O engraçado é o seguinte, onde é que esse cara estava nessa época em que eu tocava com o Raul? Deveria estar sentado numa calçada ouvindo Clube Da Esquina, pedindo autógrafo para Beto Guedes. De bunda mole o país está cheio. Está cheio de bunda mole aí.

Algumas pessoas também declararam que você foi péssima influência para o Raul, já que ele voltou a beber depois que começou a andar contigo.
Isso é a maior idiotice que eu já ouvi. O Raul já era má companhia por si só. Mas se eu sou uma má-companhia, o Samuel pode ficar tranqüilo porque ele nunca vai andar comigo. Eu não ando com bundão. Ele pode ficar tranqüilo. Ele não precisa ficar se preocupando se eu sou má-companhia. E logo com quem, com Raulzito (solta uma gargalhada). É, tem gente que não tem idéia do que está falando. O nego quer aparecer. É legal aparecer agora que Raul está morto e virou um mito. É legal um monte de gente querer aparecer através dele. Gente que nunca o conheceu, que não teve nenhum contato com ele. Bunda mole, não existe outra palavra. É um menino bobo.

O que você tem ouvido de novo?
Nada

Los Hermanos?
Não conheço. Ouvi uma música muito em rádio, tocava em todo lugar que eu ia. E toda música que toca durante muito tempo é foda. Cara era o nome de uma garota... (informado de que é Anna Julia) Ah, exatamente (começa a cantar o refrão da música). Toda música que toca demais enche o saco, seja Anna Julia ou Joana D'Arc. O resto do trabalho da banda eu não tenho menor idéia..

E o acústico do Rei Roberto?

Não sei. Eu ouvia muito Roberto Carlos quando era moleque. Naquela época de Quero Que Tudo Mais Vá Pro Inferno e É Proibido Fumar. Eu era garoto e achava bacana. Via uma cena pela qual eu me identificava. Mas, enfim, eu e Roberto não temos muita coisa em comum. Ele é um homem religioso e eu sou ateu, graças a Deus. Ele gosta de bolero e eu gosto de rock'n'roll. Eu desejo a ele uma vida longa e muito sucesso. Ele parece ser um homem de bem e eu respeito os homens de bem.

Radiohead?
Um amigo me mostrou dizendo que era a nova revolução do rock. Se for, a música está perdida, porque ali não tem rock nenhum.

Bidê Ou Balde?
Eu fiz uma turnê no Rio Grande do Sul com a Bidê Ou Balde tocando. Eles tocando e eu cantando. Eu passei uma lista de músicas minhas para eles e eles tiraram exatamente como elas eram nas versões originais. Diverti-me muito tocando como eram nos originais. Eu nunca faço isso, porque eu nunca sei como vou estar em cima do palco. Eles são bons amigos, são pessoas que eu gosto muito. Musicalmente, eles estão começando um trabalho e torço para que cheguem lá.

Caê?
Quem? O amigo do Lobão?