Entrevistão
- Marcelo Nova
Antologia
resgata a carreira do "último rocker brasileiro"
por
Alexandre Petillo 2001
Talvez
a definição acima seja exagerada. Afinal, ela
é dada, com orgulho, pelo próprio Marcelo Nova.
O vocalista da primeira banda punk baiana, o Camisa de Vênus,
ganha uma caprichada retrospectiva, chamada Tijolo na Vidraça.
A gravadora Som Livre colocou no mercado uma caixa com três
CDs reunindo a obra quase completa de Marcelo Nova. Os discos,
apresentados em ordem cronológica, trazem 22 gravações
inéditas, entre covers de Bob Dylan, Led Zeppelin e canções
compostas este ano. O destaque vai para a faixa Controle
Total, composta em 1980, um dos primeiros registros do extinto
Camisa de Vênus, que Nova sepultou de vez. "Estou com
mais de 40 anos, não pega bem ficar brincando de adolescente",
diz.
Pouco
conhecido pela nova geração de apreciadores do
rock nacional, Marcelo Nova gosta de atirar para todos os lados.
Nesse bate-papo, o roqueiro intitula-se criador da música
vulgar brasileira, destrói Samuel Rosa e o novo rock
nacional como um todo, fala de drogas e, claro, com autoridade,
de estrada e rock'n'roll. "Minha turnê começou
há 21 anos e nunca mais parou. E não vai parar
enquanto eu estiver de pé. Enquanto eu tiver língua
e dedo, mulher nenhuma me mete medo". Segue:
Como
está se sentindo as portas de virar um cinquentão? Cara,
estou seguindo o meu caminho. Estou me sentindo da mesma maneira
que me sentia quando tinha 10, 27 ou quando tinha 44. Essa é
uma viagem só de ida, você tem que aproveitar,
porque acaba logo.
Vai
ter alguma comemoração especial? O
pessoal do Sesc está armando uma festa, acho que vai
ser legal. Ando achando muito engraçado isso.
Fazendo
uma retrospectiva da sua carreira, onde você se encaixa
na história do rock nacional? Não
sei, isso são as pessoas que tem que dizer. Eu só
acho que sou o único rocker vivo no Brasil. O resto é
tudo bunda mole. O mundo está cheio de bunda mole.
Como
você se apresentaria para um moleque de 15 anos que começou
a ouvir rock agora? O
último rocker brasileiro vivo.
De
quem foi a idéia de lançar essa caixa? Eu
estava em Salvador quando recebi um telefonema do Hélio
Costa Manso, diretor artístico da Som Livre, com quem
eu tinha trabalhado na RGE, na época do Camisa. Ele morou
a década de 90 inteira em Los Angeles. Daí ele
me disse no telefone: 'Quando eu saí do Brasil você
era o cara das encrencas no rock. Voltei de viagem e você
continua sendo. Precisamos contar a sua história para
a molecada'. Eu achei isso muito interessante, ainda mais vindo
de um diretor de gravadora, que é uma raça não
muito dada a sentimentos. Topei na hora. Aproveitei e paguei
tributo para alguns caras que eu sempre tive vontade de gravar,
como Led Zeppelin, The Doors e Lou Reed.
Não
há nada que preste no novo rock nacional? De
novo? De novidade? Rapaz acho que eu não sei de nada
novo. Não sei o que está acontecendo. Eu viajo
tanto, toco tanto, me preocupo tanto com o meu trabalho que
não ouço nada de novo. Eu não sei o que
está acontecendo. De um modo geral acho que deve existir
algumas bandas na garagem que estão começando,
que devem, evidentemente, ter uma sonoridade mais original,
que devem trazer um discurso mais significativo, um texto contundente.
As bandas que estão aí na mídia, pelo que
eu tenho ouvido, é tudo lixo. Me parece que é
tudo um bando de meninos bobos. Está precisando de alguém
que chute o saco do Gugu. Está difícil. São
umas letras muito bobinhas, sem sentido. Musicalmente, então,
é uma mistureba só. Eles misturam reggae, misturam
funk, mistura rock, mistura pop. É uma coisa sem personalidade.
Não gosto, mas espero que apareça alguma coisa
legal. Fico torcendo, porque sempre fui muito ligado a esse
negócio de ter algo que conteste tudo isso que está
aí. Algo que conteste essa meia-verdade. As gravadoras,
esses diretores de gravadoras, bicho, eles pegam essa molecada,
espremem, espremem, que nem suco e joga fora depois e pega outro.
Porque é fácil você se livrar disso. Mas
fico torcendo que apareça uma molecada esperta. É
necessário que apareça uma molecada disposta a
chutar a nossa bunda. Não podemos ser nós, com
quase 50 anos de idade, que vamos ficar chutando a bunda dos
moleques. No meu tempo, a gente não dava espaço
para os mais velhos. Eu chutava a bunda dos velhos na boa. E
agora são os velhos que estão chutando a bunda
dos meninos. Tem alguma coisa de errado nisso aí, porra.
Por
que os sucessos de dinossauros do rock brasileiro como Ira!
e Capital Inicial agora, depois de anos no ostracismo? Não
sei. Acho que eles deveriam voltar, né? Acho que era
a hora deles. Mas tem que saber diferenciar quem merece de quem
está aí por alguma razão. Tem gente que
é honesto.
Como
quem? Aí
você tem que perguntar para os donos das gravadoras. Eu
só sou músico.
Mas
precisa da mídia, certo? Eu
não. Porque sempre vai existir pessoas que repartam do
meu gosto pelo bom rock'n'roll e que irão aos meus shows.
O meu trabalho é fruto de uma reflexão e de um
esforço no sentido do sangue, do intestino, da víscera,
da alma. Não posso compartilhar a minha alma com as pessoas
sendo puxado pelo cabresto por qualquer engravatado. Depois
de mais de vinte anos fazendo música, eu já ganhei
disco de platina, de ouro e de couro, quando não se vende
porra nenhuma. Se eu não me preocupei com isso lá
atrás não vou me preocupar agora. Estou aí
até hoje, do mesmo jeito. E não fiquei pulando
de galho em galho, ficando na crista da onda, mudando a cada
estação ou moda. Uma coisa que nunca podem dizer
da minha carreira é que nunca fui íntegro ou honesto.
Por
que o rock brasileiro não resistiu à década
de 90?
Por que não existiu uma geração que segurasse
a onda? Não
existiu nada de relevante. Só merda. A influência
dessa molecada é outra. Ouviram muito MPB e rockzinho
inglês. Tem muito roqueirinho usando jaqueta de couro
de vaca louca inglesa e guitarra Fender. Aí você
pergunta pro cara, "quais são as suas influências",
aí o moleque grita "Milton, Djavan, Caetano e Gil".
Como
foi o seu primeiro contato com o rock'n'roll? Foi
muito cedo, muito cedo. Meu pai me deu um disco de Little Richard
aos 8 anos de idade e eu adorei. Ouvia sem parar. Ouvia também
porque eu não agüentava mais ouvir bossa-nova. Minha
irmã ouvia bossa-nova e eu não agüentava
mais. Foi uma descoberta que me deu um certo alívio auditivo.
O
roqueiro de hoje desdenha bandas e o rock feito nos anos 50/60
e ouvem as bandas, que de uma certa forma, nasceram e diluíram
essas influências, como Oasis, por ex. O que você
acha disso? Falta
um pouco de energia e informação. Com essas coisas
de computador e Internet ficou tudo muito fácil. E a
facilidade gera preguiça. Então, é basicamente
isso. Está surgindo aí uma geração
que sabe de tudo, mas não conhece nada.
O
rock também passa por uma invasão de bandas fofinhas,
escocesas, que fazem um popzinho açucarado e reclamam
o tempo todo porque chove lá fora. Você já
ouviu algumas dessas bandas? Por que não existem mais
roqueiros com cara de bandido? Porque
o mundo está cheio de bundão. Um dia me mostraram
uns troços ingleses desses e fiquei com enjôo.
Nego chorando porque o sucrilhos estragou. Acredito que quem
gosta desse tipo de música só pode ser publicitário.
É coisa de publicitário. São caras sensíveis,
que depois colocam essas babas na TV, com um casal correndo
na praia em câmera lenta. Cada época tem os seus
bunda-moles. Quando o Elvis estava no auge, na década
de 50, também tinham aqueles caras que faziam as baladinhas
chatinhas, como Pat Boone, Donovan e outros. Resta a você
escolher a sua turma. Ou você é roqueiro ou não.
Ou então você vira evangélico.
Quais
os discos e artistas fundamentais para influenciar uma boa banda
de rock? Se
o cara não tiver nenhum disco dos Beatles, do Elvis,
do Velvet Underground ou dos Pistols em casa não pode
dizer que gosta de rock.
Como
era ouvir rock e ser roqueiro na Bahia? A
diferença básica é que eu não tinha
amigos. Ninguém ouvia comigo. Eu ouvia sozinho, mas ouvia
o dia inteiro. Ninguém reclamava. Tinha uma vitrolinha
que tinha um som fraquinho, então eu não conseguia
incomodar ninguém. Era mais o fato de você estar
sabendo que estava rolando alguma coisa diferente do que todo
mundo estava ouvindo. E isso também era bom porque me
dava uma sensação de que eu pertencia ao mundo
misterioso e selvagem (cai numa gargalhada maligna). Daí
por diante, hoje, a minha coleção chega a mais
ou menos um dez mil discos. Mas só de rock'n'roll. Eu
não tenho essas coisas... Tem gente que tem 20, 30 mil.
A minha fixação não é pela quantidade.
É uma coleção de rock’n’roll. Uma coisa
que eu posso dizer com certeza é que é uma bela
coleção de rock. Tudo que foi bom nesse gênero
estão ali nas minhas estantes.
E
o punk? Foi
bom. Trouxe de volta tudo para as origens. Dando possibilidade
a gente como eu, que não sabia tocar nada, de encontrar
o meu caminho. Foi importantíssimo. Mais do que musicalmente,
a atitude foi mais importante aí. Eu me beneficiei do
fato de ter um programa de rádio em Salvador para divulgar
o Camisa de Vênus no começo. Fez com que eu pudesse
divulgar os shows e as pessoas foram ao encontro. Mas aí
eu tive que sair da rádio e virei rocker 24 horas por
dia.
Perdeu
a sua "baianidade"? Isso
é papo furado de baiano, cara. É igual aquele
ditado que diz que baiano não nasce, estréia.
Isso é merda. Essa história de que a Bahia é
mística, de que é o paraíso tropical, é
tudo merda. Não vê o caos que é lá?
Não tem nem policia mais lá. O Antônio Carlos
Magalhães é cassado por corrupção
e é recebido como herói. Depois dizem que é
uma terra mística. Isso é papo furado para turista
paulista otário ir para lá e gastar todo o dinheiro
suado, que ganhou respirando poluição onze meses
por ano. Aí o cara vai lá pensando que é
o paraíso. Balela. Uma vez o Gilberto Gil disse que a
Bahia e a Jamaica tinham um elo de ligação. Mas
por enquanto só apareceram por aqui muitos 'Bob Malas'
e nenhum Bob Marley.
Como
foram os primeiros shows de uma banda punk na Bahia? Era
uma espécie de cisão cultural na cidade. Algumas
pessoas começaram a adorar e onde a gente fosse tocar,
elas iam atrás. E tinha gente que odiava e ia ficava
indignada com o fato de atrair uma multidão e estar criando
uma cena sem pedir permissão para os velhos patrões,
que você sabem quem é, eu não preciso dizer
os nomes.
Quando
você teve o estalo de que precisa ter uma banda? Ter
uma banda era um desejo antigo, desde garoto. Agora, eu só
vislumbrei essa possibilidade quando surgiu o punk. Dava pra
tocar com guitarra vagabunda. Os parâmetros não
eram mais Led Zeppelin e Pink Floyd. Os parâmetros eram
Sex Pistols e Clash. Dava para conseguir montar uma banda com
pouco investimento, pouca grana, pouca produção.
A atitude do punk foi o mais importante de tudo. Inúmeras
pessoas puderam se expressar graças ao punk rock.
Sente
saudades do Camisa? Nenhuma.
O Camisa sou eu, cara. Eu criei o Camisa, eu dei o nome ao Camisa,
eu fiz todas as letras do Camisa, eu fiz várias músicas
no Camisa. O Camisa sou eu e eu não tenho saudade de
mim.
Então
por que a sua carreira solo não engrenou? Como
não engrenou? Eu tenho uma carreira solo com mais de
seis títulos lançados, sem contar o que eu gravei
em parceria com o Raul Seixas. Eu sou um artista e não
me acomodei em momento algum. Eu estou lançando uma caixa
agora que é exatamente isso, ou seja, ela começa
no Camisa, no qual me orgulho de ter integrado e ter criado.
Mas a minha carreira é muito maior do que a banda. Bandas
são feitas para acabar um dia. Como acabaram os Beatles,
como acabaram os Raimundos, não importa a nacionalidade
da banda. Banda de rock é feita para acabar, para não
correr o risco de ficar chata, como os Rolling Stones, que já
deviam ter acabado há muito tempo. Banda de rock tem
que acabar cedo. Banda, o nome já diz, deriva de bando
é uma coisa adolescente, anda todo mundo em grupo, todo
mundo se veste igual. Aliás, se o lance é falar
sobre rebeldia, por que todo mundo se veste igual em banda de
rock? Você entende? Então, banda tem que acabar.
Banda só é legal quando você tem 20 anos.
Depois dos 40 anos de idade ninguém fica mais andando
em bando. Isso é uma coisa adolescente.
Rock
é coisa de adolescente? É
E
por que você continua tocando aos 50 anos? Porque,
meu amigo, é só isso que eu sei fazer. Eu não
tenho outra chance. Eu não tenho imóvel, eu não
tenho fazenda, eu não invisto na Bolsa, eu não
abri casas noturnas... Eu só sei fazer música,
cara, mais nada. Então, eu não tenho alternativa,
até gostaria de ter, mas não tenho. Eu ter que
fazer música é a minha paixão primordial.
Minha vida é ficar na estrada tocando o tempo todo. Só
isso importa.
E
a família? A
família fica para os dias que eu não estou na
estrada, que é a parte boa e ruim. Ruim porque eu me
afasto muito dela. Eu tenho um filho de 8 anos, chamado Drake,
que é muito apegado a mim e eu a ele. Mas por outro lado,
eu entendo, porque a criança na relação
é ele e não eu, eu entendo que é necessário
que eu me afaste dele, para eu poder fazer o meu trabalho e
para que ele também saiba que não vai ter o papai
dele o tempo todo. Porque a vida não é feita de
papai e filhinho e filhinho e papai. É bom que tenha
uma relação intensa e próxima e que essa
relação também continue intensa à
distância. Cada um sabendo a falta que o outro faz, mas
é necessária essa distância. A gente conversa
bastante, sobre tudo. Ao invés da gente ficar em frente
à televisão assistindo o Pokemón, a gente
conversa muito. Ele só descobriu a existência da
Xuxa há alguns meses. Ele descobriu quem era por acaso.
Como
você vê a cultura musical hoje em dia? Primeiro
que não existe cultura musical no Brasil. Não
existe. Existem ótimos artistas em distintas épocas.
Como
quem? Como
os Mutantes, Jards Macalé, Walter Franco, Adelino Moreira,
Raul Seixas... Vários artistas em diferentes épocas,
mas cultura musical... Porque não existe uma cultura
brasileira em si, e se não existe cultura não
seria a música privilegiada. Nós não temos
uma história. Nós apagamos a nossa história,
constantemente, em busca do novo. E o novo amanhã está
velho. Nós somos tolos. Eu, você, quem está
lendo essa entrevista agora, nós brasileiros somos tolos.
Nós acreditamos na modernidade, de que é necessário
ser moderno. O mar não é moderno, o sol não
é moderno, a lua não é moderna. As árvores
não são modernas, os oceanos não são
modernos e sem eles nós não vivemos. Então,
quem quer ser moderno é babaca, é tolo, é
bobo.
Mas
você não se preocupa com o seu filho ouvindo a
música popular de hoje? Ele
não tem contato com esse mundo. Ele nem sabe quem toca
no rádio. Aqui na minha casa a gente não passa
por esse universo. Eventualmente ele vê na casa de um
colega, na rua ou no shopping. Eu não estou criando para
ele um mundo fantasioso, não estou isolando-o. Ele vai
ter que lidar com essa sociedade que está aí.
Mas faço questão que ele saiba diferenciar uma
coisa de outra. A partir daí, a opção é
dele. Aí eu não vou interferir mais. Mas enquanto
ele está nessa idade tão tenra, é minha
obrigação mostrar para ele que as coisas não
são iguais. Que existem diferenças.
Mas
de uma certa forma você foi o precursor dessa vulgaridade
da música popular, com "Silvia", por exemplo. Boa parte
do público que ia aos shows do Camisa de Vênus
ia mais para gritar "bota pra fuder" nas barbas da ditadura
do que para ouvir o som da banda. Você
vê como nós somos tolos. Você pega uma música
boba como Silvia, uma música boba, que além
de boba ela é chata. Ela chata e foi censurada. Quando
uma música boba e chata é censurada você
imagina o que está por trás do país. Oh
boy! Pensando bem eu acho que eu sou o precursor dessa palhaçada
toda. Sou eu sim o culpado. Quando eu inseri palavrão
na música brasileira, porque antes de mim não
existia isso, o que muita pouca gente sabe. Eu estava na verdade
tirando o chapéu para Plínio Marcos (autor teatral).
Eu tinha visto uma peça de Plínio chamada Dois
Perdidos Numa Noite Suja muito anos atrás, muitos
anos antes do Camisa. E a platéia ficava horrorizada
com toda aquela série de vai tomar no cu, filho da puta,
vai se foder, disparada pelos atores. Que era, na verdade, ou
melhor, não era nenhuma apologia ao palavrão,
era apenas o uso da linguagem cotidiana. Só que era uma
linguagem que não fazia parte da dramaturgia brasileira.
O Brasil vivia fazendo tradução de peça
de (Bertold) Brecht e Plínio veio com uma linguagem totalmente
brasileira. Aquilo me impressionou e pensei e fazer o mesmo
em música. E fiz. E, claro, provocou uma reação
enorme. Com isso eu inventei a música vulgar popular
brasileira. Mas eu só abri a porta. Um monte de gente
veio atrás. Eu não era mais responsável.
Eu não fui o porteiro. Eu abri a porta e fui embora,
porque essa é uma porta que não me interessa ficar
de porteiro e muito menos ficar angariando créditos por
ter feito isso. Fiz sim, e daí? Não tem mais essa.
Já fui, acabou. Agora, tem muita gente que ainda está
fazendo isso. Mas naquela época era contestador. A censura
federal tirava os meus discos das lojas. Os discos eram presos.
Eu ficava solto, mas os discos iam em cana. Eu olhava e pensava:
"será que eu sou um Che Guevara do rock?". Mas era adolescente
esse negócio de gritar "bota pra fuder em show".
Era revolucionário naquela época. Esse grito,
que até hoje me persegue onde quer que eu vá,
dava uma sensação adolescente para a platéia,
não importando a idade. É gozado, eu vejo homens
de cinqüenta anos de idade gritando bota pra fuder. É
um grito de liberação, de contestação.
É curioso.
É
verdade que você joga muita música fora? Música
nem tanto, mas letras sim. O que eu jogo fora dava para abastecer
todas essas bandas nacionais que estão aí. Dava
para abastecer com álbuns triplos. Jogo fora porque acho
que não ficaram do jeito que eu queria. Mas também
jogo fora para amanhã eu não resistir à
tentação de pegar essas velharias, olhar e dizer:
"ah, mas não ficou tão ruim assim, se eu concertar
aqui, colocar um refrão, vai ficar melhor". Não
gosto de enganar os fãs.
Qual
foi a importância das drogas na sua música? O
quê, droga? Na minha música? Claro. Teve importância
na minha vida. As drogas foram muito importantes. Eram não,
foram importantes na minha música, foram na minha vida.
Eu comecei a tomar droga muito cedo, a fumar maconha, a tomar
LSD muito cedo, com 17, 18 anos de idade. E também parei
muito cedo porque eu tomei muito, foram experiências únicas.
E não estou falando dessas bobagens de êxtase,
essas coisas malhadas, essas bobagens. Estou falando do puro
mesmo, da época em quer ácido lisérgico
mesmo, de verdade. Eu tive experiências fabulosas e outras
horríveis, pavorosas. Porque eu fui a minha própria
cobaia. Não existia, assim como não existe, nenhuma
literatura explicativa sobre o assunto. Cocaína, maconha,
LSD, crack, é tudo tratado da mesma forma nas campanhas.
"Diga não às drogas", dizem aí.
É uma coisa totalitária e burra de quem faz campanha
anti-droga. Assim como quem toca rock atualmente no Brasil não
é roqueiro de verdade, quem faz campanha antidrogas nunca
tomou drogas, então não sabe do que está
falando. Cara, eu falo tudo isso para os meus filhos. Lá
em casa não existe tabu. Eu não vou falar para
a minha filha, "olha, isso aqui mata". Não,
isso aqui mata se você usar em excesso. Isso é
legal, isso não é bom. É tudo um questionamento.
Na minha casa não entra babaca, de espécie nenhuma.
Quando
você encosta a cabeça no travesseiro, qual é
o momento da sua carreira que você acha mais marcante? O
dia em que eu entrei no estúdio pela primeira vez. Eu
jamais imaginei que um dia eu conseguisse. No dia em que eu
entrei no estúdio pela primeira vez para gravar um álbum,
eu disse: "puta que pariu, era isso que eu queria". De lá
pra cá e tudo o mais foi uma espécie daquele dia
que eu entrei no estúdio.
E
a parceria com o Raul Seixas? Foi
uma das experiências mais rocks da minha vida. As seções
da Panela do Diabo foram muito boas. Aquilo é
rock.
Existe
uma história de que você se aproveitou, já
que estava com a carreira solo em baixa, para se levantar junto
com o Raul. O que você acha disso? Quem
saiu com essa história foi o tal do Samuel Rosinha, você
conhece? O engraçado é o seguinte, onde é
que esse cara estava nessa época em que eu tocava com
o Raul? Deveria estar sentado numa calçada ouvindo Clube
Da Esquina, pedindo autógrafo para Beto Guedes. De bunda
mole o país está cheio. Está cheio de bunda
mole aí.
Algumas
pessoas também declararam que você foi péssima
influência para o Raul, já que ele voltou a beber
depois que começou a andar contigo. Isso
é a maior idiotice que eu já ouvi. O Raul já
era má companhia por si só. Mas se eu sou uma
má-companhia, o Samuel pode ficar tranqüilo porque
ele nunca vai andar comigo. Eu não ando com bundão.
Ele pode ficar tranqüilo. Ele não precisa ficar
se preocupando se eu sou má-companhia. E logo com quem,
com Raulzito (solta uma gargalhada). É, tem gente que
não tem idéia do que está falando. O nego
quer aparecer. É legal aparecer agora que Raul está
morto e virou um mito. É legal um monte de gente querer
aparecer através dele. Gente que nunca o conheceu, que
não teve nenhum contato com ele. Bunda mole, não
existe outra palavra. É um menino bobo.
O
que você tem ouvido de novo? Nada
Los
Hermanos? Não
conheço. Ouvi uma música muito em rádio,
tocava em todo lugar que eu ia. E toda música que toca
durante muito tempo é foda. Cara era o nome de uma garota...
(informado de que é Anna Julia) Ah, exatamente
(começa a cantar o refrão da música). Toda
música que toca demais enche o saco, seja Anna Julia
ou Joana D'Arc. O resto do trabalho da banda eu não
tenho menor idéia..
E
o acústico do Rei Roberto?
Não
sei. Eu ouvia muito Roberto Carlos quando era moleque. Naquela
época de Quero Que Tudo Mais Vá Pro Inferno
e É Proibido Fumar. Eu era garoto e achava bacana.
Via uma cena pela qual eu me identificava. Mas, enfim, eu e
Roberto não temos muita coisa em comum. Ele é
um homem religioso e eu sou ateu, graças a Deus. Ele
gosta de bolero e eu gosto de rock'n'roll. Eu desejo a ele uma
vida longa e muito sucesso. Ele parece ser um homem de bem e
eu respeito os homens de bem.
Radiohead? Um
amigo me mostrou dizendo que era a nova revolução
do rock. Se for, a música está perdida, porque
ali não tem rock nenhum.
Bidê
Ou Balde? Eu
fiz uma turnê no Rio Grande do Sul com a Bidê Ou
Balde tocando. Eles tocando e eu cantando. Eu passei uma lista
de músicas minhas para eles e eles tiraram exatamente
como elas eram nas versões originais. Diverti-me muito
tocando como eram nos originais. Eu nunca faço isso,
porque eu nunca sei como vou estar em cima do palco. Eles são
bons amigos, são pessoas que eu gosto muito. Musicalmente,
eles estão começando um trabalho e torço
para que cheguem lá.
Caê?
Quem?
O amigo do Lobão?
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