Pobre
Bono
Ou
"Como Nosso Irlandês Preferido Vem Sendo Detonado
De Maneira Estúpida Na Mídia Tupiniquim"
por
Diego Fernandes
d13g0_freejazz@yahoo.com.br Janeiro
de 2002
Já
faz algum tempo que essa conversa a respeito do Bono ter "novamente"
se tornado um chato vem ganhando espaço. Tudo começou
com seu envolvimento com a organização não-governametal
Drop The Debt em meados do fim da década passada,
estando firmemente envolvido na campanha Jubliee 2000, que defende
o perdão das inexoráveis dívidas dos países
subdesenvolvidos para com os graúdos. Eu sei, eu sei.
Todos sabemos. Isso não vai acontecer – ao menos não
antes do inferno gelar. E é justamente daí que
advém minha admiração por Paul Hewson,
esse irlandês narigudo (vá lá...), filho
de pai católico e mãe protestante, conhecido pelo
mundo como Bono Vox. Não bastasse a luta pelo perdão
financeiro do terceiro mundo, Bono ainda oferece apoio a causas
como as da NetAid (ONG que luta para levar educação
às crianças mais pobres do mundo através
de benefícios doados via internet) e da Chernobyl Children’s
Project (projeto assistencial sediado na Irlanda que auxilia
crianças que ainda sofrem as conseqüências
do desastre nuclear na Ucrânia).
A 'brilhante' Revista da MTV colocou na capa de uma de
suas últimas edições uma chamada com um
dizer do tipo "Bono Vox: bem melhor fazendo música
do que salvando o mundo". Palmas. A grosso modo, o que
se diz com essa frase, para uma geração inteira
que é fã de Britney Spears e compra a tal revista,
é que não adianta fazer porra nenhuma para mudar
nada. Mais palmas. Num site de cultura pop brasileiro, o Quadradinho,
uma colunista chegou ao ponto de dizer que Bono, o ícone
midiático que ela aprendeu a amar, agora não passa
de uma piada que provoca tristeza. Tal declaração
me pareceu absurda. Como entertainer, Bono Vox segue
imbatível (vide o DVD da Elevation Tour, que mostra
a banda ainda com gás de sobra), e me vejo obrigado a
discordar veementemente.
Mas por que diabos alguém tem que ser uma única
coisa? Por que Bono tem que ser a caricatura do rock star bidimensional
que algumas pessoas tanto anseiam? Raciocinem comigo: estamos
falando do frontman da banda mais consolidada nos últimos
20 anos da história do rock, uma banda que certamente
que não tem nada a provar para absolutamente ninguém.
Aliás, o rock não tem que compactuar com qualquer
convenção social – e, acreditem, adentrado em
seu cinqüentenário, o rock já dispõe
de convenções sociais que se propõem a
serem pesudo-subversivas de maneira quase perfeita. Eis que
esse parece ser justamente o ponto nevrálgico: Bono não
precisa provar nada para ninguém, exceto para si mesmo.
Essa semana foi divulgada, em uma lista organizada pela revista
Rolling Stone, a notícia de que o U2 foi a banda
que mais arrecadou dinheiro em 2001 (mais de US$ 60 milhões).
Seria fácil – e previsível, até – ver Bono
e cia. vagando pelo mundo dentro de uma limusine azul-petróleo,
acenado com aquele sorrisinho plastificado de Michael Jackson.
Quanto a mim, o que posso dizer é que isso só
torna a missão e a escolha pessoal de Bono ainda mais
quixotesca e louvável a meus olhos.
Por que Bono persiste? Porque ele é um cabeça
dura – e é claro que ele é um chato, para desempenhar
esse papel faz-se necessário um tremendo chato de galochas.
Por que Bono se sujeita a respirar, numa sala fechada e a sós,
o mesmo ar vicioso que George W. Bush? Porque cresceu nos cafundós
miseráveis de Belfast. Porque, de algum modo absurdo
e inconcebível às estreitas cabeças de
alguns fãs, ele ainda se importa. Com esse papo furado
todo, Bono amealhou junto a Bush nada mais nada menos do que
US$ 5 bilhões para os países pobres da África.
E agora eu digo, sem ironia: levantem para aplaudir.
É interessante observar que em alguns casos, as mesmas
pessoas que desdenham o trabalho de Bono são pessoas
que acham louvável o neo-ativismo inconsistente de Hakim
Bey ou que aclamavam as letras panfletárias do Rage Against
The Machine. Em sua maioria, são estudantes de jornalismo
que nunca esfolaram os nós dos dedos com coisa alguma,
por isso dá-se um desconto. Para aqueles que não
fazem idéia do que foi o U2 da década de 80, cabe
dizer que a banda era uma bandeira branca ambulante no meio
pop (músicas dedicadas a Martin Luther King, letras que
nada mais eram do que relatos políticos/religioso passionais,
conclamação aos fãs para que integrassem
a Anistia Internacional e o Greenpeace, discursos lacrimosos
no meio dos shows, o escambau).
No princípio da década de 90, no entanto, Bono,
Edge, Larry e Adam desencarnaram. As crostas de merchandising
e cinismo mercadológico instaladas na fachada da banda,
bem como mudanças musicais pouco sutis, foram muito bem
acolhidas pela imprensa e pelos fãs. E é até
compreensível, uma vez que o U2 passou por aquele que
foi seu melhor momento musical nesse período, que abrange
o lançamento de sua "trilogia eletrônica" (Achtung
Baby, Zooropa e Pop) – aliás, por conta desta
afirmação, já me preparo antecipadamente
para as ameaças de morte que os fãs da banda fase
Joshua Tree irão me dirigir. O conteúdo
lírico das músicas do U2 seguiu inabalado, com
suas letras epifânicas e encharcadas de correção
política tipicamente católica. O sujeito que ouve
Please (contida em Pop) e acha que toda aquela
emoção é uma estratégia mercadológica
simplesmente não tem alma.
Em sua recente expedição à África,
acompanhado do secretário do Tesouro americano Paul O'Neill,
Bono deu algumas declarações: "Não me agrada
o fato de que os EUA não contribuíram com ajuda
no mesmo nível de outros países nos últimos
10 ou 20 anos", disse. "De modo que agora o que estou dizendo
é 'se eu mostrar a vocês onde o dinheiro deve ser
gasto, vocês irão até lá?' E ele
[o presidente Bush] está dizendo sim no momento, o Congresso
está dizendo sim... então, eu estou por aqui,
e é isso que estou fazendo."
Bono peregrinou pelo mundo tal qual um apóstolo pós-moderno,
buscando apoio junto a personalidades tão diversas quanto
o João Paulo II e Thom Yorke, sempre usando seus óculos-de-mosca-lente-azul
-- e há de se convir que o sujeito que se expõe
de tal forma ou é um gênio de coração
mole ou um completo imbecil. Fico com a primeira. E vocês?
Fotos da esquerda para a direita
Foto 1 - Bono com Bill Gates
Foto 2 - Bono com Jacques Chirac
Foto 3 - Bono com Horst Koehler, diretor do FMI
Foto 4 - Bono com George W. Bush
Foto 5 - Bono com o chanceler britânico Gerhard Schroeder
Foto 6 - Bono com o Papa João Paulo II
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