A Literatura Erótica
por
Danilo Corci Email
26/06/2006
O erotismo literário, entendido como uma exaltação do gosto
sensual até o ponto de excitar o instinto de volúpia dos leitores,
inclui uma variedade de estilos, temas, motivação e várias poéticas,
como na literatura em geral. Não se trata somente de um estilo
puramente comercial, como as mentes mais tacanhas pensam.
Muitas das grandes obras da literatura erótica resultaram em prisão, tormento e
até mesmo em morte para os autores. Em outros casos, apenas poucos exemplares
restaram. Em geral, a cópia do autor. Um exemplo é Minha Vida Secreta, de
Henry Spencer Ashbee, um comerciante britânico burguês, que viajou pela Europa,
Ásia e África. No livro, ele descreve a moral e os costumes de 2500 mulheres de
todos os países em que esteve e com as quais manteve relações sexuais. Porém,
este catálogo incrível de aventuras carnais, como a maioria da literatura
erótica, aponta o mito, inventa, deforma e exagera. Como Pierre Louys, famoso
escritor francês do Século 19, que escreveu uma obra secreta de obscenidade
incrível, e que só foi conhecida após sua morte.
Boa parte da literatura erótica, sobretudo as melhores obras, se comporta como
uma válvula de satisfação do plano imaginário do autor e se extende ao leitor
quando o texto tem uma beleza expressiva e estética. Neste sentido, poderíamos
perguntar: O erotismo é um adestramento dos impulsos? É uma poética em si
própria? Ainda mais quando o sagrado, o oculto estão em jogo? Frente ao erótico
e frente ao poético, encontramos com o rubor do sentir, manejados por algo que
ignoramos, que se aproveitará de nosso desejo do saber inesgotável...
As duas forças, opostas em poder, permanecem nas sombras e nossa luta consiste
em buscar a dominação de ambas, mas nem mesmo assim encontraremos repouso. Se o
erotismo é a fascinação que o imaginário produz, e a construção de um poema
erótico é agregar a poética ao imaginário, me atreveria a dizer que o erótico e
o poético, em suas finalidades, admitem até as névoas místicas de São João da
Cruz e também a lascívia de Marquês de Sade, aquilo que vai de um extremo ao
outro, entre a destreza do domínio e a urgência dos corpos, como definiu o
filósofo francês Daniel Gilleuse.
No emblemático livro A História da Literatura Erótica, Alexander Ruffs usa uma
metodologia adequada, cronológica, para conduzir a arte erótica desde a
antiguidade aos autores contemporâneos. Em seu prefácio, afirma que a literatura
erótica tem como objetivo reafirmar os desejos da carne.
O erotismo, ao se manifestar em novelas, contos, poemas, teatro e até mesmo em
panfletos, traz uma luz sobre os costumes, sobre as políticas das diversas
épocas, da permissão, da repressão, dos aspectos sociais, psicológicos e
religiosos que fazem a totalidade dos seres humanos. Por exemplo, nos seus
primórdios, o cristianismo admitia a literatura erótica, que herdaram dos
filósofos estóicos, e que nem a castidade dos clérigos os impediam de
desenvolver escritos. As proibições do Vaticano, do Index e de outras censuras
vieram muito depois. E, por certo, em matéria de puritanismo, a Reforma
Protestante foi muito mais dura que o catolicismo.
Em modo ilustrativo, ou simplemente como "guia de leitura", citarei algumas
obras significativas dentro do grande corpus da literatura erótica, porque
inventariar sua totalidade ocuparia demasiado espaço: Aristófanes; Catulo e seus
convites às mulheres de Lesbos; Ovídio com sua Ars Amatoria; o hiperbólico
Satyricon de Petronio e o Asno de Ouro de Apuleyo; os trovadores; o Decamerón de
Bocaccio; o genial Aretino; o cruel Rabelais, ávido por comida e de sexo; o
sempre surpreendente Corneille; o erotismo oculto nos contos de Perrault; o
moralista Marquês de Sade. Uma lista interminável de poetas tais como: Gautier,
Baudelaire, Anais Nin, Aragon, Bataille, Dalí e Henry Miller. A fascinante
Lolita de Nabakov. O japonês Yukio Mishima, que merece ocupar um lugar entre
Wilde e Genet. E claro, sem esquecer do clássico Mil e Uma Noites. Mais. Os
escritos de Apollinaire; Quevedo e a poesia erótica anônima do Século de Ouro.
Na América Latina, alguns poemas de Neruda, as descrições dos corpos por Jorge
Amado, o barroquismo de Severo Sarduy e o jogo erótico-lingüístico de Girodino.
E porque não, Julio Cortázar.
Mas nem sempre a literatura erótica é com tal. Freqüentemente ela incorre,
deliberadamente, na obscenidade e na pornografia, com intenções que transcedem
tanto o erotismo como o nicho estético-literário. Se torna uma literatura
instrumental em busca do comércio. O êxito de A História de O, na década de
70, que fracassou em sua primeira edição nos anos 50, pode ser encarado assim. O
público norte-americano e europeu estava cansado da exacerbação do feminismo.
Então, "A História de O" era uma resposta machista aos ideais feministas. Foi um
sucesso...
As mulheres das letras só entraram no ramo muito mais tarde. Os belos poemas de
Safo, por exemplo, são mais amorosos do que eróticos. Atribue-se à Astianassa,
amiga de Helena de Tróia, um tratado sobre o erotismo. Porém, é muito pouco. A
história da literatura está repleta de "autoras" inventadas por homens. O
fenômeno pode se atribuído a uma obsessão tipicamente masculina e recorrente: o
sonho da prostituta sábia. Uma mulher que sabe tudo e com a qual o autor
pretende satisfazer imaginariamente seus desejos inexpurgáveis por definição,
como a própria morte.
Em textos chamados eróticos, tanto autores como leitores, seguem buscando o mito
triunfal do corpo condenado à derrota e à decrepitude. Como neste escrito de
Maynard, poeta francês do Século 17, contemporâneo de Quevedo:
"Margot, olhe minha vara Ama, agora convidativa Que a manhã já chega e Acaba, com
a vida. Quando a morte dura nos encontre, E de uma vez nos enterre No foso
profundo, Adeus às volúpias amorosas, Que nunca as Escritura deram fatos Sobre
foder em outro mundo. (tradução livre)"
Em sua intrínsica ligação com o imaginário e com os desejos ocultos, tanto do
corpo quanto da poética, a literatura erótica consegue transceder de seu plano
meramente explícito e conduzir autores e leitores à uma jornada de descobertar e
de idéias, muitas vezes impossíveis de se reproduzirem publicamente. E enquanto
houver segredos, haverá o erotismo se incumbindo de dar vazão dos sonhos à vida
real.
Texto
cedido pelo site Speculum
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