"Memórias de Minhas Putas Tristes" - Gabriel Garcia Márquez
por Jonas Lopes
Yer Blues
23/07/2005


O escritor colombiano Gabriel García Márquez dá um tempo nos volumes de sua autobiografia Viver Para Contar para tratar das lembranças de outro em Memória de Minhas Putas Tristes. É seu primeiro romance em dez anos (o último fora Do Amor e Outros Demônios). Nesse meio tempo, trabalhou com não-ficção na reportagem Notícia de um Seqüestro, além de Viver Para Contar. Memória chega ao Brasil pela Record (tradução de Eric Nepomuceno) depois da façanha de ser best-seller no País já na edição em espanhol - em português, sem dúvida, vai vender ainda mais. Houve também polêmica quanto ao "putas" do título. O nome original ficou. Ainda bem.

Em termos de classificação o livro é aquilo que Henry James chamou de nouvelle: longo demais para ser um conto e curto demais para ser um romance (127 páginas). As memórias são de um homem que narra, entre outros fatos de sua vida, o dia em que completou noventa anos. Como presente para si mesmo, resolve passar uma noite intensa com uma adolescente virgem. Liga para uma velha amiga, a cafetina Rosa Cabarcas, e faz o pedido. Rosa recruta uma menina de catorze anos para ele. E ali, como ressalta, "foi o início de uma nova vida, e numa idade em que a maioria dos mortais está morta".

Quando o velho (cujo nome não é revelado) chega no quarto, encontra a moça (seu nome também não aparece; ele a chama de Delgadina) dormindo. Apaixona-se no ato. Volta a vê-la em várias outras noites, sempre dormindo, e sua paixão só faz aumentar. Contenta-se em apenas observá-la. A felicidade irrestrita torna-se desespero quando o homem descobre, pela primeira vez na vida, o ciúme. Antes não havia espaço para sentimentos assim: "nunca me deitei com mulher alguma sem pagar, e as poucas que não eram do ofício convenci pela razão ou pela força que recebessem o dinheiro nem que fosse para jogar no lixo". Era a primeira vez que amava.

Como a própria orelha do livro denota, não é nova a proposta de colocar no papel a relação entre uma adolescente e um homem muito mais velho, "uma tradição da qual fazem parte o Vladimir Nabokov de Lolita, o Thomas Mann de Morte em Veneza e o Yasunari Kawabata de A Casa das Belas Adormecidas". Aliás, o livro do escritor japonês laureado com o Nobel de 1968 é a inspiração mais direta de Memória de Minhas Putas Tristes. E cedeu um trecho para a epígrafe.

Cada um desses livros retratou a relação de maneiras diferentes - Nabokov deu a Lolita poder psicológico sobre Humbert Humbert, Mann escolheu falar de amor homossexual. García Márquez então trata a história de seu jeito. Peca um pouco por repetir fórmulas. O personagem-narrador é parecido com outros que ele criou, solitários excêntricos e perdidos no espaço entre o tédio habitual e a iminência da morte. Mas o autor acerta em deixar de lado o elemento fantástico de suas histórias. Há quem diga que a trama tem algo de autobiográfica. Talvez. Márquez teve câncer linfático, e esta pode ser uma forma que encontrou para celebrar a vida em alguns de seus detalhes mais delicados. Não fosse sua habilidade, Memória de Minhas Putas Tristes cairia no banal ao tratar do homem que na velhice descobre o valor da vida. Não é o caso.

É um livro despretensioso. Não é, e nem tem intenção de ser, acachapante como Crônica de uma Morte Anunciada e Cem Anos de Solidão, bem mais ambiciosos - o primeiro com sua estrutura faulkneriana de pontos de vista múltiplos, o segundo com a intrincada árvore genealógica dos Buendía. Resgata uma das características desses dois romances e também de boa parte da carreira de García Márquez: a concisão. Não há palavra desperdiçada. Essas cento e poucas páginas são o número correto, sem mais nem menos. A concisão aparece também na linguagem econômica, sem perda de beleza nas sentenças. Herança dos tempos de jornalista.

Memória de Minhas Putas Tristes pode ser lido como uma fábula, um poema lírico sobre como cada momento pode ser inexorável. Uma obra para se ler em poucas horas, pensar por alguns dias e lembrar por toda a vida.

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