Dylan com Café, dia 11: New Morning
Bob Dylan com café, dia 11: Em questão de 8 anos, Bob Dylan foi de promessa folk (1962) a cantor de protesto símbolo de toda uma geração (1963 / 1964) a Judas que traiu todos compondo três dos melhores e mais influentes discos pop dos anos 60 (1965 / 1966). Após uma polêmica e caótica turnê europeia retratada magistralmente no filme “Don’t Look Back” (1967) e um acidente de moto até hoje nublado, Dylan sumiu da mídia e mudou-se para Woodstock. Quatro meses depois de auto-sabotar a carreira com “Self Portrait” (um disco duplo de 24 músicas de junho de 70 que Dylan definiu como um “álbum para fazer com que as pessoas deixassem de comprar meus discos”), Bob Dylan retorna com “New Morning” (outubro de 70), um bom álbum que louva a vida em família. Casado com Sara desde 65 e já com quatro filhos (Jakob, o quarto, nasceu em 69), Bob Dylan se entrega aos prazeres da vida caseira (ou ao menos tenta) num álbum luminoso que, sim, remete a uma manhã do sol. O problema é que o dia (e a vida) segue(m) e virão tempestades, dias nublados e noites terrivelmente escuras. É deste disco “If Not For You”, que George Harrison gravou em “All Things Must Pass”. Duas músicas ganharam versões em cerveja da italiana Del Ducato, “Winterlude” (uma Belgian Tripel incrível) e “New Morning” (uma Saison arrebatadora com gengibre, pimenta verde, coentro e camomila).
março 2, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 10: Self Portrait
Bob Dylan com café, dia 10: lançado em junho de 1970, o anti-álbum “Self Portrait” nasceu de três sessões em 1969, quatro em 1970 mais seis sessões de overdubs e quatro faixas ao vivo retiradas do show de Dylan com a The Band no Isle of Wight Festival de 1969. O resultado, sim, é uma enorme colcha de retalhos que se peca por falta de concisão, ganha pontos pela provocação: cansado da perseguição de fãs e também da imprensa, Dylan fez um álbum para desagradar todo mundo. A resenha de Greil Marcus na Rolling Stone tornou-se clássica com seu título: “Que merda é essa?”. Bob se justifica: “Fizemos este álbum para que as pessoas parassem de comprar meus discos. E elas deixaram de comprar”. No entanto, quase 50 anos depois, “Self Portrait” soa sim um grande disco que alterna bobagens (como “I Forgot More Than You’ll Ever Know”, que Brian Hilton define como Dylan cantando como se fosse um Elvis gripado) e grandes canções (“Days of ’49”, abaixo num remix dubstep). A revisão desta fase na série “The Bootleg Series Vol. 10: Another Self Portrait”, lançada em 2013, mostra que Dylan não estava brincando quando disse que planejou o afastamento de seu público, afinal há grandes canções das mesmas sessões que foram deixadas de lado em favor do repertório… difícil. Ainda assim, um álbum curioso.
março 1, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 9: Nashville
Bob Dylan com café, dia 9: lançado em abril de 1969, “Nashville Skyline” traz Johnny Cash numa versão pungente de “Girl From The North Country”, Dylan exibindo um violão de George Harrison na capa usando a mesma jaqueta da capa de “Blonde on Blonde” e o mesmo chapéu de “John Wesley Harding”. A voz de Dylan alcança tonalidades bastante diferentes aqui e ele justifica: “Quando parei de fumar, minha voz mudou”. A cantora Norma Waterson analisa a mudança vocal por outro prisma: “Aqui ele canta com o diafragma”. Este é o álbum de “Lay Lady Lay” e de uma das favoritas de Nick Cave: “I Threw It All Away”, que Cave diz ser “Mozart se levantando contra Beethoven em ruínas de seu trabalho anterior”.
fevereiro 28, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 8: John Wesley
Bob Dylan com café, dia 8: lançando em janeiro de 1968, “John Wesley Harding” é a calmaria após a tempestade elétrica dos três álbuns anteriores. É o álbum da manhã seguinte após discos madrugadeiros. “Apenas abracei o que veio. Foi assim que fiz as mudanças, abraçando o que veio”, explicou Dylan à Jann Wenner. “Dediquei-me mais à composição. Sentia que todos esperavam que eu fosse um poeta, então tentei ser um”, explica definindo “John Wesley Harding” como um álbum “sobre temor… ele lida com o demônio do ponto de vista do temor”. O Dylan deste disco havia se instalado em uma casa em Woodstock e uma bíblia repousava aberta à vista de todos, o que rendeu várias imagens e personagens para o álbum. Um clássico absoluto que se tornou ainda mais apocalíptico na versão irrepreensível de Jimi Hendrix, e aqui surge desnuda e emocionante: “All Along The Watchtower”. É deste disco também a inspiração para o nome de uma famosa banda de heavy metal que nasceria no ano seguinte, 1969: “The Ballad of Franky Lee and Judas Priest”.
fevereiro 27, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 7: Blonde on Blonde
Bob Dylan com café, dia 7: Kris Kristofferson, que trabalhava como faxineiro no estúdio, disse que as sessões de “Blonde on Blonde”, lançado em maio de 1966, foram “as mais incriveis que vi em Nashville. Bob ficava horas no piano, compondo, enquanto os músicos jogavam cartas ou ping-pong”. Bob relembra: “Compus todas as canções no estúdio. Os músicos jogavam cartas. Eu escrevia, nós a gravávamos, eles voltavam para o carteado e eu ia compor outra”. O produtor retirou as divisórias acústicas entre os músicos para que todos ficassem no mesmo ambiente, estabelecendo contato visual e tocando ao vivo. Em pouco tempo, a “banda” era uma turma que juntava descolados de Nova York e caipiras de Nashville – passaram a comer juntos, fazer intervalos juntos e a se divertir. Dylan fez questão que todos recebessem créditos individuais na capa.
O resultado, sublime, foi “Rainy Day Women # 12 & # 5” (gravada às 4 da manhã com todo mundo calibrado), “Visions of Johanna” (cujo embrião nasceu no Chelsea Hotel), a pérola pop “I Want You” (inspirada na musa Edie Sedgewick e no “rival” Brian Jones), “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, “Just Like A Woman” (outra para Edie) e a maravilhosa “Stuck Inside of Mobile With The Memphis Blues Again”, que enlouquece tanto Jeff Tweedy (“É como uma bateria que se carrega sozinha”) quanto Frank Black (“É uma canção com muita alma, mas quanto mais a ouço sempre volto para aquela bateria matadora”), quanto todos nós (“but deep inside my heart / I know I can’t escape”).
Sétimo álbum de estúdio de Bob Dylan, “Blonde on Blonde” encerrou a trilogia de álbuns de rock que mudaram a carreira do compositor e, também, a própria música pop. 12 anos após seu lançamento, Bob comentou: “O mais próximo que cheguei do som que ouço dentro da minha cabeça foi com ‘Blonde on Blonde. É algo dourado e brilhante”. Segundo o biográfo Michael Gray, “Dylan fez uma obra-prima, depois outra e mais essa outra”, sobre seus três álbuns de rock do período. Presente em várias listas de melhores discos de todos os tempos, este poderoso álbum duplo “Blonde on Blonde” é um dos pontos mais altos da carreira de Bob Dylan, musicalmente liricamente. Até hoje…
fevereiro 26, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 6: Highway 61
Bob Dylan com café (defumado) da tarde, dia 6: a revolução havia sido iniciada com “Bringing It All Back Home” (o café de ontem), e não havia mais como parar ou voltar atrás. Dylan estava decidido, mas a primeira tentativa de gravar o novo disco com uma banda eletrificada (formada por Eric Clapton e outros Bluesbreakers) não deu muito certo, tendendo mais ao blues do que ao rock que Bob procurava. Ele então chamou o guitarrista Michael Bloomfield, da Butterfield Blues Band, para tocar a guitarra solo em sua próxima sessão. O guitarrista Al Kooper acabou se esgueirando para o teclados no meio da sessão, e assim nascia, meio que sem querer, o riff clássico da canção que sepultaria o Dylan da primeira fase e bateria no número 2 do ranking de singles da Billboard no verão de 1965: “Like a Rolling Stone”.
“Highway 61 Revisited”, lançado em agosto de 1965, foi gravado em meio a tempestade da apresentação elétrica de Dylan no Newport Folk Festival, e reflete o clima do momento. Segundo Dylan, o embrião de “Like a Rolling Stone” foi o riff da canção “La Bamba”, que por sua vez é baseada numa música tradicional de salão mexicana. A primeira tomada teve soou como uma valsa, mas a banda conseguiu evoluir o arranjo, e se encontrar dentro desta obra prima de Bob. Segundo resumiu um dos biógrafos de Dylan, “Like a Rolling Stone” é um “amálgama caótico de blues, impressionismo, alegoria e franqueza intensa”. Mas “Highway 61 Revisited” não se resume apenas a “Like a Rolling Stone”, ainda que ela tenha sido um single de sucesso e impulsionado o álbum e a carreira de Bob.
“Tombstone Blues”, amparada pelo riff de guitarra blues de Michael Bloomfield, é um desfile absurdo da América da época com o criminoso Belle Starr, a sedutora Dalila, Jack, o Estripador (representado como um empresário de sucesso), o evangelista João Batista (descrito como torturador) e a cantora de blues Ma Rainey, a quem Dylan humoristicamente sugere compartilhar um saco de dormir com Beethoven. Há mais: da assustadora, crítica e incrível “Ballad of a Thin Man” passando pelo seis versos e nenhum refrão de “Just Like Tom Thumb’s Blues” e chegando a “Desolation Row”, um épico ao mesmo tempo belo e grotesco que une Einstein e Nero, Noé a Caim e Abel, as figuras shakespearianas de Ofélia e Romeu, além de TS Eliot e Ezra Pound. A Melody Maker descreveu: “Highway 61 Revisited” é um álbum incompreensível e, também, um absoluto nocaute.
fevereiro 25, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 5: All Back Home
Bob Dylan com café, dia 5: É aqui que começa a revolução. Lançado no primeiro semestre de 1965, “Bringing It All Back Home”, ao menos no lado A do vinil, coloca as guitarradas, o baixo e a bateria em destaque, o que foi o início de uma das mais furiosas viradas na carreira de um artista pop na história da música. A explicação do homem: “As minhas músicas eram unidimensionais, agora tento faze-las mais tridimensionais. Há mais simbolismo”. As gravações experimentais foram conduzidas por Tom Wilson, que recrutou um time de músicos de estúdio, mas foi Bob quem trouxe o guitarrista Bruce Langhorne, que tinha uma boa reputação em Greenwich Village, para solar em “Subterranean Homesick Blues”, a faixa que abriria o novo disco, dividido num lado elétrico e em outro acústico.
Outro sinal de que Bob encarava “Bringing It All Back Home” como um álbum revolucionário (ao menos para si próprio, num primeiro momento) é a foto de Daniel Kramer para a capa (hoje icônica), cuja produção demandou três horas de trabalho: na imagem psicodélica, Dylan traz um gato persa (chamado Rolling Stone) no colo com a esposa de Albert Goldman, Sally, ao fundo numa pose totalmente cool. A foto é repleta de referências culturais: há uma revista Time com o presidente Lyndon Johnson na capa, a placa de um abrigo nuclear, um álbum de Lord Buckley, um exemplar raro da revista de literatura bear Gnaoua, além de uma série de discos (The Impressions, Robert Johnson, Lotte Lenya, Eric Von Schmidt). Na contracapa, fotografias de Barbara Rubin acariciando Dylan, ele com Joan Baez, uma imagem de Allen Ginsberg de Chapeleiro Maluco, entre outras.
Duas canções são referência para “Subterranean Homesick Blues”, e Dylan assume uma: “Acho que ‘Too Much Monkey Business’, de Chuck Berry, está ali em algum lugar”, assume. A outra é “Takin’ It Easy”, de Woody Guthrie. Neste álbum, os clássicos brotam e se atropelam: “She Belongs To Me” (“Dylan canta suavemente, temperando doçura com acidez”, descreve o biógrafo Brian Hilton), “Maggie’s Farm” (uma revisitação da Guerra da Secessão, “com o Norte dando uma estilingada no Sul”, pontua Hilton), “Love Minus Zero/No Limit”, “Mr. Tambourine Man” (inspirada por, entre outras coisas, “A Estrada”, de Fellini), “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)” (usada para acompanhar os créditos do revolucionário filme “Easy Rider”, de 1969) e “It’s All Over Now, Baby Blue” (que ganhou uma versão elétrica dos Bunnymens circa 1985, no bootleg “On Strike”, emocionante, e foi gravada por Gal Costa como “Negro Amor”).
fevereiro 24, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 4: Another Side
Junto ao sucesso e ao pedestal em que foi colocado como símbolo de toda uma geração vieram as cobranças e as cópias, e já na sessão de gravação de “Another Side of Bob Dylan” (um título óbvio que adianta que um novo Bob Dylan está surgindo), numa única noite de junho de 1964, o homem conta aos amigos que o acompanharam ao estúdio da Columbia: “Vamos fazer uma boa sessão essa noite! Não há canções acusatórias. Há muita gente fazendo canções acusatórias agora. Não quero escrever para as pessoas. Não quero mais ser um porta-voz”.
Bob Dylan tenta se afastar das convicções que marcaram seus dois álbuns anteriores (e o catapultaram a fama) e o resultado é um disco poético, mas bem humorado, que valoriza canções que se tornaram grandes sucessos como “My Back Pages” (regravada por The Byrds, Ramones, Jackson Browne e Joan Osborne, entre muitos outros), “It Ain’t Me Babe” (que ganhou registros de Johnny Cash, Nancy Sinatra, Joan Baez, Brian Ferry e Kesha), “Chimes of Freedom” (entre tantos, Bruce Springsteen gravou uma versão dessa canção) e “To Ramona”, que Lucinda Williams considera a “canção de amor definitiva”.
fevereiro 23, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 3: Are A-Changin’
Bob Dylan no café, dia 3: “The Freewheelin’ Bob Dylan” saiu no final de 1963 e transformou Bob Dylan em um ícone. Em agosto ele voltou aos estúdios da Columbia, novamente escudado por Tom Wilson, e gravou cinco canções que viriam a estar neste terceiro álbum – as demais saíram de sessões em outubro (e “Restless Farewell” em novembro). Lançado em janeiro de 1964,“The Times They Are A-Changin” mantém o mesmo tom do disco anterior. Bob entrou para gravar dizendo que “precisava de canções acusatórias” e a capa, muito mais séria que as dos dois discos anteriores, dá o tom. Bob também diz que “The Times They Are A-Changin” foi bastante influenciado pelas apresentações que assistiu em cafés em Nova York. Refletindo sobre o conteúdo das letras, Dylan contou: “Não penso quando escrevo. Apenas reajo e transcrevo isso para o papel. O que aflora na minha música é um chamado para a ação”.
“The Times They Are A-Changin”, a faixa título, abre o disco e Bob conta que a influencia dessa canção vem das baladas irlandesas e escocesas. “Talvez tenha sido as únicas palavras que consegui encontrar para separar vida de morte. Não tem nada a ver com idade”, esclareceu. Esse disco causou “uma mudança sísmica no meu gosto musical”, contou Billy Bragg, descendente direto do Dylan desta fase. Para Grant Lee Phillips, a canção “The Lonesome Death of Hattie Carrol” (que Bob diz ter escrito em um caderninho num restaurante na 7ª Avenida, em Nova York) é “como um segredo americano guardado a sete chaves que se recusa a ser revelado. É um fantasma que sinaliza a verdade a ser conhecida”, confabula. A faixa “When The Ship Comes On”, com imagens do Velho Testamento, dá um aceno para a fase cristã do músico, mas ainda faltam muitos cafés para chegarmos até lá (mas lembre-se dela).
fevereiro 22, 2018 No Comments
Dylan com Café, dia 2: The Freewheelin’
Bob Dylan com café, dia 2: Incomodado com o resultado do primeiro disco (antes mesmo dele ter sido colocado nas lojas), Bob Dylan quis se dedicar mais ao seu segundo álbum, cujo título provisório era “Bob Dylan’s Blues”. O processo de gravação foi bem mais tortuoso do que na estreia. As primeiras sessões aconteceram em abril de 1962, mas Bob voltou ao estúdio ainda em julho, outubro, novembro e dezembro, sempre acompanhado do “padrinho” John Hammond.
Porém, na última gravação, já em abril de 1963, Tom Wilson assumiu o controle, e o resultado, lançado em maio de 1963, foi “The Freewheelin’ Bob Dylan”, o álbum que catapultou Bob à fama. Na clássica foto da capa, que tem o poder de registrar o brilho da adolescência, Bob caminha abraçado com a então namorada Suze Rotolo em uma Jones Street, quase esquina com a 4th Street, coberta de neve.
“Blowin’ In The Wind” foi elevada à hino pela luta dos direitos civis (e inspirou Sam Cooke a escrever “A Change Is Gonna Come”) enquanto “Masters of War” traz Dylan “lutando pela liberdade das pessoas”. Ou como ele disse: “Não protesto por protesto. E não canto músicas em que se espera que pessoas morram, mas não pude fazer nada nessa”. Esta pequena pérola da música pop ainda traz “Don’t Think Twice, It’s All Right” (“Não é uma canção de amor”, avisa Dylan), “Girl From The North Country” e a obra prima “A Hard Rain’s A-Gonna Fall” (ou “a música de protesto encontro Rimbaud“), que inspirou Joni Mitchell e Leonard Cohen a se tornarem compositores e ganhou uma interpretação comovente de Patti Smith quando da entrega a Bob do Prêmio Nobel de Literatura.
fevereiro 21, 2018 No Comments