Dylan com café, dia 61: Brazil
Bob Dylan com café, dia 61: E o Brasil e Bob Dylan? Bem, destaque para “Zé Ramalho Canta Bob Dylan – Tá Tudo Mudando”, de 2008, em que Zé Ramalho recria 10 canções em português (entre elas, “Como Uma Pedra a Rolar”, “Não Pense Duas Vezes, Tá Tudo Bem” e “O Vento Vai Responder”) e uma em inglês (“If Not For You”). E, principalmente, Belchior, que transformou uma enorme influência em material original de altíssima qualidade. “O grupo vocal Trio Melodia foi um dos primeiros nomes brasileiros a gravarem uma canção de Bob Dylan quando – em 1965 – registraram ‘Blowin´ In The Wind’ para seu LP na CBS. O grande clássico foi também registrado com sucesso por Diana Pequeno no final dos anos 70”, rememora Marcelo Fróes, que, em 2009, lançou o álbum “Letra & Música” com 14 canções do bardo de Minnesota recriadas por artistas brasileiros por seu incrível selo Discobertas (numa coleção que já havia homenageado Paul, John e George, dos Beatles, com um álbum cada).
A seleção abre com a famosa versão de “Jokerman”, de Caetano Veloso, registrada no álbum “Circulado – Vivo“, de 1992, (e a música “favorita” de Bruna Lombardi – Caê ainda registraria “It’s Alright Ma” no bom álbum em inglês “A Foreign Sound”, de 2004), e segue com a delicada versão de “It Ain’t Me Babe”, de Mallu Magalhães, registrada em seu DVD de 2009 (quando ela tinha 16 anos!). Renato Russo marca presença com sua bela versão de “If You See Him Say Hello”, do especialíssimo “The Stonewall Celebration Concert” (1994) enquanto Gal surge com “Negro Amor”, a clássica versão de Caê e Pericles Cavalcanti para “It’s All Over Now, Baby Blue” presente no disco “Caras e Bocas”, de 1977 (a canção reaparece nessa seleção na regravação dos Engenheiros do Hawaii em 1999).
Entre os principais resgates estão “Batismo dos Bichos” (“Man Gave Name To The All Animals”) com Ruy Maurity em 1980 e “Joquim” (“Joey”) com Vitor Ramil em 1987. Completam o tracking list seis versões honestas feitas em 2009 exclusivamente para o álbum (com Fred Nascimento, Twiggy, Luanh, Jomar Schrank, Profiterolis e Daniel Lopes) mais “Knockin’ On Heaven’s Door” com Evandro Mesquista em 2009. Um álbum bem interessante para perceber o alcance da música de Dylan.
maio 31, 2018 1 Comment
Dylan com café, dia 60: Complete
Bob Dylan com café, dia 60: Três meses após “Bootleg Series 10 – Another Self Portrait” chegar às lojas, a Columbia despejava um presente de natal a primeira vista imperdível para fãs do homem nas lojas: lançado em novembro de 2013, “The Complete Album Collection Vol. 1” juntava num mesmo box os 41 discos oficiais de Dylan (juntando estúdio e ao vivo e ignorando as Bootleg Series, que devem compor o “Vol. 2” dessa coleção) em 45 CDs (ou seja, quatro deles duplos) trazendo como item raro extra a compilação dupla “Side Tracks”, com 30 canções jogadas aqui e ali na carreira de Bob, e aqui enfim reunidas. Tentador, né, principalmente para fãs mais recentes, mas para o fã de primeira hora de Dylan, “The Complete Album Collection Vol. 1” não trazia absolutamente nada de inédito.
Ok, grande parte do material (15 discos) foi remasterizado pela primeira vez especialmente para esse box (alguns fãs antigos criticaram a remasterização – já em 2010, o box “The Original Mono Recordings” compilava os oito primeiros discos de Dylan em versão mono, o que muita gente julga a versão ideal para se ouvi-los), e até Bob cedeu ao (antes vetado) relançamento do terrível “Dylan”, de 1973, para dar um ar de completude a caixa, que replica o formato bacana dos vinis (ponto positivo), mas junta todos os encartes em um longo livreto de difícil manuseio (ponto negativo) acrescidos de uma introdução inédita de Bill Flanagan e um novo comentário de cada álbum escrito por Clinton Heylin (bacana). No caso da pegadinha “Side Tracks” (que foi lançada a parte do box em vinil triplo), das 30 canções, 22 (entre raridades e singles) saíram em “Biograph” (das 21 raridades daquele box, só ficou de fora “It’s All Over Now, Baby Blue”, na versão ao vivo em Manchester, presente no Bootleg Series 6), 4 em “Bob Dylan’s Greatest Hits Vol. II” (coletânea dupla em vinil de 1971 que trazia singles como “You Ain’t Goin’ Nowhere” e um quarto lado apenas de canções inéditas) e três eram números “mais recentes” como “Series of Dreams” (sobra de “Oh Mercy” presente nas “Bootleg Series 1 & 3”), “Dignity” (outra sobra batida de “Oh Mercy”) e “Things Have Changed”, da trilha sonora do filme “Garotos Incríveis” (2000).
Rara mesmo apenas “George Jackson”, b-side de um single de 1971 nunca presente em lugar nenhum – o A side permaneceu esquecido em sua versão big band, e além dele outras 10 faixas foram deixadas no limbo (entre elas, “Shelter from the Storm” na versão da trilha de “Jerry Maguire”, e os b-sides “Spanish is the Loving Tongue”, “Let It Be Me”, “Trouble in Mind” e “Rita May”, entre outros). Ou seja, “The (In)Complete Album Collection Vol. 1” é perfeita pra quem nunca se aprofundou em Dylan (se é seu caso, mergulhe sorrido), mas fãs já conheciam tudo que estava aqui (além das coisas que ficaram de fora). Que venha o Volume 2.
maio 28, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 59: Another Selfie
Dylan com café, dia 59: Quando todos os fãs de Dylan imaginavam que 2013 passaria batido sem nenhum lançamento, a Columbia Records surpreendeu a todos com duas belíssimas novidades. A primeira delas foi o 10º volume das Bootleg Series que trazia como nome “Another Self Portrait (1969–1971)” e cobria o período de gestação dos dois discos lançados em 1970: o odiado “Self Portrait” (junho) e o familiar “New Morning” (outubro) somando duas demos de “Nashville Skyline” (1969). Você se lembra, certo? “Self Portrait” foi o disco (terrível) em que Dylan rompeu com seu público, após o (disfarce do) acidente de moto em julho de 1966, que interrompeu sua turnê mundial (ele só voltaria a fazer uma grande turnê em 1974), o afastou dos estúdios (1968 não viu nenhum disco de Dylan), mas não da Big Pink, a casa que a The Band alugou para morar e ensaiar enquanto Dylan se recuperava (e que irá gerar as “Basement Tapes“.
Nesse processo todo de desconstrução, “Self Portrait” é tido como o pior álbum da carreira de Dylan (“Dylan”, de 1973, é uma sacanagem da gravadora e não deve ser levado à sério) e ficou tão famoso quanto a abertura da resenha de Greil Marcus na Rolling Stone em 1970: “Que merda é essa?”. Mais de 40 anos depois, Dylan e Greil Marcus estão de volta (o jornalista assina o texto – desta vez comportado – do livreto) em versões cruas e emocionais, demos interessantes que valorizam “Self Portrait” (ainda que não o salve do purgatório) ao mesmo em tempo em que colocam certa nuvem nublada sobre o clima solar de “New Morning”. Despidas dos arranjos exagerados da época, “All the Tired Horses”, “Little Sadie”, “Wigwam”, “Days of 49” e “In Search of Little Sadie” soam adoráveis. Já “It’s Not For You” perde o apelo pop e ganha em drama numa versão piano e violino. A versão “Time Passes Slowly #1” soa mais “New Morning” do que a versão que foi para o álbum (há ainda uma terceira, daquelas de boteco fechando as 5 da manhã).
Entre as 35 canções da edição dupla, diversas faixas inéditas na voz de Dylan, como a pungente versão de “Pretty Saro”, a dramática “Spanish Is the Loving Tongue” e as rancheiras “Thirsty Boots” e “Tattle O’Day”, coisas finas que, do jeito cru em que se encontram, se conectam com a dobradinha de álbuns de covers caipiras que Dylan gravou nos anos 90, “Good As I Been To You” e “World Gone Wrong“. Além dessa versão dupla saiu uma outra com dois discos bônus trazendo, de extras, o dispensável “Self Portrait” original remasterizado em um disco e o famoso show de Dylan com a The Band no Festival da Ilha de Wight, em 1969, no outro, formando um pacote que ilumina de maneira encantadora um período escuro da carreira de Dylan, que ressurge aqui muito mais interessante.
maio 26, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 58: Tempest
Bob Dylan com café, dia 58: Chegamos a um momento da trajetória de Bob que qualquer coisa que ele lance de material inédito é amplamente aclamado pela crítica, e “Tempest”, seu quatro álbum de inéditas no novo século e 35º na carreira, não fugiu a regra. Lançado em setembro de 2012, “Tempest” quebrou a hegemonia de números 1 de Dylan nos últimos anos (os três álbuns anteriores haviam sido número 1 nos EUA, dois deles número 1 no Reino Unido) batendo na 3ª posição, mas os elogios foram tantos que o crítico do Guardian se incomodou: “O novo álbum de Bob Dylan chega e – como se tornou tradicional – você dificilmente conseguirá ouvir o velho devido ao barulho de avaliações de cinco estrelas sendo arremessadas à mesa”. A rigor, defende Alexis Petridis (que deu “apenas” quatro estrelas) com certa razão, Dylan vem fazendo absolutamente a mesma coisa desde “Love and Theft” (2001), o primeiro disco em que ele se jogou na produção, e o resultado positivo o fez assumir os botões também em “Modern Times” (2006), “Together Through Life” (2009) e “Christmas in the Heart” (2009). O nível, claro, é alto, mas Dylan joga na zona de conforto mantendo as mesmas inspirações: “Woody Guthrie, murder ballads, Muddy Waters, Jimmie Rodgers, jazz e folk do início dos anos 60”, resume a crítica da Billboard.
Ou seja, um furação pode dizimar a Terra ou banqueiros podem quebrar o país, que Dylan continuará num tempo espaço próprio, uma coisa pré-rock and roll, até pré-Bob Dylan. Não à toa, “Tempest” traz uma canção inspirada no Titanic (os 14 minutos e 50 versos da ótima faixa título citam até Leonardo Di Caprio; o crítico do Guardian se incomodou porque alguém comparo-a a “Desolation Row”… pela extensão. “Menos”, escreveu), outra na morte de John Lennon (a fraquinha “Rollo n John”) e uma terceira, um bluezaço furioso sobre “Early Roman Kings”. Além do bom primeiro single, “Duquesne Whistle” (aparentemente uma sobra do disco anterior, já que é a única do álbum em que Dylan divide a autoria com Robert Hunter), destaques para o rockabilly envenenado “Narrow Way”, que ameaça: “Se eu não puder trabalhar com você, um dia você irá trabalhar para mim”. A coisa fica feia em “Pay In Blood”, em que o refrão avisa: “Eu pago com sangue, mas não o meu”, e a letra segue sacaneando políticos, observando o amor num beijo assoprado por um mendigo raivoso e questionando: “Seu filho da puta, você acha que eu respeito você?”. No fim das contas, “Tempest” é sim outro grande álbum de Dylan, ainda que mais do mesmo. Será possível se recriar aos 50 anos de carreira? Talvez seja melhor cantar standarts de jazz… e isso é assunto para outro café.
maio 24, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 57: Anistia 50 anos
Bob Dylan com café, dia 57: A Anistia Internacional é uma organização não governamental fundada em 1961 que defende os direitos humanos. Com sede em Londres, a ONG conta com mais de 3 milhões de membros e apoiantes em todo o mundo. O objetivo declarado da organização é “realizar pesquisas e gerar ações para prevenir e acabar com graves abusos contra os direitos humanos e exigir justiça para aqueles cujos direitos foram violados”. Em 2011/2012, visando comemorar os 50 anos da organização e os 50 anos de carreira de Bob Dylan, a Anistia promoveu a produção de um álbum quadruplo com 76 artistas revendo, de maneira inédita, canções de Bob.
Lançado em janeiro de 2012, “Chimes of Freedom: The Songs of Bob Dylan Honoring 50 Years of Amnesty International” remete ao texto do crítico do Guardian na época do lançamento do disco natalino de Dylan (que tinha renda total revertida para sem tetos ao redor do mundo): “Costumava haver um consenso civilizado entre jornalistas – talvez ainda haja, em alguns setores das artes – que obras em benefício de caridade estivessem isentas do processo normal de crítica”. Desta forma, poderia se olhar com mais carinho para os possíveis baixos de um disco com 76 versões, mas mesmo Miley Cyrus (com “You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go”, de “Blood on The Tracks”), Kesha (a capella e sem autotune em “Don’t Think Twice, It’s All Right”, de “Freewheelin”) e Maroon 5 (com o single “I Shall Be Released”) honram as originais.
Entre os destaques, uma bela versão do trio Carolina Chocolate Drops para a poderosa “Political World” (de “Oh Mercy”), Lucinda Willians toda sertaneja emocionando em “Tryin’ To Get To Heaven” (de “Time Out of Mind”), Eric Burdon sacolejando ao som de “Gotta Serve Somebody” (de “Slow Train Coming”), Johnny Cash deliciosamente acompanhado pelos Avett Brothers em “One Too Many Mornings” (de “The Times They Are a-Changin’), Patti Smith recuperando “Drifter’s Escape” (de “John Wesley Harding”) e Diana Krall ao piano arrancando lágrimas com “Simple Twist of Fate” (outra de “Blood on The Tracks”).
Há mais: The Gaslight Anthem entorpece de guitarras “Changing of the Guards” (de “Street Legal”) enquanto o Silversun Pickups recria de maneira espacial “Not Dark Yet” (de “Time Out Mind”) e o QOTSA leva “Outlaw Blues” (de “Bringing It All Back Home”) para o bluegrass stoner. Os punks Flogging Molly e Bad Religion aceleram “The Times They Are a-Changin'” e “It’s All Over Now, Baby Blue”, respectivamente, enquanto Sinead O’Connor faz as pazes com Dylan em “Property of Jesus” (de “Shot of Love”). Há, ainda, Billy Bragg, Elvis Costello, Cage the Elephant, Pete Townshend, Ziggy Marley, Sting, Mark Knopfler, Steve Earle, Lenny Kravitz, My Chemical Romance, Carly Simon, Bryan Ferry, Joan Baez e Adele num álbum que, musicalmente, mais surpreende do que decepciona. Tanto a Anistia quanto Bob foram muito bem homenageados.
maio 23, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 56: Minneapolis Tape 1
Bob Dylan com café, dia 56: A oficialização de dezenas de bootlegs de Dylan em alta qualidade pela Columbia Records não diminuiu o interesse de fãs pelo vasto material raro deixado de lado por Bob durante sua carreira. Entre estes, destaque para duas fitas caseiras que Bob gravou em Minnesota, 1961, antes ainda de lançar seu primeiro disco. A primeira delas (conhecida hoje como “The Minneapolis Party Tape”) foi gravada em maio, há meio que um consenso sobre isso, mas o local permanece obscuro.
Alguns apostam num café, outros no apartamento de Bonnie Beecher, uma garota que Bob conheceu no colégio (e que inspirou a canção “Girl from the North Country”), e que certamente abrigou a segunda sessão em dezembro, conhecida como “Minnesota Hotel Tape”, e que, entre outras coisas, traz o quarteto de covers de Woody Guthrie “VD Blues”, “VD Waltz”, “VD City” e “VD Gunner’s Blues”, cujo tema central é doença venérea (VD) – em 1949, quando Guthrie escreveu o quarteto VD, estimava-se que mais de 3 milhões de norte-americanos tivessem sífilis e o problema era mais uma questão social do que médica, explica Fred Balls neste excelente texto. Trechos destas duas fitas circulam desde o final dos anos 60 entre fãs com os nomes mais variados como “Great White Wonder” (1969) e “Blind Boy Grunt” (1972). Ouça abaixo um dos primeiros bootlegs de Dylan!
De olho nisso, o selo britânico Smokin’ Production aproveitou que no Reino Unido os direitos autorais se esgotam após 50 anos e “oficializou” as duas famosas sessões de Dylan em Minneapolis, 1961. Na primeira delas, “The Minneapolis Party Tape” (o café de hoje), Dylan já estava rondando bares no Greenwich Village havia cinco meses quando baixou na cidade numa pausa a caminho de Hibbing, para ver seus pais. Como conta o livreto que acompanha esse relançamento, “essas incursões a Minneapolis permitiram a Dylan usar um gravador de amigos para capturar o progresso que ele havia feito musicalmente durante seu tempo em Nova York. Ansioso para demonstrar o quanto aprendeu enquanto vivia na Big Apple, ele se apresentou em várias ocasiões para seus velhos amigos, e o chamado Minnesota Party Tape é o resultado combinado de duas ou, mais provavelmente, três dessas sessões de maio”.
Bob tinha apenas 20 anos e a base do repertório são canções de Woody Guthrie (10 das 25 canções são dele, incluindo “This Land Is Your Land”), mas há também canções tradicionais e números de Reverend Gary Davis, McKinley Morganfield, Jesse Fuller e Bess Lomax Hawes. De inédito, “Bonnie, Why’d You Cut My Hair?”, uma brincadeira sobre os caminhos de rato que Bonnie deixou na cabeça de Dylan quando ele pediu a ela para dar um jeito no seu visual e cortar seu cabelo para que ele não chegasse à casa dos pais de cabelo comprido, costeleta e visual desleixado. Mais um documento histórico que flagra Dylan poucos meses antes de entrar em estúdio para gravar o primeiro álbum pela Columbia (em novembro) e ser lançado (em março de 1962). Agora de fácil acesso (tem CDs e vinis na Amazon e você encontra em streaming no Spotify, Deezer, Google Play e mais). Vá atrás.
maio 21, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 55: Witmark
Bob Dylan com café, dia 55: Lançado em outubro de 2010, “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964” havia sido antecipado como tema na edição deluxe do álbum “Together Through Life”, de abril de 2009, que trazia uma longa entrevista com Roy Silver, primeiro manager de Dylan (ainda que ele o defina como um picareta enquanto Silver, por sua vez, diga que “Bob era fácil de manipular, porque não dava a mínima e só queria fazer música”), descartada do filme “No Direction Home”. Foi Roy Silver que levou Dylan para a agência M. Witmark & Sons, fundada por imigrantes prussianos em 1885 em Nova York, “oito anos depois de Thomas Edison ter patenteado o fonógrafo, mas vários anos antes que alguém achasse que você poderia fazer negócios com discos”, observa Colin Escott no livreto educativo que acompanha o lançamento. “Em outubro de 1927, Jack e Harry Warner perceberam que suas novas imagens faladas criariam uma demanda insaciável por música, e era melhor possuí-la do que licenciá-la. Harry Warner fez uma oferta para comprar a Witmark & Sons e o negócio foi fechado em janeiro de 1929. Naquele verão, os Warner compraram mais sete editoras para formar uma holding própria”, conta Escott.
No livreto, Colin explica que a publicação de música é o grande segredo da indústria da música: “É onde está o dinheiro”. Ele divide a maneira de arrecadar dinheiro com música (na época) em quatro ramos: “fólios, direitos de composição, direitos de execução e sincronização (filmes)”. Fólios é a publicação em revistas e livros de partituras, que só tinham grande alcance se a canção fosse sucesso, o que também afeta os próximos itens. Já sincronização, apesar de ser um grande negócio, era muito mais raro na época (hoje é apontada por muitos como o futuro da indústria). Sobrava então os direitos de composição e execução, e o negócio era o seguinte: um manager (como Roy Silver) fazia a ponte com uma editora, que oferecia as canções de determinado artista para que o maior número de artistas o gravassem. A taxa nos anos 60 era de US$ 0,02 centavos por música (permaneceu assim até 1977, hoje é de cerca de US$ 0,09 centavos), o que quer dizer que se a canção alcançasse a marca de 1 milhão de cópias vendidas, lucraria US$ 20 mil em royalties mecânicos, geralmente divididos em 50/50 entre o compositor e a editora musical. Ficou fácil de entender o negócio, certo? Dai você pega Bob, que havia lançado um álbum de estreia em 1962 que havia vendido menos de 5 mil cópias. Uma das saídas do empresário Albert Grossman foi oferecê-lo a editoras, já que tanto ele quanto a Columbia Records acreditavam nas canções do jovem rapaz, e Dylan então assinou com a Witmark & Sons: “Ouvi ‘Blowin’ in the Wind’ e disse: ‘Ok, é isso. Quero você. Vou te dar um adiantamento de mil dólares”, relembra Artie Mogull, antes de saber que Dylan havia assinado com a Leeds Music um pouco antes. “Então dei a ele mais mil dólares para ver se conseguia sair do outro contrato. E, acredite ou não, o cara da Leeds Music aceitou. Era julho de 1962, seis meses depois que a Decca Records, na Inglaterra, fez um teste com Beatles e Brian Poole, e decidiu que Poole era a melhor aposta”.
Entre fevereiro de 1962 (quando Dylan fez a primeira sessão com oito canções para a Leeds Music) e junho de 1964, Bob fez 11 sessões mostrando de maneira crua canções como “Blowin’ in the Wind”, “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, “Masters of War”, “Don’t Think Twice, It’s All Right”, “The Times They Are a-Changin'” e “Mr. Tambourine Man”, todas presentes entre as 47 faixas oferecidas por Dylan a outros artistas (15 delas até então inéditas) e resgatadas em “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964”. Segundo o All Music, “em essência, essas demos são o som de Dylan se tornando Bob Dylan, e é uma evolução fascinante”. Já Rob Sheffield, da Rolling Stone, explica que não importa o quão você tenha decorado as versões definitivas oficiais, essas “demos trazem surpresas, como ‘Boots of Spanish Leather’, em que Dylan nunca soou tão derrotado quanto aqui ao perceber que lutou para convencer aquela garota a ficar, e agora gostaria de deixa-la partir para Barcelona”. Pitchfork (“Um resumo perfeito de como este conjunto revela a profundidade histórica da educação musical de Dylan”) e BBC (“Qualquer ouvinte ficará impressionado”) também caíram de quatro diante deste relançamento, que mostra a evolução de Dylan nos primeiros anos. Sean Egan, da BBC, resume: “São canções com pouco polimento de produção e compromisso emocional zero. Dylan tosse regularmente. Numa faixa, é possível ouvir uma porta fechando. Em outra, ele encerra a canção abruptamente porque, explica ao engenheiro de gravação, está entediado com a música”. E, ainda assim, muitas dessas canções se tornaram clássicos do cancioneiro mundial. A primeira tiragem de “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964” ainda trouxe, de bônus, “In Concert – Brandeis University 1963”, sete canções de dois sets de Dylan ao vivo em um festival folk numa universidade do Massachusetts. Relíquias.
maio 15, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 54: Christmas
Bob Dylan com café, dia 34: você pode esperar tudo de Bob Dylan, e ainda assim ele irá te surpreender. Repetindo uma diabrite (tida como provocação nas duas vezes) que havia feito pela última vez em 1970, quando lançou dois álbuns no mesmo ano, o enormemente achincalhado “Self Portrait” e o familiar (e elogiado) “New Morning”, Dylan colocou nas lojas em 2009 primeiro o bem recebido “Together Through Life” e, seis meses depois, o natalino “Christmas In The Heart”, em que acompanhado quase que pela mesma banda que gravara o disco anterior (David Hidalgo, do Los Lobos, novamente brilha) rememora cânones natalinos num álbum cuja renda deveria ser revertida para instituições de auxilio a sem tetos. A crítica do Guardian (que deu cinco estrelas irônicas) é hilária – “Costumava haver um consenso civilizado entre os jornalistas – talvez ainda haja, em alguns setores das artes – que obras em benefício de caridade estivessem isentas do processo normal de crítica. Desta forma, o crítico claramente não tem o direito de considerar começar sua resenha sobre este disco natalino de Bob Dylan com a célebre exclamação de uma única linha empregada por Greil Marcus sobre ‘Self Portrait’ na Rolling Stone em 1970: ‘Que merda é essa?’” –, mas, ainda assim, há uma beleza estranha nessas 15 canções de natal cantadas pelo vocal cada vez mais rouco de Bob. Houve uma época na música pop que disco natalino era uma febre e garantia de sucesso de vendas. Alguns deles se tornaram clássicos no século passado (como “A Christmas Gift For You From Phil Spector”, de 1963 e “Elvis Presley Christmas Album”, de 1957) e, neste século, muita gente ainda se aventurou no estilo (de Weezer a Aimee Mann, de She & Him a Cee Lo Green até Sufjan Stevens), mas absolutamente ninguém esperava isso de Bob. E o resultaldo é… divertido! “São seus vocais desequilibrados que tornam este disco de natal interessante e, de certa forma, apropriado”, provocou o Pitchfork. “É um aceno claro para as músicas que Dylan ama, um autorretrato muito melhor do que o ridículo lançamento dos anos 70”, comparou a BBC. “Essa é outra maneira de Dylan dizer que suas raízes estão em toda parte”, observou a Rolling Stone. Papai Noel e Bettie Page (e eu) curtiram.
maio 7, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 53: Together
Bob Dylan com café, dia 53: o 33ºálbum de estúdio de Bob nasceu de um acaso. O diretor francês Olivier Dahan pediu a Dylan uma música para seu novo filme, “A Minha Canção de Amor” (com Renée Zellweger e Forest Whitaker e que sairia só em 2010), e Bob decidiu trabalhar com Robert Hunter, letrista do Grateful Dead, com quem tinha composto duas canções em 1988 para o disco “Down In The Groove”. O resultado foi a canção “Life is Hard” (que Renée canta no filme – assista no final do post), mas a dupla se empolgou tanto que compôs mais um punhado de canções, permitindo a Bob pensar neste material como base de um vindouro novo disco. Nascia “Together Through Life”, o primeiro álbum de inéditas de Dylan desde “Desire” (1976) em que ele dividia a autoria da grande maioria das composições com um letrista convidado. Assumindo novamente a produção (com o codinome Jack Frost), Bob utilizou a banda que o acompanhava na Never Ending Tour acrescentando ainda o guitarrista Mike Campbell, dos Heartbreakers de Tom Petty, e David Hidalgo, líder da grande banda californiana Los Lobos, que fez em “Together Through Life” algo semelhante a que Scarlet Rivera havia feito em “Desire”: se lá ela havia conduzido as canções com seu violino, aqui Hidalgo tangencia os arranjos com seu acordeom dando ao álbum uma sonoridade de “blues do Sul dos Estados Unidos com tempero mexicano”, como descreveu David Fricke na Rolling Stone.
Lançado em abril de 2009, “Together Through Life” teve como primeiro single (com direito a clipe além de embalar trailer e um episódio da série “True Blood”), “Beyond Here Lies Nothin’”, que novamente surge inspirada em Ovídio transportando o poeta grego para um bar de beira de estrada tex mex. A busca desencontrada pelo amor é o tema que move as 10 canções, oito delas assinadas por Dylan/Hunter, uma acrescentando Willie Dixon à dupla (Bob sempre foi de não creditar suas “inspirações” de amor e roubo, mas com a família de Dixon é bom não brincar – Led Zeppelin que o diga) devido ao uso de “I Just Want to Make Love To You” no blues “My Wife’s Home Town”. Há bons momentos como “Forgetful Heart”, com banjo e acordeom e uma guitarra distorcida, mas o que dá o tom do disco são bons rocks ora acelerados (como a sarcástica “It’s All Good”), ora mais cadenciados (“Jolene”), ora mais bluesy (“Shake Shake Mama”), que se não alcançam o brilho dos três discos anteriores, também não comprometem. “Together Through Life” repetiu o feito de “Modern Times” (2005) e bateu no topo do ranking da Billboard. Mais: alcançou o número 1 também na Inglaterra, feito que Bob não tinha conseguido desde “New Morning”, de 1970. A edição deluxe do álbum trazia duas curiosidades deliciosas: um CD de um hora com o episódio “Friends & Neighbors” do programa de rádio Theme Time Radio Hor apresentado por Dylan (que seleciona canções de Howlin’ Wolf, Little Walter, Carole King e Rolling Stones, entre outros) mais um DVD com cerca de 15 minutos de um outtake do documentário “No Direction Home”, em que Dylan introduz Roy Silver, primeiro empresário do cantor (ainda que ele o defina como um picareta), que o levou para a agência Witmark, que será tema do próximo Bootleg Series, mas isso é assunto pra outro café.
maio 5, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 52: Tell Tale Signs
Bob Dylan com café, dia 52: Indo de vento em popa, as imperdíveis “Bootleg Series” de Bob chegaram ao seu 8º volume em outubro de 2008, quando a Columbia despejou nas lojas duas versões: um volume duplo, tradicional (com 27 faixas), e uma versão tripla com direito a CD extra (totalizando 39 canções) e um livreto lindo com as capas de todos os singles de Dylan lançados pelos quatro cantos do mundo. Desta vez, a série cobria o espaço do renascimento de Dylan no final dos anos 80 (com “Oh Mercy”, de 1989) estendendo-se até “Modern Times”, em 2006. Se a grande maioria do público, principalmente aqueles do esquecimento cultural a qual Bob relatava no livro “Crônicas”, ainda tinha Bob como um trovador folk da primeira metade dos anos 60, essa maravilhosa seleção de sobras luxuosas que levou o nome de “Tell Tale Signs – Rare and Unreleased – 1989/2006” coloca todos os pingos nos is cobrindo uma fase de 17 anos em que Dylan lançou dois discos de covers rurais e cinco discos de inéditas – ao menos três deles entre os melhores discos de toda a sua carreira: “Oh Mercy”, “Time Out of Mind” (1997) e “Modern Times” respondem pelo grosso do material (22 canções são sobras destes três discos) mostrando outras facetas de canções que acabaram nos álbuns em versões oficiais.
“Mississipi”, por exemplo, surge em três versões diferentes das sessões de Bob com Daniel Lanois para o álbum “Time Out of Mind”. Bob não ficou satisfeito com nenhuma das versões, e a regravou a sua maneira no álbum “Love and Theft” (2001), mas muitos dos fãs (eu incluso) acham que a versão guia, com Bob na voz e guitarra acompanhado de Lanois também na guitarra coloca no bolso a versão de “Love and Theft” (na verdade, as três versões deixam a oficial no chinelo – compare as versões nesta playlist que fiz no Spotify incluindo a de Sheryl Crow, que a gravou antes mesmo de Bob). O mesmo acontece com “Born in Time”, numa versão linda, que faz a oficial do álbum “Under The Red Sky” (1990) soar menor. Há versões alternativas elegantes de canções que Bob fez para trilhas de filmes no período (“Tell Ol’ Bill” para “Terra Fria”, 2005; “Huck’s Tune” para “Bem-vindo ao Jogo”, 2006; e “Cross the Green Mountain” – em versão longa – para “Deuses e Generais”, 2003), números ao vivo (“Tryin’ To Get To Heaven” no Wembley Arena, 2000; uma sensacional “High Water (For Charley Patton)” no Canadá, 2003; “Cocaine Blues” em Viena, 2003; “The Girl on the Greenbriar Shore” voz e violão em Dunkirk, 1992; e “Cold Irons Bound” no Festival Bonaroo 2004, entre outras) além de canções completamente inéditas como “Duncan And Brady”, “Red River Shore” e “Marchin’ To The City”, entre outras, que tiveram aqui enfim seu registro oficial. Saca um disco nota 10? É esse aqui (e ele é triplo!). Divirta-se.
maio 3, 2018 No Comments