Category — Cinema
007, Frankenweenie e Aqui é o Meu Lugar
“007 – Operação Skyfall” (Skyfall, 2012)
Saudado pela crítica estrangeira com tiros de escopeta e adjetivos elogiosos, a 23ª encarnação de James Bond não é essa coca-cola toda que estão tentando vender, mas tem lá seus muitos méritos. Terceiro e melhor “episódio” da série com Daniel Craig no papel de 007 (relembrando, os anteriores foram o ótimo “Casino Royale”, de 2006, e o ok “Quantum of Solace”, de 2008), “Skyfall” é aquilo tudo que o fã da série idolatra: perseguições sensacionais de tirar o fôlego, beldades de deixar homens e mulheres apaixonados e o cinismo inabalável do personagem. O ponto alto de “Skyfall”, porém, é seu vilão, não um maluquete qualquer que deseja “conquistar o mundo” (ufa, ainda bem), mas sim um ex-agente motivado por vingança, que ganha um colorido digno de indicação de Oscar na interpretação hilária de Javier Bardem (a cena de introdução do personagem é, fácil, Top 3 do ano). Mesmo com toda adrenalina e diversão (e com Adele), “Skyfall” continua sendo excessivamente entretenimento para ser esquecido assim que se sai da sala de projeção, como uma Montanha Russa em um parque de diversões. Neste ponto, a saga Bourne entrega mais (do capítulo “Quando a cópia supera o original”).
“Frankenweenie” (2012)
Nova investida de Tim Burton no formato de animação em stop-motion, “Frankenweenie” é uma declaração de amor em forma de cinema. Primeiramente ao cinema b preto e branco dos anos 30 e 40 (citações de “Frankenstein”, “Drácula”, “Lobisomem”, “Godzilla” e “Múmia” – entre outros – se acumulam durante a projeção); depois ao próprio universo Burton: “Frankenweenie”, cuja ideia original surgiu do curta-metragem homônimo – e com pessoas reais – que o cineasta realizou em 1984, também soa como uma releitura de “Edward Mãos-de-Tesoura” (1990) – e a participação de Winona Ryder reforça a premissa. Um universo de personagens infantilmente sinistros volta à ativa em “Frankenweenie”, provocando a nostalgia que invade o espectador e o faz buscar, em suas memórias, seu primeiro bichinho de estimação e seu provável primeiro contato com a perda e a morte – assim como seu primeiro filme de terror. Burton questiona instituições como Escola, Família e Estado (o discurso do professor de ciências é corrosivo) num filme (bonito, mas excessivamente) reverente, sonhador e leve, que não tenta podar o sonho infantil – o final feliz atesta.
“Aqui é o Meu Lugar” (“This Must Be The Place”, 2012)
Paolo Sorrentino integra a nova safra de cineastas italianos e surpreende nesta sua boa estreia em língua inglesa. Com titulo retirado de uma canção do Talking Heads (David Byrne, inclusive, participa de um momento chave da trama), “Aqui é o Meu Lugar” tem como personagem principal Sean Penn, em excelente atuação, como um roqueiro norte-americano, gótico e decadente, que sofre com fantasmas de suicidas, o envelhecimento e o custo do abuso do uso de drogas. Ele vive num exilio voluntário em Dublin, na Irlanda, casado com uma bombeira (Frances McDormand), e sua fala é arrastada e frágil – assim como sua postura, que só se acomoda perante o espectador com cerca de meia hora de filme –, embora as palavras sejam, geralmente, diretas. A MTV planeja um comeback, mas ele decide ir ao encontro do pai – e, bingo, de si mesmo – numa road trip pelos Estados Unidos que acaba se transformando numa caça a um nazista. Sorrentino trata a passagem da adolescência (adultescência) para a maturidade com didatismo visual, o que corrobora uma visão moralista: o que é estranho e diferente é imaturo. Uma pena: “Aqui é o Meu Lugar” é um bom filme até o minuto final, quando escorrega e põe quase tudo a perder. Ainda assim, tem seus méritos (como a boa trilha).
novembro 19, 2012 No Comments
Na integra: Exit Through the Gift Shop
Um dos filmes mais importantes do novo século, senão “o” filme mais importante, “Exit Through the Gift Shop”, dirigido por Banksy, foi lançado em 2010, indicado para o Oscar de Melhor Documentário, e pode ser assistido (com legendas em francês) no vídeo abaixo:
setembro 15, 2012 No Comments
Três filmes: Costa-Gavras 1969, 2002, 2005
“Z” (1969)
Eis uma das obras-primas incontestáveis do cinema político na história da sétima-arte, aquele tipo de filme que vale o chavão batido: tinha que ser exibido no primeiro dia de aula tanto no colegial quanto na faculdade tanto quanto ser visto ano a ano para não deixar o cérebro amolecer. Logo no começo, um aviso: “Qualquer semelhança com pessoas ou fatos NÃO é mera coincidência”. O roteiro assinado por Gavras e Jorge Semprún, baseado no romance homônimo de Vassilikos Vassilis lançado em 1966, acompanha a história de um chefe do partido comunista grego, que sofre um atentado após um comício. O juiz responsável pelo caso descobre uma série de irregularidades durante a investigação, auxiliado por um fotojornalista, e o desenrolar da trama é praticamente a história de todas as ditaduras do mundo, em maior e menor grau (incluindo a nossa), e pode deixar muita gente com dores de estômago. “Z” reconstitui a história verídica do político grego Grigoris Lambrakis, morto em 1963 em Thessaloniki por dois integrantes de um grupo de extrema-direita grego apoiado por generais (que logo tomariam o poder no país). Foi indicado ao Oscar nas categorias Melhor Filme (mesmo sendo falado em língua francesa) e Melhor Filme Estrangeiro, levando a estatueta nesta segunda categoria. Daqueles filmes obrigatórios.
“Amém” (2002)
Baseado em uma peça chamada “O Vigário” (1963), escrita por Rolf Hochhuth com base no relatório verídico de um oficial da SS, “Amém” lança luz sobre a relação da Igreja Católica com os nazistas acusando o Papa Pio XII (e o alto clero do Vaticano) de silenciar ante os relatos de crimes cometidos contra judeus em diversos campos de concentração europeus. O núcleo da trama é conduzido pelo cientista Kurt Gerstein (em ótima atuação de Ulrich Tukur), que vê uma de suas invenções (o cianeto de hidrogênio, desenvolvido para erradicar o tifo) sendo usada para matar judeus. Gerstein é promovido a Oficial da SS e passa a acompanhar a rotina dos campos de concentração, colhendo números e dados que ele mesmo tenta passar a embaixadores de outras nações tanto quanto à Igreja Católica. O oficial consegue sensibilizar um padre (fictício), que leva a informação ao Vaticano, que opta por não se pronunciar sobre o genocídio. A história verídica é assustadora, mas Costa-Gavras não consegue criar tensão no filme (pelo contrário: o cinismo de um dos personagens acaba se sobrepondo à crítica que o roteiro tenta impingir à Igreja Católica). Vale por colocar o importante Relatório Gerstein em pauta, mas o diretor não consegue imprimir a força de, por exemplo, “Katyn” (2007), obra obrigatória e aterrorizante de Andrzej Wajda.
“O Corte” (“Le Couperet”, 2005)
O ponto de partida desta pequena epopeia cínica, genial e absurda do mundo moderno é o… desemprego. Após trabalhar 15 anos em uma empresa, que acaba de se fundir com outra, o executivo Bruno Davert é demitido. Ele tem 39 anos, e o argumento do RH é que eles precisam enxugar a folha de pagamento. A vida segue, mas não como ele planejava: após uma sequencia de entrevistas, Davert não consegue se recolocar no mercado, e a tensão começa a tomar conta da família. É neste momento que Davert tem uma grande ideia: montar uma firma fictícia, oferecer uma vaga semelhante a que ele procura, e… eliminar os possíveis concorrentes à vaga que ele também deseja. O roteiro (tão absurdo quanto provável) é inspirado no livro “The Ax”, de Donald E. Westlake, e a escolha de José Garcia para o personagem principal não poderia ter sido mais acertada. O ator consegue criar um personagem tão psicopata quanto idiota, e as cenas absurdas que se seguem servem como um piscar de olhos crítico de Costa-Gavras para o capitalismo desenfreado que tomou conta de boa parte do mundo nas três últimas décadas. Porém, mais do que um filme crítico e de muita importância para se analisar o estado atual das coisas, “O Corte” é uma deliciosa comédia de humor negro que resgata alguns dos melhores momentos de “Z”. Para assistir com o currículo nas mãos…
Leia também:
– “Katyn”, uma porrada tão forte que fica difícil respirar (aqui)
agosto 20, 2012 No Comments
Três filmes: Retratos do Submundo
“Sid & Nancy: Love Kills” (1986)
Antes de entrar no Sex Pistols, John Simon Ritchie já tinha tocado bateria no Siouxsie and the Banshees e sido cotado para ser vocalista do The Damned, mas Alex Cox não está muito interessado em contar história rock and roll em “Sid & Nancy: Love Kills”, preferindo focar suas lentes na degradação do romance entre o baixista e a groupie mal-encarada Nancy Spungen, casal perfeitamente interpretado por Gary Oldman e Chloe Webb. Ainda assim, alguns fatos históricos do punk rock estão presentes, como o dia em que Sid usou o contrabaixo como um taco de beisebol em um jornalista que havia detonado o Sex Pistols ou a cena épica do famoso show no Tamisa (haviam proibido o Sex Pistols de pisar ao vivo no solo britânico, mas a proibição não dizia nada sobre tocar sobre a água), suavizada pelo romance: enquanto dezenas de pessoas apanham da polícia, o casal sai abraçado atravessando a tudo e todos. Eis o principal problema do filme: não é o amor que mata, mas a relação perigosa do casal com as drogas pesadas, e elas são secundarias na trama (muitas vezes exageradamente estilizadas). Alex Cox, que divide o roteiro com Abbel Wool, sentimentaliza um personagem icônico que simboliza uma Inglaterra decadente, e deu sorte de ter acertado na escolha da dupla de atores principais num filme que sugere dor, perigo, descontrole e violência, mas não as exibe.
“Eu Atirei em Andy Warhol” (“I Shot Andy Warhol”, 1996)
Valerie Solanas foi uma importante militante radical, autora do manifesto “Scum”, no qual pregava o extermínio de todos os homens da Terra. Os três tiros que disparou contra Andy Warhol em junho de 1968 são o capítulo final de sua história (com um epilogo marcado por prisões, depressão e internação em hospitais psiquiátricos), e “I Shot Andy Warhol”, que surgiu como um documentário, busca contar sua gênese, com flashs de uma infância difícil e uma passagem destacada pela Faculdade de Psicologia, momento em que Valerie se descobre lésbica e parte em direção ao submundo nova-iorquino, vivendo no mítico e decadente Chelsea Hotel, participando de filmes da Factory, de Andy Warhol, e se prostituindo. A diretora Mary Harron (que quatro anos depois assinaria o genial “Psicopata Americano”) apresenta diversos trechos do polêmico manifesto ao mesmo tempo em que lança luz sobre o desejo desenfreado de Valerie pela fama retratando de forma distante um submundo recheado por drogas, sexo e personagens exóticos. Lou Reed atacou o filme, e não liberou nenhuma canção sua para a trilha, assinada pelo ex-parcerio John Cale (ainda assim o CD da trilha é brilhante com belos covers de Wilco, R.E.M., Luna, Pavement e Yo La Tengo). Destaque para Stephen Dorff, que brilha como o famoso travesti Candy Darling, e Jared Harris (o Lane Pryce de Mad Men) como Warhol em outro filme que tem mais valor histórico do que cinematográfico.
“Boogie Nights” (1997)
Segundo filme da carreira do prestigiado diretor Paul Thomas Anderson (que, posteriormente, filmaria os obrigatórios “Magnólia” e “Sangue Negro”), “Boogie Nights” é um excelente retrato do submundo da indústria pornô no final dos anos 70, começo dos 80. Um jovem bem dotado é descoberto em uma boate por um diretor, e estreia como ator alcançando fama e dinheiro, e junto cocaína. A inspiração de boa parte da trama é o ator John Holmes, ícone pornô que transou com duas gerações de estrelas pornográficas, de Seka e Marilyn Chambers a Ginger Lynn e Ciccolina, tentou uma carreira paralela em filmes de ação (retratada no filme) e se viu envolvido em um assalto (para obter cocaína) que terminou com quatro mortos (passagem também presente em “Boogie Nights”). Com um elenco brilhante liderado por Mark Wahlberg (como o ator pornô Dirk Diggler), Burt Reynolds (como o diretor Jack Horner) e Julianne Moore (como a atriz pornô Amber Waves), e que ainda conta com participações excelentes de Heather Graham, Don Cheadle, John C. Reilly e Philip Seymour Hoffman (entre outros), “Boogie Nights” é uma típica história de ascensão e queda, de pessoas despreparadas para o sucesso em uma indústria perigosamente sustentada pelo proibido, contada com excelência por Paul Thomas Anderson.
Leia também:
– “Magnólia”, de Paul Thomas Anderson, por Marcelo Costa
– “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson, por Marcelo Costa
agosto 6, 2012 No Comments
Três Filmes: Cinema, Cerveja e Política
“Um Retrato de Woody Allen” (Wild Man Blues, 1998)
Woody Allen costuma rejeitar comparações com seus personagens, mas basta colocar Jerry, personagem que ele encena em “Para Roma com Amor” (que rememora muitos outros), ao lado do Woody Allen deste documentário para percebermos que a linha que os separa é praticamente invisível. E isso é um dos vários pontos interessantes de “Wild Man Blues”, filme de Barbara Kopple (lançado agora no Brasil pela Flashstar – com uma leva de outros filmes do diretor) que flagra a turnê europeia da banda de jazz de Woody Allen em 1997, passando por 18 cidades em 23 dias: “É típico de mim”, comenta ele em certo momento. “Eu sonhava com essa turnê, e agora que estou nela não vejo a hora de acabar”. O humor afiado do diretor avança sobre prefeitos, fãs e paparazzos, mas o retrato que Kopple faz do cineasta é tão honesto que comove. Filmado logo após o longo processo que Mia Farrow e Woody Allen enfrentaram pela guarda dos filhos, e da união do diretor com a filha adotiva de Mia, Soo-Yi, “Wild Man Blues” expande seu território avançando além da banda (sem perder a boa música de foco) para o novo casamento e até para a relação do cineasta com sua família. Nettie, a mãe, responde na frente da nora que preferia uma filha judia a uma oriental enquanto o pai, já bastante idoso, parece ainda não aceitar a carreira escolhida pelo filho, passagens que mitificam (e explicam) um dos maiores cineastas vivos.
“Cerveja Falada” (2010)
Em um momento em que a produção de cerveja artesanal começa a despontar em vários cantos do País, este documentário de 15 minutos dirigido por Guto Lima, Luiz Henrique Cudo e Demétrio Panarotto, da produtora Exato Segundo, resgata com méritos um personagem mítico que ficou a frente de uma das mais antigas cervejarias artesanais do país. Rupprecht Loeffler viveu boa parte de seus 93 anos dedicando-se a produção de cerveja, e é apontado por muitos como um dos mais antigos mestres cervejeiros do país, tocando a cervejaria Canoinhense, de Canoinhas, em Santa Catarina, por mais de cinco gerações (até seu falecimento, em fevereiro de 2011). Fundada em 1908 pelo pai de Rupprecht, a Canoinhense produz cerveja e chope artesanais com receita que segue a Lei da Pureza Alemã. Os tonéis de carvalho foram trazidos da Alemanha há mais de um século. “Meu pai trouxe a fórmula de Munique”, conta Rupprecht, que diz que, na falta de leite, a “piazada” tomava cerveja quando era criança. O mestre-cervejeiro lembra como estocou lúpulo na Segunda Guerra Mundial e conta outras histórias divertidas em um registro carinhoso que já recebeu vários prêmios, e está disponível para download no site Filmes Que Voam (aqui). Ainda assim vale ir atrás do DVD, que traz o ótimo média metragem “Histórias da Cerveja em Santa Catarina”. Bate na porta da Exato Segundo.
“Ao Sul da Fronteira” (South of The Border, 2009)
Disposto a mostrar ao mundo – e especialmente aos norte-americanos – a verdadeira América Latina (já que nós aqui debaixo conhecemos bem quase todas as histórias presentes no filme), Oliver Stone entrevistou Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai), Néstor e Cristina Kirchner (Argentina), Rafael Correa (Equador), Raúl Castro (Cuba) e Lula buscando mostrar a força de um continente que quer olhar os EUA de igual para igual. Em “Ao Sul da Fronteira”, o diretor busca suavizar a imagem difícil de Hugo Chávez, temido presidente da Venezuela, e tropeça em lacunas e na falta do traquejo dramatúrgico e cômico que transformam filmes de Michael Moore em epopeias mundiais, mas, ainda assim, soa educativo ao mostrar como a mídia norte-americana transforma países que dificultam as relações com os EUA em grandes vilões. “Obama trouxe da reunião com os países latinos um aperto de mão e uma camiseta do Che”, reclama um ancora, que pinta o presidente venezuelano como um monstro. “É tudo por petróleo”, retruca Chávez, que surge abraçando criancinhas, andando de bicicleta (Stone faltou às aulas de populismo barato) e, comicamente, perguntando aos membros da ONU se eles sentiam o cheiro de enxofre no palanque após um discurso de Bush, o demônio. O grande mérito do filme (que está inteiro no Youtube) é explorar com destreza o tema “manipulação da mídia”. A verdade é simples (para TODOS os lados): duvide de tudo que você vê na TV e lê em jornais. Tudo. Se não existe mais bobo no futebol (e existe), a política ainda está com as salas cheias. Uma boa dose de ceticismo faz bem para a razão, mas, se preciso for, viva a América… do Sul.
julho 11, 2012 No Comments
Três Filmes: Camila, Raul e Xingu
“Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios” (2012)
Adaptado da obra homônima de Marçal Aquino, colaborador frequente dos diretores Beto Brant e Renato Ciasca, “Eu Receberia” opta por aprofundar o olhar do espectador não só no romance, mas na função da mulher em uma história de amor clássica, uma musa com homens girando em sua órbita e lutando por sua posse tal quais mitos gregos – a tragédia, então, surge como elemento obrigatório na trama. Assim é Lavínia, musa tanto de um pastor (que vê nela seu poder de salvação) quanto de um fotógrafo (numa alusão óbvia e não menos interessante). Ela é casada com o primeiro, amante do segundo, e se essa frase já entrega o ponto de partida do drama, o que brilha na tela (mais que a nudez de Camila Pitanga) é a forma com que os diretores investigam o âmago dos personagens – ainda que, em momentos, de forma exagerada (como quando tentam dramatizar a Amazônia, outra musa). Difícil ficar alheio ao filme, e num mundo em que a grande maioria das histórias de amor já foi contada, recontada, vivida, lida e/ou vista por quase todos, “Eu Receberia” tem a virtude de pegar o espectador pelos ombros, chacoalha-lo, e obriga-lo a olhar para si próprio. E para sua própria musa. Muitos devem desviar o olhar.
“Raul — O Início, o Fim e o Meio” (2012)
Não me lembro se foi Robby Krieger ou John Densmore, mas consta que um deles, frente ao túmulo de Jim Morrison no Pere Lachaise, teria dito: “Ele não pode estar ai. Ele era grande demais para caber neste túmulo”. Foi a primeira coisa que pensei deste documentário sobre Raul Seixas: como resumir uma persona tão ampla e complexa quanto Raul numa tela de cinema? O diretor Walter Carvalho cumpriu com méritos a árdua tarefa, e ainda abriu outras questões interessantes para discussões de mesa de bar. Do começo, com um cover de Raul pilotando uma moto ao som de “Blue Moon / Asa Branca” (que resume a paixão de Raulzito por Elvis e Luiz Gonzaga), Carvalho segue uma ordem cronológica preenchida por diversas entrevistas (o trabalho investigativo é excelente) que tentam dar ao espectador uma centelha do mito em passagens deliciosas (seja com Os Panteras, seja com Paulo Coelho e o episódio da mosca, seja com os satanistas, seja com as ex-mulheres, ou mesmo o polêmico trecho final, com Marcelo Nova) que colocam “Raul — O Início, o Fim e o Meio” ao lado de outros grandes (e obrigatórios) documentários recentes nacionais – como “Loki”, sobre Arnaldo Baptista, “Música Para os Olhos”, sobre Cartola, e “Ninguém Sabe o Duro que Dei”, sobre Wilson Simonal.
“Xingu” (2012)
A história dos irmãos Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas é conhecida por muitos, mas ainda assim menos do que deveria. Filhos da classe média paulistana, o trio deixou a cidade juntando-se à “Marcha para o Oeste” num misto de busca por aventura e pelo desconhecido. Acabaram “descobrindo” o universo indígena, tornaram-se ferrenhos defensores da causa (tanto na floresta amazônica quanto em Brasília) e, num paralelo a Oskar Schindler (empresário alemão que salvou a vida de mais de mil judeus durante o Holocausto), salvaram milhares de vidas idealizando o Parque Nacional do Xingu, que foi criado em 1961, com projeto assinado pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Desta forma, “Xingu”, o filme, tem como grande mérito amplificar a ação dos Villas Bôas (e tem cara de Oscar – o paralelo com a “A Lista de Schindler” não é à toa), o que torna a película mais interessante pela ação dos irmãos do que por seus próprios méritos cinematográficos. O roteiro é apressado e, ainda assim, funcional (apesar de abusar de estereótipos). A fotografia é belíssima, as atuações convincentes, mas é tudo tão excessivamente produzido que, algumas vezes, soa irreal (quando, talvez, devesse ser mais documental). Um filme excelente pela causa, mas apenas ok pelo cinema.
abril 30, 2012 No Comments
Sobre Scorsese e filmes que salvam almas
Terminei “Conversas com Scorsese”, de Richard Schinkel (lançado pelo CosacNaify – aqui), na semana passada (meu quarto livro em 2012 – que o ritmo perdure), e fiquei bastante comovido e feliz com suas últimas 50 páginas (de mais de 500). Schinkel, que é jornalista e documentarista, optou por um capítulo sobre a infância de Scorsese para abrir o livro, e depois ele e Scorsese passaram a decupar filme a filme do cineasta em relatos interessantes que, por dezenas ou centenas de vezes, esbarravam em algum filme antigo, que Scorsese se inspirou ou citou em determinada passagem.
Ainda há capítulos sobre cores, música, filmagem, estúdios, cortes e ângulos, mas no final, logo após os dois falarem sobre “Ilha do Medo” (2010), o último filme decupado (na época Scorsese filmava “Hugo Cabret” e finalizava o documentário sobre George Harrison), Schinkel questiona sobre a preocupação do diretor com a restauração e conversação de filmes antigos (Scorsese é dono de mais de 4 mil filmes em rolos) e seu trabalho com a Film Foundation (organização sem fins lucrativos dedicada à preservação de filmes fundada pelo diretor em 1990 – http://www.film-foundation.org/), no que ele conclui: filmes (livros, quadros e/ou músicas) podem salvar vidas.
Os artefatos da história nos filmes são incrivelmente importantes. O pior filme do mundo conterá pistas de como vivíamos, como nos vestíamos, como falávamos.
Era isso que eu apontava em 1979. Havia um chamado “The Creeping Terror” (de Vic Savage, 1964), um filme idiota de ficção cientifica filmado no Meio Oeste. Levaram todo mundo para alguma cidade para fazer. Então se via realmente como as pessoas se vestiam. E via-se como se comportavam na vida cotidiana. Estavam “representando”, mas na verdade não estavam. A trama não interessava. O que me interessava era o que revelava sobre os Estados Unidos e sobre a nossa cultura. Era muito comovente.
Transformou-se num registro valioso
Realmente.
No entanto, sinto que isso não basta para você. Por mais que você contribua com seu trabalho para a Film Foundation, está sempre dizendo que sente que não dá tanto quanto deveria ou do jeito certo.
É o conflito entre abnegação e egoísmo. Você pode preencher um cheque para filantropia e se sentir melhor. Mas preencher um cheque não adianta nada. Você tinha de estar lá, se realmente se importa.
Você é muito severo.
Tem razão. E isso vindo de uma pessoa que foi um fracasso em dar durante muitos anos.
Espere um pouco: por tudo que você fez pela Film Foundation, a quantidade de trabalho que põe nela… não deveria se sentir mal de apoiar a preservação de filmes. É uma coisa válida.
Eu acho que é válida. Acho que alimenta a alma de alguma forma.
Sem dúvida alimenta a sua alma.
Um amigo meu me disse recentemente: “Vamos vender a Capela Sistina para um empresário, assim os pobres podem comer por um dia com os lucros”. Mas e depois? Eles comeriam por um dia, mas nós ficaríamos sem a Capela Sistina. E a Capela Sistina pode ser de maior valor para as pessoas ao longo dos próximos dez séculos.
Salvar um filme glorioso que corre o risco de se perder ou ser destruído também pode sustentar almas.
Eu sei que sim.
(…)
Acredito num universo de acaso. Acredito que quando morrer estarei morto, não vou para nenhum lugar melhor – o que lamento amargamente, claro.
Vamos sentir falta, sabe? Vamos sentir muita falta. A não ser, seguindo a lógica do nada, que a gente não saiba.
Tenho um amigo que diz: “O que mais detesto nessa história (de morrer) é que pedem para você ir embora da festa, mas a festa continua”.
E vai continuar sempre.
Vão estar fazendo filmes…
Vão fazer filmes, escrever peças, livros. E eu vou sentir falta de tudo isso. Não é justo.
“Acabou para o senhor, senhor Scorsese” (imita a voz do juízo final)
Ah, espere um pouco, tenho mais uma coisa a dizer.
Eu me pergunto: Qual o propósito do que faço? Não tenho a menor ideia. Acho que é assim para a maioria das pessoas.
As pessoas pensam de formas diferentes. Mas você abre portas. Essa é a chave, acho. É igual a influência que um padre teve sobre mim quando eu era criança e ele dizia: “Olha esse livro. Vá ver esse filme. Escuta essa música”. E de repente as pessoas tomam rumos que nunca pensamos. Faz alguma diferença.
Faz com que pensem de jeito diferente, se comportem de jeito diferente, então acho que cumprimos o nosso propósito. Não sei por que estaríamos aqui se não fosse por isso. Como você diz, todo o texto é ego.
É, o resto é ego. “Sindicato dos Ladrões”, de Elia Kazan, significou muito pra mim. As pessoas efetivamente afetam outras pessoas. Tanta gente vai a Bob Dylan e diz: “Seu trabalho mudou a minha vida”. O que ele pode dizer para elas? Não pode dizer: “Não foi minha intenção”, porque você quer que isso aconteça. Em meu trabalho, venho desenvolvendo ao longo dos últimos dez anos uma compaixão alimentadora, acho. Algumas pessoas dizem que é culpa católica, nada mais. Mas culpa sempre. Parece que estou o tempo todo lidando com essa área. Não falo de culpa por atrasar na missa ou por ter pensamentos sexuais. Falo da culpa que vem do simples fato de estar vivo.
Leia também:
– Martin Scorsese, eu e a morte, por Marcelo Costa (aqui)
abril 11, 2012 No Comments
Três filmes: o espião, a hacker, o jornalista
“O Espião Que Sabia Demais” (Tinker, Tailor, Soldier, Spy, 2011)
Londres, início dos anos 70: em tempos de Guerra Fria, o Serviço de Inteligência do Reino Unido atua entre duas potências, Estados Unidos e União Soviética, e suas agências de segurança CIA e KGB, tentando esfriar os ânimos para que nenhum chefe mais esquentado aperte o botão e comece uma guerra nuclear. Tudo é informação, e muitas vezes ela vale mais do que dinheiro – e do que a própria vida. Qualquer peça movimentada de forma errada pode causar um imbróglio internacional, e é neste cenário de jogos de interesses que o diretor sueco Tomas Alfredson tenta dar foco a um roteiro “espertinho”, baseado no romance de John Le Carré, que quase coloca o filme a perder. A culpa é da dupla de roteiristas Bridget O’Connor e Peter Straughan, que quis dar ao filme aquela sacadinha cool, mas causa mais bocejos que admiração. O tédio aumenta com o trabalho do fotógrafo Hoyte Van Hoytema, que passa boa parte do filme exercitando zoons lentos. Ainda assim, Gary Oldman se destaca (nada que justifique um Oscar), mas Colin Firth é subaproveitado em uma história que mais parece um jogo lento, chato e arrastado de xadrez que, após duas horas e sete minutos, termina empatado.
“Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres” (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011)
Primeiro filme da adaptação hollywoodiana da trilogia literária milionária escrita pelo jornalista Stieg Larsson, morto em 2004, “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” soa o projeto perfeito para a grife David Fincher: um suspensão movido a assassinatos brutais, mensagens cifradas da Bíblia e personagens incomuns numa paisagem exuberante. Daniel Craig interpreta Mikael Blomkvist, um jornalista investigativo que cai em desgraça após perder um processo por calúnia e difamação, e acaba aceitando um estranho trabalho em uma ilha na costa sueca: desvendar o desaparecimento de uma garota, 40 anos antes. Calma, tem mais: Rooney Mara, que se transmuta da namoradinha nerd de Mark Zuckerberg em “A Rede Social” para a hacker Lisbeth aqui, um personagem tão complexo e tão repleto de detalhes que vale ver o filme apenas para acompanha-lo (e torcer para que ela leve o Oscar – não deve ter mais espaço na casa da Meryl Streep). A trama de 2 horas e 38 minutos alterna momentos fortes com passagens desnecessárias destacando uma bela fotografia, um roteiro que poderia ser mais enxuto e uma montagem que deveria ser (ainda) mais ágil. O resultado é apenas ok, mas David Fincher ainda terá mais duas chances para superar “Seven”. Pelo visto aqui ele dificilmente conseguirá…
“As Aventuras de Tintim” (“The Adventures of Tintin: The Secret of the Unicorn”, 2011)
Outra franquia que deve tomar as salas de cinema (normais e 3D) durante os próximos (15, 20) anos, “As Aventuras de Tintim” é o primeiro episódio da série que narra em película às histórias do jovem repórter belga criado por Hergé, em 1929. Não espere ambientação. Logo no começo do filme, em uma belíssima valorizada pelo 3D, Tintim pega um retrato seu desenhado por um artista de rua, e esta será sua apresentação, e também a de Milu, seu cão fiel. Daí em diante, Steven Spilberg faz o que sabe muito bem: jogar seu personagem para cá e para lá em dezenas de cenas aventureiras que não desperdiçam momentos de perseguição, pitas de comédia e boas cenas de luta. Desta forma, Tintim parece a versão jovem do professor de arqueologia Indiana Jones, essa simplificação soa grosseira e desrespeitosa com o personagem de Hergé, pois Spilberg se concentrou nas aventuras, mas esqueceu de dar alma ao personagem, que, arremessado de lá pra cá numa correria desenfreada em busca de um tesouro qualquer, não seduz nem causa admiração, parecendo um filme de Walt Disney dos anos 50. Se tivessem deixado nas mãos da Pixar… (em tempo: Peter Jackson já foi escalado para o próximo. Alguma esperança?).
fevereiro 23, 2012 No Comments
Três Filmes: Scherfig, Van Sant, Almódovar
“Um Dia” (“One Day”, 2011)
Madrugada de 15 de julho de 1989: Emma (Anne Hathaway), uma nerd com tendência a poetisa, óculos fundo de garrafa e insegurança, leva pra casa um “amigo” de faculdade, Dexter (Jim Sturgess), o pegador da turma, misto de playboy e babaca, que dormiu com quase todas as garotas da sala, e nunca prestou atenção nela, mas nada como o alcoolismo às 5 horas da manhã. Corte: 15 de julho de 1990, 1991, 1992, 1993 (…), 2000: com o passar da data (o filme – e o livro homônimo no qual foi inspirado – se passa nesse dia de todos os anos), os personagens invertem os papeis: Emma constrói uma carreira segura enquanto Dexter, que continua babaca e perdido, entra numa espiral de decadência e decepções que confere um pouco de sentimento prum personagem carente de personalidade. Copia descarada de “Harry e Sally” (1989) e “Cidade dos Anjos” (1998), e outros menores, “Um Dia” é previsível, sem alma, melodramático e raso, e defende com soberba que todo mundo merece o amor (mesmo os tolos e babacas). Lone Scherfig, que havia estreado bem com “Italiano para Principiantes” (2000), mas ganhou fama com o moralista “Educação” (2009), fez um filme asséptico, que mais parece a adaptação de um romance da série Julia. Decepção.
“Inquietos” (“Restless”, 2011)
Garoto que perdeu os pais em um acidente de carro se apaixona por uma paciente terminal de câncer. O resumo em uma linha de “Inquietos” pode afastar alguns possíveis espectadores, mas Gus Van Sant cria uma atmosfera tão delicada em torno de seus dois personagens que as tragédias que os perseguem não conseguem transformar “Inquietos” em um dramalhão choroso. Annabel Cotton (Mia Wasikowska, de “Alice no País das Maravilhas”, 2010) tem apenas três meses de vida, e não pretende passar estes 90 dias desperdiçando momentos. Enoch Brae (Henry Hopper, filho da lenda), que após a morte dos pais e um pequeno período de coma, passou a receber visitas regulares de um fantasma de um soldado kamikase japonês e começou a visitar velórios como se estivesse indo a padaria, primeiramente se assusta com a disposição de Annabel, mas depois se entrega a esta relação improvável. O cineasta Gus Van Sant conduz as cenas de forma lenta sem tornar a história enfadonha, e extrai poesia do relacionamento improvável pintando um quadro delicado, de extrema beleza e sensibilidade, que ao contrário de vilanizar o destino inevitável, opta por valorizar o que existe, mesmo que de forma limitada: a vida.
“A Pele Que Habito” (“La Piel que Habito”, 2011)
O doutor Robert Ledgard (Antonio Bandeiras) é um notável cirurgião plástico que tem a obsessão de recriar a pele humana em experimentos não aprovados pela comunidade cientifica, desde que sua esposa sofrera graves queimaduras após um acidente de carro. Operando em sua própria casa, e assombrado pelos fantasmas da esposa e da filha, enferma mental que se suicidou, Robert Ledgard inicia um processo absurdo e surreal que consiste em transformar um homem em mulher, primeiro através de uma operação de vaginoplastia e, posteriormente, no experimento de uma nova pele. O argumento surreal de “A Pele Que Habito” saiu do livro “Mygale”, de 1995 (publicado depois sob o título “Tarântula”), do escritor francês Thierry Jonquet, mas poderia facilmente ter saído da mente maluca do diretor, que transforma o livro em um excelente filme de suspense tão repleto de camadas que merece ser visto três, quatro, cinco vezes, se possível. Canastrão como sempre, nem Banderas consegue estragar o ritmo do filme, que ganha em cores fortes enquanto discute estupro, vingança, sexo e personalidade de forma esplendida – alternando doses de tensão com boas passagens de ironia (como a brilhante cena final, tão absurda quanto genial, um momento raro de beleza do cinema atual).
Leia também:
– “Educação”: cheio de lições de moral para a vida (aqui)
– “Italiano para Principiantes”: intimismo e simplicidade de (aqui)
janeiro 30, 2012 No Comments
Três Filmes: Darin, Damon e Clooney
“Um Conto Chines” (“Un Cuento Chino”, 2011)
A comédia de costume é um gênero que nunca sai de moda. Talvez por lidar com pessoas comuns que, colocadas em um ambiente diferente, causam uma série de desencontros hilários. Desta forma, “Um Conto Chines” não traz nenhuma novidade. Assim que o espectador senta na cadeira no cinema, já sabe tudo que irá acontecer: Roberto (Ricardo Darín novamente excelente) é um cara de meia idade que toca a loja de ferragens do falecido pai (a mãe morreu no parto). Ele é o mal-humorado típico, sem paciência para pessoas em geral (e babacas em particular), fechado no mundinho metódico que criou para si mesmo. Surge em cena Jun (Ignacio Huang), um chinês que tomou um cano de um taxista argentino e está perdido em Buenos Aires sem falar uma palavra em espanhol. Ele tem no braço o endereço de um tio, e só. O encontro destes dois personagens tão reais quanto particulares permite ao diretor e roteirista Sebastián Borensztein olhar com delicadeza a relação humana, e se segue a risca o manual do estilo (Roberto irá amolecer durante a trama como margarina no sol) incomodando em certas passagens por soar extremamente óbvio, tem a seu favor o esperto manuseio da narrativa: não há legendas para os trechos falados em chinês, o que faz de boa parte público cúmplice de Roberto. Nada de novo, mas ainda assim interessante.
“Compramos um Zoológico” (“We Bought a Zoo”, 2011)
Seis anos atrás, “Tudo Acontece em Elizabetown” parecia enterrar a carreira cinematográfica de Cameron Crowe. Não que o filme fosse ruim (pelo contrário, há várias belas passagens), mas peca por ser exagerado, como se o diretor quisesse expurgar vários demônios pessoais em um único filme. “Pearl Jam – Twenty”, seu retorno, serviu para mostrar que documentário não é sua praia, mas eis que “Compramos um Zoológico”, baseado em uma história real, recoloca a carreira do diretor nos eixos. Não bate “Jerry Maguire” nem “Quase Famosos”, mas mostra que Crowe não perdeu seus tiques sonhadores, e consegue fazer bom cinema partindo do foco dos derrotados. Em “Compramos um Zoológico”, o derrotado nem é tão derrotado assim: Benjamin Mee (Matt Damon, apenas correto) é um repórter de aventuras que coleciona grandes reportagens, mas está no limbo após a morte da mulher, tendo que dar conta dos dois filhos, a fofíssima Rosie (Maggie Elizabeth Jones) e o desajustado Dylan (Colin Ford). Para afastar as lembranças da esposa (e mãe), a família decide se mudar e acaba comprando um… zoológico. Meio irreal, mas aconteceu (embora seja impossível que a tratadora de animais fosse alguém como Scarlett Johansson) e gerou uma bonita história de redenção, típica de Cameron Crowe. Para ir ao cinema, sonhar, e, depois, visitar o zoológico.
“Tudo Pelo Poder” (“The Ides of March”, 2011)
Mais alguns anos e George Clooney irá mandar em Hollywood. Grande ator, boa praça e diretor eficiente, Clooney conquista cada vez mais espaço na indústria, seja atuando (como em “Os Descendentes”, que lhe rendeu o Globo de Ouro e pode cavar uma indicação ao Oscar – o qual ele venceu com o ótimo “Syriana”, em 2006) ou dirigindo. Poucos diretores podem se orgulhar de ter no currículo três grandes filmes como Clooney: “Confissões de Uma Mente Perigosa” (2002), “Boa Noite, Boa Sorte” (2005) e, agora, “Tudo Pelo Poder” (há ainda “Jogo Sujo”, de 2008, que saiu direto em DVD no Brasil), filme que investiga os bastidores de uma eleição norte-americana com tanta destreza que é impossível não deixar a sala de cinema revoltado. Os closes em excesso (que chegam a incomodar em alguns momentos) não conseguem atrapalhar um roteiro eficaz que consegue distrair o espectador diante das reviravoltas da trama, e muito menos a boa atuação de um elenco estelar: Ryan Gosling, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood e Marisa Tomei brilham, cada um a seu modo, em um filme que parece validar aquela velha máxima de que todo mundo é corruptível: se não por dinheiro, então por poder (e até por utopia). Os fins justificam os meios? Ás vezes sim, como mostra Clooney neste filmaço.
Leia também:
– “O Segredo dos Seus Olhos” dirá muito sobre você, por Mac (aqui)
– “Elizabethtown”, um recorte de várias idéias, por Mac (aqui)
– “Boa Noite & Boa Sorte” merece ser visto com atenção (aqui)
janeiro 20, 2012 No Comments