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Cinema: Juno
“Juno”, de Jason Reitman – cotação 3,8/5
Juno MacGuff tem 16 anos. Não se engane pelo nome: Juno é uma menina (na mitologia romana, Juno era a mulher de Zeus). Uma menina estranha para os padrões “normais” (reforçando: entre aspas) da sociedade: ela gosta de Stooges, Patti Smith e Mott The Hoople (artistas que surgiram em média 16 anos antes dela ter nascido) enquanto as paradas de sucesso apontam Britney Spears, Spice Girls e Garth Brooks; já teve uma banda com alguns amigos da escola; usa camisetas largadas enquanto sua melhor amiga brinca de cheerleader; e está grávida.
Ok, gravidez adolescente não é algo tão estranho assim; se fosse, a discussão em torno do aborto não seria tão grande quanto é. Discussões a parte, a gravidez adolescente já rendeu comédias fofas como “Mais ou Menos Grávida”, em que a ruivinha Molly Ringwald engravida do namorado e a visita da cegonha bagunça os planos do jovem casal, mas tudo acaba bem. O tema também rende filmes densos e pesados como o recente “4 Meses, 3 Semanas, 2 dias”, em que a opção pelo aborto e todo desenrolar da história ficará marcado eternamente na memória de uma adolescente grávida e de sua melhor amiga.
Porém, embora suscitem verossimilhança, tanto a ruivinha que fica grávida, casa com o namorado, sofre, mas se dá bem (com o filho e o marido) no final quanto a romena que faz o traumático aborto auxiliada pela amiga parecem menores diante do tratamento ao tema realizado por “Juno”. Os méritos são vários. O roteiro da ex-strip-teaser Brooke Busey (que assina como Diablo Cody) é esperto o bastante para não cair em clichês; a direção correta de Jason Reitman (que parece ter gosto por temas tabus; Reitman estreou com o genial “Obrigado por Fumar”) desenha personagens comuns vivendo situações comuns, e isso aproxima a trama do espectador; a trilha assinada Kimya Dawson (Moldy Peaches) dá aquele sotaque indie adolescente ao filme; e, por fim, Ellen Page encanta e conquista com sua atuação consagradora.
O roteiro foge do óbvio partindo de uma nova premissa: Juno sabe que não tem estrutura nenhuma para criar um filho, porém não tem nenhuma coragem de encarar um aborto (a cena no hospital, em que a atendente a oferece camisinhas com gosto de amora, é impagável). A saída: encontrar um casal que tope adotar o bebê. Com essa idéia em mente, Junto e sua melhor amiga saem à procura do casal perfeito. A direção de Reitman insere cores à trama (perceba a profusão de cores no cartaz; o filme é exatamente assim). Em sua busca pelas situações comuns, Jason Reitman quase não erra em “Juno”. Uma cena capital mostra bem isso: na hora que Juno vai contar ao pai sobre a gravidez, a forma com que ele e a madrasta reagem é totalmente provável. Lembre-se: ele deu o nome de Juno á filha. O diálogo depois que a filha deixa a sala é impagável.
– Você achava que era isso? – pergunta o pai para a madrasta;
– Eu achei que ela estivesse viciada em drogas… – diz a madrasta.
A trilha de Kimya Dawson (de enorme sucesso nos EUA) une Cat Power, Belle and Sebastian e Moldy Peaches com Velvet Underground, Buddy Holly e Sonic Youth (representado por “Superstar”, versão para o original dos Carpenters). O filme respira música, e há até um certo excesso de canções na trama, embora um dos grandes momentos da história resida em uma tirada sensacional – raivosa e certeira – de Juno com relação ao Sonic Youth. Por fim, a estrela Ellen Page. Ela tem apenas 20 anos, atua desde os 10, e conseguiu com Juno criar um personagem tão cativante que é quase impossível não se apaixonar por ele. Ellen Page brilha e faz todos os demais atores circularem ao seu redor. Mais: é extremamente convincente nas cenas em que carrega uma barriga falsa de oito meses (note em seu caminhar), o que torna realmente merecida sua indicação ao Oscar.
Roteiro esperto, direção correta, trilha sonora certeira e uma atriz encantadora: com esses quatro ingredientes, “Juno” vem arrebatando corações, vendendo centenas de milhares de CDs e conquistando nas bilheterias mais de 15 vezes aquilo que custou (US$ 7,5 milhões de custo, US$ 113 milhões nas bilheterias até a semana passada), e por mais que a histeria, as cifras milionárias e suas quatro indicações ao Oscar possam transformar a película em um hype nos cinemas abarrotados de bobagens sem conteúdo, Juno (precocemente madura e exageradamente espirituosa – tal qual os personagens da série Dawsons Creek, lembra?) é a personagem carismática do grande filme indie da temporada: fofo, estranho e charmoso. Quer saber: Juno está certa. Sonic Youth é barulho. Mesmo.
fevereiro 10, 2008 No Comments
Cinema: “Conduta de Risco”
“Conduta de Risco”, de Tony Gilroy – Cotação 2/5
Michael Clayton já foi promotor de justiça, vem de uma família de policiais, mas neste momento trabalha para uma grande empresa de advocacia. Sua função: faxineiro. Bem, mais ou menos isso. Michael, na verdade, ganha uma fortuna para limpar a sujeira dos clientes da firma Kenner, Bach & Ledeen, desde um caso em que o homem atropelou alguém e fugiu da cena do crime até grandes empresas atoladas em processos milionários.
Nosso amigo poderia estar bem de grana se seu bar não tivesse falido, se ele não fosse viciado em carteado e se não devesse um belo montante para um agiota. Como se os problemas financeiros não bastassem, Michael fica encarregado de limpar a sujeira de um outro “faxineiro”, Arthur Edens, um dos seus melhores amigos na corporação. Arthur surtou em um julgamento, tirou toda a roupa em frente ao júri e está prestes a sabotar uma mega corporação em um processo de bilhões de dólares.
Após uma boa carreira como roteirista – tendo escrito a trilogia “Bourne” e o ótimo “O Advogado do Diabo” –, Tony Gilroy estréia na direção (sem largar o roteiro) e constrói um excelente thriller político – ancorado em um grande time de atores (George Clooney, Tom Wilkinson, Tilda Swinton e Sydney Pollac) – que arrebatou sete indicações ao Oscar, incluindo os badalados Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Clooney), Melhor Ator Coadjuvante (Wilkinson), Melhor Atriz Coadjuvante (Swinton) e Melhor Roteiro Original. Para um filme de estréia, vamos combinar, não é nada mal.
Porém, mesmo com a mão certeira na direção e roteiro, e com a equipe recheada de atores acima da média, “Conduta de Risco” soa deja vu em grande parte de seus 119 minutos. A escolha de George Clooney para o papel principal soa equivocada, não que ele não seja capaz de arrancar do personagem uma grande atuação, mas porque ele ganhou um Oscar dois anos atrás com um papel praticamente igual a este. Em “Syriana”, Clooney era um agente veterano da CIA trabalhando no Oriente Médio. Em “Conduta de Risco” ele é um advogado veterano trabalhando em Nova York. Acredite: praticamente inexistem diferenças entre os dois personagens.
“Syriana”, que discutia a indústria do petróleo, já vinha embalado por uma onda de filmes que escancaravam os meandros políticos das grandes corporações cuja lista inclui “O Informante” (1999), sobre a indústria do tabaco; “Erin Brockovich” (2000), indústria química; “O Júri” (2003), indústria de armas; e “O Jardineiro Fiel” (2005), indústria farmacêutica. Há praticamente um pouco de cada um destes filmes em “Conduta de Risco”, principalmente “Erin Brockovich”e ”Syriana” (devido à presença marcante de George Clooney), que apesar da mão certeira, não supera em qualidade nenhum dos citados.
O submundo das grandes corporações é um prato cheio para bons filmes e discussões. Se levarmos em conta o best-seller “Sem Logo – A Tirania das Marcas em Um Planeta Vendido”, de Naomi Klein, filmes ágeis como este “Conduta de Risco” mostram perfeitamente como as decisões mais importantes do mundo estão sendo discutidas, definidas e aprovadas em uma pequena sala com poucas pessoas, longe da grande sociedade. Enquanto escrevo (e você lê), pessoas que não conhecemos decidem o nosso futuro. É bastante assustador, e apenas por trazer o assunto à tona, “Conduta de Risco” já merece crédito, mesmo soando repetitivo e sem personalidade.
Desta forma, na teoria, politicamente falando, “Conduta de Risco” é um filme interessante e necessário em uma sociedade cada vez mais apática e dominada por um grupo minoritário de pessoas. Porém, na prática, cinematograficamente ele é um placebo, um filme fórmula perfeito na execução, mas igual – e até inferior – a vários outros do mesmo gênero. Não se impressione pelas sete indicações ao Oscar. Tony Gilroy vai sair da premiação como entrou: com as mãos vazias…
janeiro 30, 2008 No Comments
Cinema: “4 Meses, 3 Semanas, 2 dias”
“4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, de Cristian Mungiu – Cotação 3/5
Romênia, 1987. O regime comunista de Nicolae Ceau?escu completa 32 anos e o país está em frangalhos. Exemplo máximo do caos: não havia mármore para ser usado em túmulos, pois todo ele seria usado para a construção de um enorme palácio planejado pelo ditador. Produtos estrangeiros eram proibidos no país. Porém, de cigarros a anticoncepcionais, tudo podia ser encontrado no mercado negro que funcionava sob as ruínas de um regime opressor. É neste cenário pouco estimulante que vivem as estudantes Otilia (Anamaria Marinca) e Gabita (Laura Vasiliu).
Otilia e Gabita dividem um quarto num dormitório estudantil. Elas são colegas de classe na universidade de uma pequena cidade romena, e se a opressão governamental já não bastasse para tornar os dias longos e difíceis demais, um fato inesperado irá complicar ainda mais a vida das duas meninas: Gabita está grávida, quer fazer um aborto (ilegal no país), e Otilia será sua companheira nessa viagem traumática ao âmago da sordidez humana. Sem palavras de carinho, o diretor Cristian Mungiu (que também assina o roteiro) desfere um pontapé no estômago do espectador.
“4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” não é, como poderia se esperar, um filme que discute o aborto. O roteiro não explora o tema tabu, e este é um de seus grandes méritos. Mungiu foca sua câmera no desenrolar dos fatos após a grande descoberta, e o que vê em suas lentes não julga o individuo em particular, mas a sociedade como um todo. Não há bandeiras – nem pró, nem contra – em “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”. Há apenas o gosto amargo das relações humanas em uma sociedade corrompida. Não à toa, o filme começa focando um pequeno aquário, com dois peixes e pouca água.
Gabita quer fazer um aborto, mas não age para tal. Suga a amiga Otília, que resolve praticamente tudo sozinha e ainda “participa” da negociação imposta pelo homem encarregado dos procedimentos médicos. É Otília quem procura o médico, quem reserva o hotel, quem leva o dinheiro, quem assume a frente da negociação e, por fim, quem dá cabo ao feto de quatro meses, três semanas e dois dias. Gabita se recolhe deixando a amiga encarregada de tudo, e Otília não a desaponta, mas será que tudo teria acontecido da mesma forma se fosse o contrário? Se Otília estivesse grávida?
Cristian Mungiu conseguiu que “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” não soasse panfletário, muito embora deixe escorregar um tiquinho de moralismo ao culpar suas garotas, mas seus recursos de dramatização chegam a incomodar em algumas passagens capitais da película. Como quando Otília e Gabita tentam negociar com o fazedor de anjos. O diretor estende a cena até o limite do óbvio repetindo frases (apesar do interlocutor dizer: “Não vou repetir tudo o que disse”) injetando uma carga de tensão desnecessária frente ao impressionante desenrolar do quadro. O mesmo acontece em uma cena de jantar e em outra que flagra uma discussão com o namorado, que poderiam ser mais enxutas.
Essa impressão de excesso contamina o olhar, e por mais que se entre em uma sala de cinema predisposto ao “mal-estar cinematográfico” (afinal, estamos falando de um filme cujo tema principal é – ou deveria ser – o aborto: não dá para esperar leveza), a impressão final é de que a necessidade de obstáculos no roteiro desvaloriza (mas não apaga) o olhar severo, crítico e nada romantizado sobre a sociedade em geral, e Gabita e o “médico” Sr. Bebe (Vlad Ivanov) em particular.
Entrincheirada entre estes dois (humanos, demasiado humanos), Otília é o último cigarro da carteira em uma noite em que se está desesperadamente precisando fumar. Porém, cada vez mais, menos pessoas fumam. E menos Otílias surgem. Estamos vivendo o ápice da sociedade mediana. A grande maioria aceita qualquer coisa. A grande maioria foge, se esconde. E a vida segue neste grande aquário. Melhor não falarmos mais falar nisso. Corte.
janeiro 26, 2008 No Comments
Oscar 2008: Torcendo pelos Coen, mas…
É foda demais falar qualquer coisa sobre o Oscar deste ano sem ter visto “Sangue Negro”, dirigido por um dos caras que mais admiro no cinema atual, Paul Thomas Anderson, mas as oito indicações para o sensacional “No Country For Old Men”, dos irmãos Coen, já fez valer um sorriso nessa manhã chuvosa de São Paulo. Tô na torcida por Javier Bardem desde… novembro do ano passado. E Cate Blanchett, com duas indicações (uma delas por “I’m Not There”), também balança meu coração. E não deu para o Brasil…
Filme
“Desejo e Reparação”
“Juno”
“Conduta de Risco”
“Onde os Fracos Não Têm Vez”
“Sangue Negro”
Diretor
Julian Schnabel, “O Escafandro e a Borboleta”
Jason Reitman, “Juno”
Tony Gilroy, “Conduta de Risco”
Joel e Ethan Coen, “Onde os Fracos Não Têm Vez”,
Paul Thomas Anderson, “Sangue Negro”
Ator
George Clooney, “Conduta de Risco”
Daniel Day Lewis, “Sangue Negro”
Johnny Depp, “Sweeney Todd”
Tommy Lee Jones, “No Vale das Sombras”
Viggo Mortensen, “Senhores do Crime”
Atriz
Cate Blanchett, “Elizabeth: A Era de Ouro”
Julie Christie, “Longe Dela”
Marion Cotillard, “Piaf – Um Hino ao Amor”
Laura Linney, “The Savages”
Ellen Page, “Juno”
Ator coadjuvante
Casey Affleck, “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford”
Javier Bardem, “Onde os Fracos Não Têm Vez”
Phillip Seymour Hoffman, “Jogos do Poder”
Hal Halbrook, “Na Natureza Selvagem”
Tom Wilkinson, “Conduta de Risco”
Atriz coadjuvante
Cate Blanchett, “I’m Not Theere”
Ruby Dee, “O Gângster”
Saoirse Ronan, “Desejo e Reparação”
Amy Ryan, “Gone Baby Gone”
Tilda Swinton, “Conduta de Risco”
Filme estrangeiro
“Beaufort” (Israel)
“The Counterfeiters” (Áustria)
“Katyn” (Polônia)
“Mongol” (Cazaquistão)
“12? (Rússia)
Filme de animação
“Persépolis”
“Ratatouille”
“Surf’s up”
Roteiro original
Diablo Cody, “Juno”
Nancy Oliver, “Lars and the Real Girl”
Tony Gilroy, “Mudança de Risco”
Brad Bird, “Ratatouille”
Tamara Jenkins, “The Savages”
Roteiro adaptado
Christopher Hampton, “Desejo e Reparação”
Sarah Polley, “Longe Dela”
Ronald Harwood, “O Escafandro e a Borboleta”
Joel e Ethan Coen, “Onde os Fracos Não Têm Vez”
Paul Thomas Anderson, “Sangue Negro”
janeiro 22, 2008 No Comments
Cinema: “Mutum”
“Mutum”, de Sandra Kogut” – Cotação 5/5
A adaptação de livros para o cinema sempre foi um desafio para roteiristas e cineastas, e com raríssimas e honrosas exceções estes profissionais conseguem transformar as palavras no papel em imagens inesquecíveis tão belas quanto aquelas perdidas em páginas e páginas amareladas pelo tempo e pela história. Condensar uma narrativa de centenas de páginas em duas horas de exibição é uma tarefa inglória que já derrubou muitos (e continuará derrubando).
Agora, se adaptar um livro já é um grande desafio, o que dizer de uma adaptação de uma obra de Guimarães Rosa, escritor mineiro que ia além do simples escrever: ele criava vocábulos a partir de arcaísmos, palavras populares e de seu imenso conhecimento de línguas (falava mais de sete e, “com o dicionário agarrado”, lia mais umas cinco) colocando suas “novas palavras” em uma prosa tão poética que, recomenda-se, deve ser lida sempre em voz alta. Trabalho quase impossível, com certeza.
A cineasta Sandra Kogut “inventou” de enfrentar o desafio e “Mutum”, longa baseado na novela “Campo Geral”, do livro “Manuelzão e Miguilim”, de Guimarães Rosa, é uma surpresa que emociona e encanta. A rigor, Sandra deixou de lado a narrativa pessoal de Guimarães Rosa (vamos combinar, iria soar forçado), e concentrou-se na descoberta de jovens atores que pudessem dar aos personagens Miguilim e Dito uma verossimilhança acima de qualquer suspeita. Os garotos Thiago da Silva Mariz e Wallison Felipe Leal Barroso cumprem essa função de forma arrebatadora.
Com os personagens principais em sintonia, faltava Sandra buscar a melhor forma de traduzir as emoções, os neologismos, a poesia da prosa de Guimarães Rosa para as telas. Como transformar em imagem a seguinte frase: “Mesmo assim, enquanto esteve fora, só com o tio Terêz, Miguilim padeceu tanta saudade, de todos e de tudo, que às vezes nem conseguia chorar, e ficava sufocado. E foi descobriu, por si, que, umedecendo as ventas com um tico de cuspe, aquela aflição um pouco aliviava.” Não basta focar os olhos do garoto e filmar o ato. É possível que espectadores achassem nojento e perdessem a poesia do texto. A tarefa não era fácil.
Porém, o roteiro inteligente focou-se na poesia da narração e procurou, ao máximo, transforma-la em imagens. Dessa forma, o sertão mineiro é explorado em seus detalhes e, maior mérito, apresenta ao público um Brasil que o Brasil parece desconhecer e querer deixar no passado enquanto caminha a passos largos para o futuro. O Brasil dos nossos pais e avós. Um Brasil de pratos de plástico, roupas remendadas e palavras inventadas. Um Brasil que, embora muitos nem saibam, ainda corre nas veias de seu povo. “Mutum” é a outra metade de “Saneamento Básico”, grande cinema de Jorge Furtado. Os dois filmes se completam ao falar de um Brasil que muita gente realmente não conhece.
Em “Mutum”, Thiago vive o personagem Miguilim, mas no filme ele é Thiago mesmo. Felipe passa pelo Dito, mas também manteve seu nome de batismo no longa. Estes dois garotos vivem a história de uma família que vive no Mutum, um lugar “longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto (…). No meio dos campos gerais, mas num covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra.” Thiago tem oito anos, acabou de ser batizado, muito embora esse rito de passagem não vá proteger sua família das “tragédias” vindouras.
Primeiro, a briga dos irmãos pela mesma mulher. No sertão não há diálogo: é tudo no facão. Se não tem como conversar, melhor partir, e o ente mais querido de Thiago Miguilim deixa a casa num dia de chuva e trovoadas. Os meninos, embaixo de uma mesa – à luz de velas – comentam: “Deus tá castigando a gente”. O drama segue, mas tanto a narrativa de Rosa quanto as imagens de Kogut transpiram poesia, mesmo na morte. Tanto as imagens quanto o texto mais enlevam que anuviam. E essa métrica será seguida até o final de “Mutum”, e ganha ares de clássico na cena derradeira, a cena mais tocante do cinema recente feita em terras brasileiras, quando o garoto lança o último olhar sobre o Mutum pretendendo guardar cada grão de areia no fundinho de sua alma de menino.
Sandra Kogut transforma a rica prosa poética de Guimarães Rosa em poesia visual. O resultado é um dos filmes mais líricos da retomada. E um dos melhores. “Mutum” é sublime e sobrevive ao livro sem diminui-lo ou desmerecê-lo. Além, filme e livro se entrelaçam, se envolvem, e criam uma nova perspectiva na mente do leitor espectador: cada um deles sobrevive sem o outro, mas nenhum deles substitui o outro. Se você leu o conto, o filme o levará galopando pelo mesmo sertão, com o olhar em primeiro plano, não o ouvido. Se você só viu o filme, você precisa urgentemente ler o conto. :*) Ou seja, o melhor que você tem a fazer, caro leitor, é adentrar os mundos particulares de Guimarães Rosa e de Sandra Kogut e descobrir, como disse um homem para Miguilim, que o “Mutum era lugar bonito”.
janeiro 9, 2008 No Comments
Cinema: “A Vida dos Outros”
“A Vida dos Outros”, de Florian Henckel von Donnersmarck – Cotação 5/5
Georg Dreyman (Sebastian Koch) é considerado o maior dramaturgo da Alemanha Oriental, tido por muitos como modelo perfeito de cidadão para o país, já que não contesta o governo nem seu regime político. Aparte importante: a história se passa no começo da década de 80, quando um muro (ainda) separava as duas Alemanhas, e a RDA (República Democrática da Alemã), por meio de sua polícia política, a Stasi, vasculhava a vida de seus moradores procurando desertores e pessoas contrárias ao regime, que sumiam na noite para nunca mais voltarem ou eram completamente colocadas à margem na sociedade.
Dreyman não planeja nada contra o governo da RDA, mas o ministro da cultura, Bruno Hempf, tem lá suas dúvidas, e pede a Stasi um pacote completo de escuta telefônica na casa do teatrólogo, motivado primeiramente por desconfiança, e posteriormente por interesses pessoais (sexuais). Anton Grubitz (Ulrich Tukur), um chefão da Stasi, encarrega o amigo Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), seu subordinado, para o serviço. Wiesler é um dedicado funcionário do governo que leciona para futuros profissionais da polícia enquanto se gaba de conhecer as artes da tortura emocional em sessões de interrogatório.
Temos, então, quase todas as principais peças no tabuleiro para movimentarmos o roteiro impecável de “A Vida dos Outros” (escrito e dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck). A única peça que falta é Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), atriz e namorada do dramaturgo. Christa exala encanto e todas as outras peças, em momentos diferentes do filme, circulam ao seu redor, revelando – talvez – a única fragilidade ideológica da obra: as mulheres (com base neste personagem feminino) são mais vulneráveis, inseguras e maleáveis do que os homens, o que não deixa de ser uma meia verdade (machista, mas meia verdade), e permite indagações que, se não chegam a manchar o brilho poético da obra, abrem uma fresta que pode revelar uma premissa insustentável.
Porém, “A Vida dos Outros” exala muito mais luz e emoção por outras frestas desta casa vigiada 24 horas por dia por agentes da RDA. O capitão Wiesler dedica-se nas análises das escutas e, quando percebe, está completamente envolvido pela vida de Dreyman e Christa. Por outro lado, o ministro pressiona seus subordinados para que eles encontrem algo que possa incriminar o dramaturgo. Há, no personagem do capitão Wiesler, um senso de dever ao governo que se confronta com seu próprio senso de justiça, o mesmo que faz com que ele – friamente – arranque confissões em interrogatórios. É na visão delicada deste embate entre dever e justiça que “A Vida dos Outros” se transforma em poesia cinematográfica.
Seu ápice climático acontece, não à toa, no ano de 1984, e cria um paralelo com a famosa obra de George Orwell – que também discute vigilância estatal e o retorno a um regime parecido com o estalinismo. As citações são várias. Em uma delas, um escritor – simpatizante dos dissidentes – recebe uma máquina de escrever que contém as letras do alfabeto romano para que ele possa redigir um texto para ser publicado do outro lado do muro, pois na RDA era expressamente proibido o uso de uma máquina dessas, e quem as usasse seria tratado como traídor do regime político. Em “1984”, o livro, o estado controlava o pensamento dos cidadãos, entre muitos outros meios, pela manipulação da língua.
O aprofundamento teórico, no entanto, é apenas um verniz que faz brilhar ainda mais uma história tocante, que é contada sem atropelo, exageros ou maniqueísmos. Por mais que a política esteja no pano de fundo de sua história, o filme se impõe como um tratado cuidadoso sobre a natureza do ser-humano e das próprias relações humanas. Em certo momento, o ministro diz ao dramaturgo, em tom de (falso) elogio: “Você acredita que as pessoas mudam… isso é bonito em peças de teatro… mas elas não mudam”. Von Donnersmarck, o diretor, discute essa certeza de seu personagem com muito lirismo.
Com um orçamento ridículo para os padrões hollywoodianos (US$ 2 milhões), “A Vida dos Outros” se vale de um roteiro impecável, atuações convincentes e uma direção tão delicada que nem se faz perceber durante os 137 minutos empolgantes da fita. Além de levar o Oscar de Filme Estrangeiro, o filme conquistou o Independent Spirit Awards e o Globo de Ouro na mesma categoria, levou três estatuetas no European Film Awards (Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Roteiro) e é o recordista de indicações (11 no total) na história da premiação anual da Alemanha.
Muita gente não leva o Oscar a sério, e com certa razão, já que a premiação comete erros históricos e omissões imperdoáveis. Porém, é importante lembrar que nem só de escorregadas vive a Academia de cinema mais famosa do mundo. E no quesito acertos, “A Vida dos Outros”, vencedor na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira do Oscar 2007, é um belíssimo exemplo para ilustrar o caso.
Mais: se houvesse justiça cinematográfica no mundo, “A Vida dos Outros” poderia ser apontado o Melhor Filme de 2006 numa final entre língua inglesa e não inglesa (algo como o Campeonato Interclubes de futebol – hehe). Não que Scorsese não merecesse um Oscar pela carreira (ele merecia, ele merece), mas enquanto “Os Infiltrados” é uma poderosa crônica sobre o submundo (e perda de valores), “A Vida dos Outros” é uma poesia sobre o início da verdadeira revolução: ela começa em nós mesmos. Ambos são filmes impecáveis e sensacionais, mas politicamente, perdoe a pieguice, fico com o segundo.
Ps. Ulrich Müher, falecido neste ano, merecia uma indicação como Melhor Ator, no mínimo.
dezembro 11, 2007 No Comments
100 Filmes e 100 Livros essenciais
A Bravo lançou neste ano duas edições especiais muito interessantes, e que merecem uma busca nas bancas: “100 Filmes Essenciais” e “100 Livros Essenciais”. Não sei se a primeira ainda esta à venda, mas a segunda esta nas ruas faz umas três semanas, e embora tenha esgotado em várias bancas, com uma boa procurada você encontra. A primeira ainda traz como atrativo a participação do chapa Jonas Lopes redigindo vários dos textos sobre os 100 filmes.
Particularmente parto do pensamento que se toda lista comete erros, melhor deixar o blá blá blá de lado e aproveitar o momento. Desta forma, o Top 100 da Bravo nas duas categorias chegou como referencia aqui em casa. Os editores dos dois especiais citam como base para as listas fontes confiáveis e importantes, e cânones do gênero marcam presença ao lado de “novatos”. Falta isso ou aquilo sim, como em qualquer lista, mas é bastante divertido folhear as edições e partir para um “quantos eu li e/ou assisti”.
Desta forma, entre os “100 Filmes Essenciais” da Bravo assisti a 41 e outros quatro estão a caminho (aguardando o devido momento na prateleira de DVDs de casa: “Butch Cassidy”, “Era Uma Vez no Oeste”, “Touro Indomável” e “Ladrões de Bicicleta”). Já em livros, o negócio é bem mais complicado. Dos “100 Livros Essenciais” eu só li… 14. Isso sem contar que estou na página 30 e pouco de “O Estrangeiro”, do Camus; que li só umas 20 páginas de “O Apanhador no Campo de Centeio”, do Salinger; e que li apenas o primeiro dos sete volumes do “Em Busca do Tempo Perdido”, do Proust.
Se não fosse Shakespeare, sei lá o que seria de mim. Dos 14 livros que li da lista de 100 da Bravo, três são do amigo William: “Hamlet”, “Otelo” e “Noite de Reis”. Se houvesse mais vinte do Shakespeare na lista, eu teria mais vinte livros lidos. E isso acontece porque eu nunca li títulos, mas sim autores. Sempre li por indicação ou referência de algum ídolo ou amigo. Li Hermann Hesse (”O Lobo da Estepe”, número 95 na lista de 100 da Bravo) quando tinha 13 anos após uma indicação de Cazuza em uma Capricho (!!!) qualquer que sei lá como caiu em meu colo.
Depois de “O Lobo da Estepe” (que veio a mudar a minha vida completamente na segunda leitura, aos 18 anos) vieram “Demian”, “O Jogo das Contas de Vidro”, “Narciso e Goldmund”, “Caminhada” (um dos meus livros mais queridos de todos os tempos) e “Sidarta”, que eu só consegui passar da página 20 na sétima ou oitava tentativa de leitura. O mesmo aconteceu com Aldous Huxley. Comecei com “As Portas da Perceção / Céu e Inferno” por causa de… The Doors. Em seguida vieram os sensacionais “Admirável Mundo Novo”, “O Macaco e a Essência” (meu livro preferido ever), “A Ilha”, “Contraponto” e, um pouco abaixo, “Os Demônios de Loudun” e “Sem Olhos Em Gaza”.
Comigo sempre foi assim: eu lia um livro de um escritor x e ia fuçar toda a obra dele. Dei uma tremenda sorte com o sr. William porque na Biblioteca Municipal de Taubaté havia uma coleção de mais de 30 volumes com coisas dele. E era uma edição caprichada, tipo a que eu vou querer ter quando envelhecer: além da fluente tradução, os apêndices traziam dezenas de informações sobre cada obra, localizando a história no tempo e espaço, mostrando de que lugar Shakespeare retirou tal parte da história e a colocou como sua narrativa (você sabe que o Shakespeare era um grande charlatão, né? Um sensacional charlatão, diga-se de passagem) e mais, mais e mais.
Certa vez escrevi que havia lido mais de 1000 livros, mas só me lembrava da história de uns 10 (e olhe lá). E é bem verdade isso. Na minha longa temporada em Taubaté (mais de 20 anos), os livros eram companheiros inseparáveis. Já em São Paulo, desde que comecei a dormir aqui todos os dias (a partir de 2000), a leitura virou algo raro. Não sei se é o barulho dessa cidade que não dorme; não sei se é a oferta constante de entretenimento; não sei. Só sei que faz uns dois anos que não leio um livro que não tenha relação com cultura pop. Com isso, alguns Salman Rushdie se acumulam na prateleira, e mesmo o obrigatório Phillip Roth (”O Complexo de Portnoy”, número 96 do listão) está encalhado por aqui, e só saiu da prateleira porque Lili se empolgou e começou a lê-lo.
E é exatamente ai que entram em cena estes especiais da Bravo: eles fazem acordar dentro da gente algo que está adormecido, no caso, a vontade de devorar cultura. Olho a lista de filmes e livros da Bravo e penso que preciso ver “Oito e Meio” do Fellini (Lili fala desse filme uma vez por semana desde que começamos a namorar, e lá se vão 20 meses), “Jules e Jim” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, e que preciso terminar de ler o Camus para começar o Faulkner (”O Som e a Fúria”), Beckett (”Esperando Godot”), Cortazar (”Jogo da Amarelinha”) e Dostoievski (”Crime e Castigo”). Não posso viver apenas com Woody Allen, Francis Coppola, Krystof Kiesloviski (ausente no listão da Bravo), Billy Wider, Ligia Fagundes Telles, William Blake, Rainer Maria Rilke, Oscar Wilde, Rimbaud e… Nick Hornby (risos), entre muitos outros. Espero que você também não.
dezembro 2, 2007 No Comments
“O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford”
“O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford”, de Andrew Dominik – Cotação 3/5
Jesse James foi um temido fora-da-lei que viveu no velho oeste norte-americano na segunda metade do século 19 e que ficou famoso por assaltar bancos, trens e matar pessoas com uma frieza rara naquela época. Jesse James ameaçava governadores, prefeitos e xerifes e tinha uma personalidade que dividia opiniões: alguns diziam que ele era um Robin Hood do velho-oeste; para outros, era um assassino frio e cruel. “O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford” não se preocupa em desvendar qual das opiniões é a certa, mas sim cavalgar pela história analisando o simbolismo de palavras fora de moda como honra e covardia.
A história flagra os últimos anos de Jesse James, quando ele já era uma lenda no velho-oeste, retratado em milhares de histórias em quadrinhos e reportagens de jornais que traziam todos os detalhes do homem: como ele sorria, como ele empunhava uma arma, como ele sabia a hora certa de atirar, e em quem. Com pouco mais de trinta anos, Jesse James trazia no corpo marcas não cicatrizadas de balas, cansaço nos olhos e vertigens no pensamento. Era perseguido não só pela policial, mas também por caçadores de recompensas que queriam ter seu nome gravado na História por terem assassinado o homem mais temido do oeste.
“O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford” conta a história de um primo de Jesse James que cresceu admirando os feitos do fora-da-lei, mas acaba sucumbindo à ganância e ao desejo de ser alguém na vida, nem que seja para ser “o homem que matou Jesse James”. Ou seja, temos aqui mais uma daqueles filmes em que o público já entra no cinema sabendo o final do filme (o que não quer dizer muita coisa, já que o filme recordista de todos os tempos, “Titanic”, também tinha essa característica): Jesse James morre pelas mãos do covarde Robert Ford.
Porém, não é o final que interessa neste western dramático; ou melhor, não só final. O desenrolar da história – adaptada do romance homônimo de Ron Hansen – e, principalmente, suas conseqüências, é que fazem de “O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford” um filme a ser visto. O diretor Andrew Dominik perde o rumo em alguns momentos, culpa do roteiro que se complica metade do filme, mas é salvo pela excelente fotografia de Roger Deakins (colaborador de longa data dos irmãos Coen) e pela excelente trilha sonora assinada por Nick Cave e Warren Ellis. Os escorregões, no entanto, não evitam o óbvio: uma enxugada de 20 minutos deixaria o filme brilhante.
Excessos à parte, o filme se vale de uma grande questão: a fama sempre tem um dono, e mesmo que outro queira roubá-la, ele até poderá usá-la por alguns minutos (15, talvez, como professou Andy Warhol), mas ele nunca será o dono. Robert Ford (em excelente atuação de Casey Affleck) chega ao Olímpo após o feito, mas cai como Ícaro que sonhou em voar, voar, subir, subir, mas teve suas asas queimadas pelo sol. “O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford” se arrasta por quase duas horas para se fazer valer nos últimos vinte minutos, quando o fora-da-lei já está morto e as conseqüências de seu assassinato começam a surgir nas páginas em branco da História.
Brad Pitt levou a Copa Volpi de melhor ator no Festival Veneza por sua brilhante atuação, e embora tenha sido “esquecido” pela Variety (que publicou uma lista de apostas para o Oscar 2008 com oito nomes colocando Daniel Day-Lewis como favorito e não citando Brad Pitt; Casey Affleck está na lista de coadjuvantes), é tido como nome certo entre os indicados para a premiação (o que alguns julgam um acerto com um dos atores que levam público aos cinemas independente da qualidade da obra, isso em uma época em que as salas enfrentam perda constante de quorum).
Já o filme corre por fora como azarão em um ano de diversas películas medianas, mas pode surpreender, assim como quem não quer nada, atirando pelas costas e saindo com a recompensa. Se isso acontecer, a metáfora da história de Jesse James brilhará novamente. E em dois anos não lembraremos de mais nada. Onde estão os heróis de verdade? Onde estão os clássicos?
novembro 26, 2007 No Comments
Cinema: “Viagem a Darjeeling”
“Viagem a Darjeeling”, Wes Anderson – Cotação 1,5/5
Três irmãos que não se falam há mais de um ano marcam uma viagem de trem pelo interior da Índia com o intuito de se aproximarem e resgatarem a amizade. Simplório, né. Sim, parece, mas tudo que não se espera de um personagem de Wes Anderson é que ele seja simplório. Wes Anderson é meticuloso na criação de seus personagens. Ele vai lá em cima, no inexplorado, e dá aos seus personagens tinturas raramente usadas no cinema. Ele é bom nisso.
No entanto, um filme precisa muito mais do que personagens divertidos e surreais para ser considerado uma grande obra cinematográfica. Dá para se dizer, tolamente, que um grande filme é uma reunião de diversos pequenos acertos. E é mesmo. A história prova que não basta um elenco estelar para se obter um grande filme. E que um bom roteiro não sobrevive a um péssimo ator. Tudo se completa, por mais… simplório que isso possa parecer (e que as belíssimas exceções ousem contrariar).
Após conquistar o mundo com o excelente “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001), Wes Anderson tropeçou em seu filme seguinte, “A Vida Marinha com Steve Zissou” (2004), mas não caiu, e cambaleante conseguiu alguns momentos sublimes entre vários superficiais ao contar a história de um lendário explorador subaquático (Bill Murray, renascido após uma gloriosa atuação em “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola) num filme dedicado ao explorador Jacques Cousteau.
A consagração de um filme muitas vezes é a ruína de um diretor, a prisão que sua obra estará eternamente acorrentada. “Tenenbaums” trouxe ao mundo um bando de personagens deliciosos em seu mundo de problemas emocionais, e os inseriu em um drama familiar interessante e, por vezes, comovente. Porém, enfiou Wes Anderson em uma rotina rocambolesca de autocópia. “Viagem a Darjeeling”, novo longa de Anderson, é um passo à frente se comparado a “A Vida Marinha com Steve Zissou”, e um tombo se tomarmos por base “Os Excêntricos Tenenbaums”.
“Viagem a Darjeeling” apresenta Wes Anderson criando (agora a seis mãos, com auxilio de Roman Coppola e Jason Schwartzman) os mesmos personagens meticulosamente – e deliciosamente – caricatos: Owen Wilson é Francis, o irmão mais velho, aquele que na ausência do pai cuidou dos outros dois, Adrien Brody (Peter) e Jason Schwartzman (Jack). Francis está com a cara arrebentada, pois enfiou sua moto em uma montanha. Peter vai ser pai e Jack está tentando fugir da namorada (Natalie Portman). Os três estão, sem saber, indo atrás da mãe (Anjelica Huston) que os abandonou para virar freira.
O filme começa com um curta-metragem, “Hotel Chevalier”, que serve muito bem para enumerar as surrealidades de um personagem de Wes Anderson: Jack recebe uma ligação no quarto do hotel que está hospedado/escondido em Paris. Sua namorada (que ele abandonou nos EUA) diz que chegará em 30 minutos. Ele arruma o quarto, prepara uma música no iPod (”Where Do You Go To (My Lovely) “, de Peter Sarstedt) e a aguarda. Ela chega com um buquê de flores, um palito entre os dentes, marcas roxas pelo corpo e cabelos curtos. E domina a situação com se fosse o homem da relação.
Essa transferência de papéis acontece em vários momentos do filme. Francis comanda os irmãos, que reclamam do mais velho dar ordens, mas sentem falta de alguém para fazer a escolha certa por eles. Principalmente por que é tudo uma encenação familiar: Francis faz tudo como sua mãe fazia. Mas na ausência dos pais, eles se chapam com xarope, compram cobras venenosas e visitam templos hindus.
São três homens mimados em busca de um sinal, uma placa que os coloque na direção correta. A caracterização dos personagens é perfeita, a fotografia é magnífica, mas a história não convida o espectador a contemplar, muito mais participar. Wes Anderson filma como se estivesse exibindo os defeitos de um homem em um circo de horrores, e como ele já havia feito isso – e de forma mais convincente – em suas obras anteriores, tudo parece menor, rarefeito, desinteressante.
E isso se agrava quando fica perceptível que não há diferenças estéticas entre o personagens de Owen Wilson em “Os Excêntricos Tenenbaums”, “A Vida Marinha com Steve Zissou” e “Viagem a Darjeeling”; que quando uma velha canção dos Rolling Stones (”Play With Fire”) invade o ambiente como personagem principal remete a outras canções dos Stones que procuram causar o mesmo impacto em “Os Excêntricos Tenenbaums” (”She Smiled Sweety” e “Ruby Tuesday”); que quando Anjelica Huston surge em cena, é impossível não se deixar levar pelo deja vu dos filmes anteriores do diretor. E isso tudo apenas diminui as poucas qualidades de “Viagem a Darjeeling”.
Alguém pode dizer que Wes Anderson está criando a sua arte. Ok, eu mesmo já escrevi isso avalizando Woody Allen por se repetir tanto sem, no entanto, o poupar das verdades absolutas (a saber: “Igual a Tudo na Vida”, “Dirigindo no Escuro” e “O Escorpião de Jade” são lixo comparados a “Annie Hall”, “Hannah e Suas Irmãos” e “Crimes e Pecados”). Desta forma, Wes Anderson está criando a sua arte centrifugando o que fez de melhor, e se repetindo, gastando desavergonhadamente a fórmula que o apresentou ao mundo. “Viagem a Darjeeling” não é ruim; é só um lixo perto de “Os Excêntricos Tenenbaums”. Se tivesse sido lançado em 2000 seria um grande filme. Hoje é um pastiche. Fique com o original.
novembro 26, 2007 No Comments
Será que dessa vez vai?
A revista Variety publicou o primeiro pôster da campanha do filme brasileiro “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” para uma das cinco vagas na categoria Filme em Língua Estrangeira do Oscar. Confesso que deu um friozinho na barriga. Ainda acho que “Tropa de Elite” era “o” filme, mas confesso que “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” tem todas as credenciais necessárias para honrar o nome do país numa premiação desse porte. É um belíssimo filme.
novembro 20, 2007 No Comments