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Lou Reed em Málaga

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Acordei na segunda-feira destruído. Fisicamente e emocionalmente, afinal ver The National, Morrissey e Leonard Cohen (aqui) seguidos é um teste para qualquer coração, mas o tempo é curto e haja correria. Dez quilos de bagagem nos braços mais 18 quilos nas costas, e lá vamos nós para a estação de trens. A viagem de Castellon para Barcelona foi ok. Lembra que eu tinha só seis minutos entre desembarque, comprar passagem e embarcar em outro trem? Então, rolou. Mas eu não contava era com um congestionamento de malas de rodinhas no El Prat, o aeroporto internacional de Barcelona!

Era uma multidão de gente querendo sair do trem e entrar no aeroporto e uma multidão de gente querendo entrar no trem, que a muvuca causou um “congestionamento”. Sério. Agora imagina: você tem 15 minutos pra fazer o check in, e fica quase 10 parado numa situação surreal dessas? Assim que o congestionamento se desfez, fui procurar o guichê da Vueling, companhia barateira que faz voos nacionais na Espanha. Claro: o guichê ficava no quinto dos infernos do aeroporto, e lá vou eu correndo com quase 30 quilos de bagagem. Cheguei quando já anunciavam: “Última chamada para Málaga”.

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Em Málaga, os termômetros do aeroporto Pablo Ruiz Picasso, ilustre filho da cidade, marcavam 32 graus. Pela primeira vez na viagem tive que recorrer a um táxi, após vagar a esmo tentando encontrar o albergue, sem sucesso. Detalhe: nem os taxistas sabiam onde ficava o lugar. Liga pra cá, pergunta ali, e encontramos (e nem é fora de mão nem nada, vá entender). Tentei achar uma internet, mas só há “peluquerias” na região. Quando achei um locutório, um e-mail da produção do show de Lou Reed avisava que haveria um atraso:

“Estimado Usuario: el concierto de LOU REED previsto para hoy día 21 de julio de 2008 a las 21.30 horas ha sido retrasado por necesidades de producción, dada la complejidad del montaje, el espectáculo comenzará a las 22.00 horas, media hora más tarde de lo previsto inicialmente. Si tiene alguna duda adicional, por favor póngase de nuevo en contacto con nosotros.”

Não tem jeito, primeiro mundo é outra coisa…

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Fui caminhando do albergue até o Teatro Cervantes para observar a paisagem e me apaixonar pela cidade, e cheguei ao teatro cinco minutos antes do show. Pessoalmente, não achava que esse show iria me abalar tanto quanto o fim de semana em Benicassim com Leonard Cohen, Morrissey e Spiritualized, mas então eu entro no teatro, lindo (lembra o Theatro Municipal de São Paulo, mas é menor, com 1104 lugares, e mais charmoso), datado de 1870, e vejo que o meu lugar, fila 1, cadeira 18, é realmente de frente ao palco: não dava para acreditar. Precisei beber uma cerveja no saguão para ajustar os ânimos.

Quando a organização mandou o e-mail falando da “complexidade da montagem”, não estava brincando. O cenário é belo, com um sofá de três lugares pendurado no teto simbolizando um decadente quarto de hotel, a New London Childrens Choir (coral infantil com doze crianças) do lado esquerdo do palco, sete membros da London Metropolitan Orchestra do lado direito, mais a banda com sete integrantes – incluindo Steve Hunter, guitarrista original do álbum “Berlin” – e, claro, o próprio Lou Reed. Não se engane: estamos diante de uma ópera rock!

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“Berlin”, lancado em 1973, foi o terceiro disco solo de Lou Reed após sua saída do Velvet Underground, e vinha na seqüência do sucesso conquistado pelo single “Walk On The Wild Side” e pelo disco “Transformer”, um ano antes. Seguindo a mesma temática de seu principal hit, porém, afundando as canções num dramático lodo orquestral, Lou fotografa a depressão romântica de um casal drogado na Berlim (Oriental) ainda dividida pelo muro. Ela (Caroline) acaba, por fim, cortando os pulsos. Ele (Jim) lamenta a perda daquela que ele acreditava ser a sua Rainha da Escócia.

O show que comemora 35 anos de lançamento do disco começa com Bob Ezrin, produtor do disco, subindo ao palco. Ele fala um pouco da apresentação, lembra que Málaga é o encerramento da turnê, e chama Lou Reed ao palco. Lou entra de camiseta qualquer nota vermelha. Ele está aparentemente bem mais velho do que da última vez que o vi, em 2001, no Credicard Hall (resenha aqui), mas ostenta ainda aquela cara de poucos amigos que fez sua fama. Ele pega sua Fender, olha para o coral e as crianças começam o show cantando a melodia de “Sad Song”. Arrepia.

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“Berlin”, a música, começa suave com seus clássicos dedilhados de piano que contemplam a felicidade do casal. Guitarradas marcam a entrada de “Lady Day”, e o coral de crianças e a orquestração encantam. “Men of Good Fortune” (aquela que diz que “os homens de sorte, muitas vezes, provocam a queda de impérios”) surge com Steve Hunter estraçalhando na guitarra e o bom backing de Jeni Muldaur se destacando. “Caroline Says (I)” causa o primeiro momento de histeria na plateia, mas é com a linha de baixo de “How Do You Think It Feels” – numa versão chapante – que o teatro quase vem abaixo.

Lou Reed não se dirige ao público em nenhum momento. Ele sorri para Steve Hunter e para o baixista Fernando Saunders após alguma boa passagem instrumental e e só. Quando, em “Oh, Jim”, ele leva a base da canção sozinho na guitarra (com Steve fazendo pequenos solos), o público tenta acompanhar nas palmas, mas ele muda o andamento, quebra o ritmo, e o público se perde. A versão, no entanto, é poderosa, e marca a passagem do disco (lado b) e do show para a parte trágica da história do casal.

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“Caroline Says (II)” surge numa versão fantasmagórica, com Saunders tocando violino enquanto Lou narra a degradação do romance. Jim bate em Caroline, que não para de se drogar, e é apelidada pelos amigos como Alaska. “Está tão frio no Alaska”, canta Lou acompanhado do coral infantil. “The Kids” é… foda. Foda. Lou repete o verso inicial várias vezes aumentando a tensão sob uma base limpa de violão: “Eles tiraram os filhos dela, porque, dizem, ela não é uma boa mãe”. Jim está cansado e não está mais feliz.

“The Bed” é de chorar. Canta Lou: “Este é o lugar onde ela deitava a cabeça quando ia para a cama à noite / Este é o lugar onde concebemos os nossos filhos, velas acesas iluminavam o quarto / Este é o lugar onde ela cortou os pulsos naquela estranha e fatídica noite”. O coral de crianças intervém no trecho “oh, oh, oh, oh, oh, oh, what a feeling” e é preciso ter muito sangue frio para não se deixar levar e se emocionar. “Sad Song” retorna para fechar o show com toda sua tristeza em forma de orquestração rock and roll.

Após mais de 10 minutos de incessantes pedidos de bis, Lou retorna ao palco e fala sobre o disco, apresenta as mais de 30 pessoas envolvidas, e começa um improviso de guitarra que se transforma em “Satellite of Love”. “Rock and Roll”, do Velvet, vem na sequência. E “Power Of The Heart”, canção inédita disponibilizada no site Cartier. Love, encerra a noite de gala. Passa da meia noite, mas volto para o albergue caminhando, admirando a beleza da cidade sob a luz da lua. Esse show me trará sempre a Málaga. Durmo feliz.

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Leia também:
– Dois vídeos: Lou Reed em São Paulo, 2010 (aqui)
– Três vídeos: Lou Reed e Metallica (aqui)
– Lou Reed ao vivo em Luxemburgo, 2012 (aqui)
– Lou Reed explica pq não canta as “velhas canções” (aqui)
– Lou Reed ao vivo em São Paulo, 2000 (aqui)
– Diário de Viagem: Europa 2008, por Marcelo Costa (aqui)

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