FIB 2008, Domingo
Texto e fotos: Marcelo Costa
Eu juro que não estava preparado emocionalmente para o que iria acontecer no último dia do Festival Internacional de Benicàssim, edição 2008. Juro. Se eu conseguisse ter imaginado que tudo que aconteceu fosse realmente acontecer, talvez até tivesse medo de ter um infarto fulminante em meio ao público, sacumé, tem coisas que o coração pode não aguentar mais. O coração, neste momento, ainda bate. O corpo está um caco e não sei se me recuperei emocionalmente ainda. Vamos ver…
Acordei às 13h para postar o texto do sábado e ir tentar almoçar com o pessoal do Alto Falante. Cheguei no hotel e ainda deu tempo de ver Nelsinho Piquet subir ao podium com Felipe Massa (vou ter que falar que o Galvão Bueno espanhol fala muuuito mais do que o nosso), se preparar para o almoço (hamburguer, fritas, salada e cerveza) e rir das histórias dos mineiros (“Esse pueblo de Lula es muy confuso”). Os próximos programas prometem, especialmente o gravado em Abbey Road.
Uns quinze minutos de caminhada e um sprint de 200 metros pra não perder o começo do show e lá estou eu novamente frente ao The National, que numa tenda sob um sol de sabe se lá quantos graus (muitos) apresentou suas pérolas românticas doloridas movidas a guitarradas, teclados atmosféricos e violino. O show foi um repeteco da brilhante apresentação no Werchter, semanas atrás, com “Baby, We’ll Be Fine”, “Fake Empire”, “Mistaken For Strangers” e uma estraçalhante versão de “Mr. November” fechando a noite de sol. A “noite” só estava começando.
Pontualmente às 20h, Leonard Cohen adentrou ao palco do festival com os dez personagens que transformam em música suas letras/poesias. Olha, é difícil demais falar sobre esse show. Uma senhora emprestou um lenço para a Juliana enxugar as lágrimas no show de Edinburgh, na quarta anterior. Alguns dias antes, o Carlos falou sobre a apresentação que ele viu em Amsterdã “O Carlos que você conheceu no Rock Werchter não existe mais, agora existe o Carlos pós show do Cohen”. Esses sentimentos são muito mais do que música, transcendem algo que não sei dizer ao certo o que é.
Pra você ter uma ideia, 20 minutos após o show terminado eu ainda estava chorando. A Carol falava: “Calma, respira fundo”. E as lágrimas vinham. Fora os flashbacks horas depois quando eu lembrava do show: “Vou ligar pra Lili pra contar” (e da-lhe lágrimas). “Como vou explicar o que foi “Hallelujah” ao vivo?” (mais lágrimas). Sinceramente: eu nunca tinha sentido o que senti ontem na frente de Leonard Cohen, e depois que ele saiu saltitando do palco após apenas uma hora de clássicos.
Começou com “Dance Me To The End Of Love”, e algumas senhoras presentes murmuravam: “Essa é a música do meu primeiro amor”. Depois veio “The Future”, valsa do disco homônimo apropriada para apresentar o poeta aos incautos com versos como “I’ve seen the future, brother: it is murder”. E o que falar de coisas como “Bird on a Wire”, “Everybody Knows”, “Who by Fire”, “Suzanne” (com Cohen ao violão), “I’m Your Man” e “First We Take Manhattan”? Nao se fala. Se ouve. Chora. E eu chorei.
O dia já estava ganho, o ano já estava ganho, mas o FIB 2008 ainda reservava surpresas guardando como “brinde” shows de Richard Hawley e Morrissey (que festival é esse em que um show de Morrissey vem como brinde?????). O guitarrista britânico Richard Hawley, que já tocou com o Pulp de Jarvis Cocker no álbum “We Love Life”, levou para a tenda Vodafone todo charme e bom gosto dos fifties, com baladas encantadoras e rockabillys contagiantes. O visual não deixava dúvidas numa mistura de Roy Orbison e Elvis Presley, e o show foi ovacionado pelo público que lotou a tenda.
Já Morrissey, você sabe. Ninguém vai para um show dele esperando ouvir essa ou aquela música. As pessoas até gostariam de ouvir os hits, mas elas vão mesmo a um show de Morrissey para ver Morrissey. Simples assim. O que ele tocar, está valendo. Então comparar o repertório do show no FIB com aquele que vi em Buenos Aires quatro anos atrás é uma tremenda bobagem. Morrissey é o show.
Quer ver: ele entra no palco (com os cinco integrantes de sua banda sem camisa e com jeans preto colado no corpo) e sacaneia: “Spanish eyes, olhem para mim. Vocês querem que eu fale espanhol? Eu vou falar argentino (sic), português, francês, mas não vou falar espanhol”. Ele abre com “Last Of The Famous International Playboys” e finada a canção tenta convencer o público: “Benicàssim, eu estou aqui”. A música na sequência faz todo mundo duvidar: “Ask”, dos Smiths, aquele riff mastigado, aquela bateria galopante. Será mesmo?
Seguem-se “First Of The Gang To Die”, “That’s How People Grow Up” (“a” música de 2008) e “Irish Blood, English Heart”. Ele volta ao microfone: “Eu sei que as bandas pop espanholas são um lixo, mas tudo bem, as bandas pop inglesas também são, e isso não importa pois.. “The World Is Full Of Crashing Bores””. Ataca o consumo de “animais mortos” no festival, e filosofa: “Garoto namorando garota, garota namorando garoto, garota namorando garota, garoto namorando garoto: tudo é possível”.
Dos Smiths ainda marcaram presença “Vicar In A Tutu”, “What She Said”, “Stretch Out And Wait”, uma versão fodaça de “Death of a Disco Dancer” e “How Soon Is Now?”, fechando a noite após um cover dos Buzzcooks (“You Say You Don’t Love Me”) e “Life Is A Pigsty”, um dos melhores números do álbum “Ringleader Of The Tormentors”. Faltou um mundo de músicas, mas ele próprio, mais do que ninguém, sabe que suas duas camisas arremessadas ao público vão se transformar em centenas de pedacinhos que vão ser guardados como um prêmio por cada uma daquelas pessoas. Ele é Morrissey, e pode tudo.
Eram duas da madrugada e ainda tinha Siouxsie e Viva La Fete no palco principal, mas eu não tinha as mínimas condições físicas e emocionais para seguir em frente. The National, Leonard Cohen, Richard Hawley e Morrissey numa mesma noite e em seqüência arrebenta com o coração de qualquer um. Até ouvi, de longe, “Hong Kong Garden”, mas o festival já tinha acabado – ao menos para mim. Lágrimas ainda escorriam vez em quando pelo rosto. A lembrança do dia perfeito já comecava a se cristalizar na memória. Nunca fui tão feliz após um show. Agora é dancar até o fim do amor pois é assim que as pessoas crescem.
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