10 discos favoritos em 10 dias: Dia 7
Acho que os portugueses do Deolinda foram a minha última paixão musical avassaladora. A primeira vez que ouvir falar deles foi quando o amigo e jornalista lisboeta Pedro Salgado resenhou o show que o grupo fez em 2011 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para o Scream & Yell. Ler a emoção do Pedro presenciando este concerto de 25 canções, que seria lançado numa versão luxuosa em CD duplo e DVD (no centro da foto), me fez ir atrás do som desses tugas. Comecei a pesquisar mais e quanto mais lia, mais me apaixonava por essa banda que havia surgido nos intensos anos de crise econômica portuguesa, e que tinha algumas de suas músicas entoadas por manifestantes em passeatas contra o governo (notadamente os hinos “Um Contra o Outro” com seu refrão instigante – “Sai de casa e vem comigo para a rua” – e, principalmente, “Movimento Perpetuo Associativo” além de “Parva Que Sou”, inédita presente no disco ao vivo).
A popissima “Mal por Mal”, que abre o disco de estreia (“Canção ao Lado”, de 2008) virou o primeiro hit deles em casa, e depois vieram “Fon Fon Fon”, “Movimento” e a maravilhosa “Garçonete na Casa de Fado” (um dos grandes momentos das duas passagens deles pelo Brasil, São Paulo em 2013, Rio em 2016) mais algumas pérolas do segundo disco, “Dois Selos e Um Carimbo” (2010), notadamente mais “português” (e basta ouvir a hilária “A Problemática Colocação de um Mastro” para entender). Por volta dessa época (2011/2012) eu já tinha criado um elo de ligação pessoal entre uma das bandas que mais amo no Brasil, o Pato Fu, com o Deolinda, duas bandas com compositores letristas brilhantes (Pedro da Silva Martins e John Ulhoa) que escrevem letras com sacadas humoradas geniais que encontraram em duas mulheres poderosas a melhor maneira de passar a mensagem (Ana Bacalhau e Fernanda Takai).
Os discos seguintes do Deolinda, aguardados da mesma maneira que eu aguardava um disco novo da Legião nos anos 80, apenas corroboraram a genialidade do quarteto: “Mundo Pequenino” (2013) é um disco menos tuga e mais mundial, e traz consigo talvez as melhores letras da banda: “Concordância” (“Sou um sujeito, procuro um verbo e um bom complemento direto / Quero frases afirmativas e não viver em voz passiva”, crava Ana no refrão), “Gente Torta”, as brilhantes “Há de Passar” (“Tenho vontade de dizer aquilo que penso, mas tenho medo / Tenho vontade de exigir o que mereço, mas nem me atrevo”), os hits “Musiquinha” e “Seja Agora”, as divertidas “Doidos” (se Lou Reed tivesse gravado “Goodnight Ladies” em Sintra ela soaria assim) e “Semáforo da João XXI” (que narra o romance inevitável entre uma garota que ouvia Bach e um garoto que ouvia The Clash) e, minha favorita, “Pois Foi” (e vale assistir ao vídeo que o Bruno Capelas fez do show em São Paulo para sacar a beleza da letra e da interpretação de Ana – assim como ler a entrevista que ele fez com a banda em 2013).
No disco seguinte, a banda pisou no freio, e lançou o seu “Daqui pro Futuro” (o disco de 2007 do Pato Fu, e não impressiona a coincidência das duas vocalistas estarem gestando um bebê durante as gravações), o delicado “Outras Histórias” (2016), que me cativou ainda mais (e ganhou uma posterior edição deluxe dupla) tornando-os um dos cinco artistas que mais ouvi nos últimos cinco anos, segundo minha LastFM (à frente deles apenas Manics, Bruce Springsteen, Wilco e Dylan) e meu disco favorito deles hoje em dia. Em 2017, após 10 anos de atividades, o grupo anunciou uma pausa na carreira. Ana Bacalhau saiu em carreira solo e os outros músicos se envolveram em outros projetos. E enquanto eles não voltam, você tem tempo de se apaixonar por estes quatro discos… como eu me apaixonei sete anos atrás. Arrisque.
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