Dylan com café, dia 75: Alex Ross
Em 1998, ou seja, quase 10 anos antes de publicar sua obra prima finalista do Pulitzer Prize, “O Resto é Ruído – Escutando o Século XX” (2007), o jornalista Alex Ross assistiu a 10 shows de Bob Dylan, que havia renascido (mais uma vez) das trevas com “Time Out of Mind” um ano antes. A maratona (entre setembro e novembro de 1998) serviu de base para um longo ensaio publicado na revista The New Yorker em maio de 1999 com o título “The Wanderer” e recuperado nessa coletânea de textos, “Escuta Só”, lançada em 2011. Talvez um dos melhores textos já escritos sobre Bob Dylan, “The Wanderer” tenta entender a magia deste pobre homem destruindo quase tudo o que já foi falado sobre ele. De forma delirante e divertida, Alex Ross abre seu ensaio mostrando os dentes: “Os Estados Unidos não são um país para homens velhos. A cultura pop é o deleite dos pedófilos. O que fazer com um compositor de meia-idade, muito rodado, que tende para a melancolia e o absurdo? Se examinarmos o que foi escrito sobre Bob Dylan em décadas recentes, notaremos um desejo persistente de que o sujeito morra, para que seu eu mais jovem possa assumir seu lugar mítico”. Dai pra frente, Alex enumera exemplos do “desejo persistente”, e conta cômicas passagens nos shows que presenciou: “Estou na Feira de Puyallup, 1998, neste subúrbio agrícola de Tacoma, e entre outras atrações estão presentes a vaca de uma tonelada Elmer, uma casa assombrada em miniatura montada engenhosamente na carroceria de um caminhão, bingo com aspiradores como prêmio e Bob Dylan. (…) Quando eu disse que iria seguir Dylan na estrada, obtive várias reações divertidas. (…) Alguns ficaram surpresos ao saber que ele ainda tocava em público (e ele faz mais de 100 shows por ano). As plateias foram mais diversificadas do que eu esperava: jovens urbanos do tipo que coleciona discos, pirados grisalhos, ex-hippies bem-vestidos, garotada do colégio com camisetas do Grateful Dead”.
As entrevistas com o público são divertidas, mas a análise é bem mais profunda. Pelo caminho da turnê, Alex visita Greil Marcus para depois questionar a defesa do velho jornalista sobre o exagerado elogio ao material qualquer nota das Basement Tapes (de maneira correta, mas falaremos disso no próximo café) e sua leitura “exagerada” do show de Manchester, ou o show do “Judas” (discordo de Alex). Ele sacaneia o trabalho do biógrafo Clinton Heylin (“Um documento que se anula astutamente no sentido de que cada item de informação aponta para uma falta maior de informação”), recupera uma baita citação de Lester Bangs em 1981 (“Se as pessoas vão rejeitar, ou, na melhor das hipóteses, rir de Dylan agora do mesmo modo como outrora se ajoelhavam automaticamente diante dele, então ninguém vai saber se ele fizer um bom disco de novo. Elas não estão ouvindo agora, o que talvez possa significar que também não estavam realmente ouvindo antes”), analisa letras, estruturas de canções e opina: “Desde Wagner, nenhum músico havia sido submetido a pressões contraditórias e irracionais desse tipo (na fase em que Bob eletrificou seu som e foi criticado pelos fãs). Não surpreende que Dylan tenha caído fora depois do acidente de moto”. Uma das conclusões de Alex é de que as respostas, as emoções e tudo mais está… nas canções. “Ele sempre retira sua personalidade de cena… e deixa a música emergir”. Ou seja, esqueça o homem, concentre-se na arte. E Alex escreve isso logo depois de se arrepiar com a oportunidade de um encontro não planejado com Dylan num estacionamento. Como separar? Eis a questão. Um texto genial presente no livro, mas que traz um apêndice no site de Alex (aqui) e que você pode ser lido na integra, em inglês, por assinantes da The New Yorker aqui.
0 comentário
Faça um comentário