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Entrevista: Música e Política

Respostas para Igor Cruz (setembro de 2015)

Em junho de 2013 tivemos as grandes manifestações e muitos personagens da música se manifestaram de diversas formas. Alguns fizeram músicas (Tom Zé, MV Bill, Latino, entre outros) outros subiram nos palanques e deram uma direção em suas opiniões (Lobão, Roger). Como você vê essa participação dessas personalidades em um momento delicado politicamente falando, no Brasil?
Acho extremamente importante que um artista se manifeste, mas é preciso ter cuidado para não ser leviano com um tema tão sério. Uma coisa é ter uma opinião sobre algo, outra é defender de maneira argumentativa uma ideia. A grande mídia trabalha praticamente com manchetes (“Fulano disse isso”, “Sicrano fez aquilo”), e em tempos de redes sociais, com muita gente lendo apenas a manchete, o artista precisa ser o mais cuidadoso possível na hora de manifestar sua opinião evitando correr o risco de induzir o público ao erro. Por isso acho complicado sair por ai como uma metralhadora verbal. O assunto é sério e merece ser tratado com a máxima seriedade possível, e artistas, na posição privilegiada que têm, podem ser uma ponte interessante para a disseminação do pensamento político em uma país que hibernou durante décadas devido a ditadura. Antes de 1964 tínhamos grandes manifestações, e fico feliz que as pessoas estejam voltando a se manifestar depois de tanto tempo. Só é preciso saber contra o que e quem está se manifestando, e, neste ponto, artistas podem tanto ajudar quanto confundir o público. É preciso estar atento (e forte).

Em comparação com a época da ditadura militar, você acha que a música cumpriu um papel politizado nesta que é a linguagem artística de maior alcance?
Não. Se atentarmos ao conteúdo das músicas atuais, vivemos um imenso escapismo, que também acometeu a música brasileira após os exílios de Gil, Caetano e Chico. Quando os três voltam, sofridos com a experiência, deixam de fazer o combate que faziam, e a música brasileira entra num marasmo do qual só vai sair quando o rock nacional surge nos anos 80 e é tomado como válvula de escape para a abertura política. Então na segunda metade da década de 80, a música brasileira (rock) falou tudo o que podia e o que não podia após tantos anos calada, proibida de se manifestar. Não sei, após esse momento inicial de liberdade, houve uma super exposição de temas políticos, e o público se cansou, mas o fato é que hoje a música brasileira vive em um país sem crises políticas, sem diferenças sociais e sem crimes, o que é uma tremenda falta de contato com a realidade. Neste ponto, o rap continua sendo a principal válvula de escape para ideias politicas, e figuras como Emicida (através de disco e show) são extremamente importantes (ainda que a maior parte do público esteja cantando “Sapequinha”).

Se sim, acertamos? Se não, porque erramos? Ou, o que faltou (ou ainda falta) na politização da música brasileira atual?
O que falta são pessoas conscientes e gente que participe dos sofrimentos do mundo. Renato Russo, quando escreveu “Que País é Esse”, estava sentindo na pele aqueles sentimentos, aquela cidade de Brasília que ele vivia. “Teatro dos Vampiros” é uma música extremamente política (sem ser diretamente política) em um momento de depressão pós-Collor. Olhando por esse viés é natural que o texto político hoje venha de gente como Criolo e Emicida, que sentem na pele a desigualdade do país. Como uma bandinha punk de playboy pode falar das mazelas da sociedade se não as sente? Dai melhor ser emo e falar das dores do coração, porque se ele for tentar falar dos problemas do país vai acabar mostrando toda sua desconexão com a realidade. Então a música, como manifestação artística, é completamente refém do ambiente em que ela é criada. George Harrison vai escrever “Taxman” porque os Beatles estavam ganhando uma fortuna, e grande parte dela estava sendo “devorada” pelas taxas do país. É algo que ele nunca poderia ter escrito nos primeiros discos dos Beatles, porque não era uma realidade. Dai se temos agora um cenário pouco politizado na música brasileira podemos suscitar algumas discussões: por exemplo, aparentemente o país melhorou a ponto das pessoas não se sentirem oprimidas querendo se manifestar sobre isso, mas a opressão persiste de diversos modos (capitalista, religiosa, racista, sexista e política), e só que quem pode transformar isso em canções são artistas que conseguem perceber que esses fatores de opressão existem, e os incomodam.

Você vê (ouve) algum destaque na cena musical atual? Quem?
Emicida, sem dúvida! No show de lançamento do novo disco, no Sesc Pinheiros, ele falou no meio de uma música: “Quando 18 pessoas morrem em uma cidade e ninguém fala nada, essa cidade também está morta”. Isso é extremamente político! É você incitar o seu público a não ficar calado diante de uma barbaridade feita por uma instituição. Ele está agindo, está embotando a cabeça da galera, e isso é sensacional. Emicida é o personagem mais contundente da música brasileira hoje.

Música politizada, vende?
Tudo está à venda. Como diz o Emicida, pegando o gancho, “a sociedade vende Jesus, por que não ia vender rap”. Se parte do jabá gasto com sertanejo universitário fosse usado com música politizada, ela poderia vender tanto quanto. Claro, é mais complicado fazer uma música politizada, porque o limite para se cair no populismo é mínimo, ou seja, a chance de errar é maior, mas ela pode sim vender muito. Depende do investimento.

E você acha que a música tem esse “poder” de “politizar” (ou de esclarecer politicamente) as pessoas?
Tem um pequeno poder, mas é preciso dizer que, via de regra, o público brasileiro canta músicas sem saber o que elas significam. Vai mais pela sonoridade do que pela ideia. E não é algo novo, de hoje, mas sempre. Por isso eu não diria politizar, mas ao menos colocar temas em debate. “Inútil”, “Que País é Esse”, “Desordem”, “Aluga-Se”, “Luís Inácio (300 picaretas)” e muitas outras não devem ter politizado ninguém, mas são pequenas reflexões que podem ir bastante longe. Raul Seixas dizia que se numa plateia de 20 mil pessoas, 2 entendessem o que ele estava falando, já tinha valido a pena, e acho que é por ai.

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