Dylan com café, dia 55: Witmark
Bob Dylan com café, dia 55: Lançado em outubro de 2010, “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964” havia sido antecipado como tema na edição deluxe do álbum “Together Through Life”, de abril de 2009, que trazia uma longa entrevista com Roy Silver, primeiro manager de Dylan (ainda que ele o defina como um picareta enquanto Silver, por sua vez, diga que “Bob era fácil de manipular, porque não dava a mínima e só queria fazer música”), descartada do filme “No Direction Home”. Foi Roy Silver que levou Dylan para a agência M. Witmark & Sons, fundada por imigrantes prussianos em 1885 em Nova York, “oito anos depois de Thomas Edison ter patenteado o fonógrafo, mas vários anos antes que alguém achasse que você poderia fazer negócios com discos”, observa Colin Escott no livreto educativo que acompanha o lançamento. “Em outubro de 1927, Jack e Harry Warner perceberam que suas novas imagens faladas criariam uma demanda insaciável por música, e era melhor possuí-la do que licenciá-la. Harry Warner fez uma oferta para comprar a Witmark & Sons e o negócio foi fechado em janeiro de 1929. Naquele verão, os Warner compraram mais sete editoras para formar uma holding própria”, conta Escott.
No livreto, Colin explica que a publicação de música é o grande segredo da indústria da música: “É onde está o dinheiro”. Ele divide a maneira de arrecadar dinheiro com música (na época) em quatro ramos: “fólios, direitos de composição, direitos de execução e sincronização (filmes)”. Fólios é a publicação em revistas e livros de partituras, que só tinham grande alcance se a canção fosse sucesso, o que também afeta os próximos itens. Já sincronização, apesar de ser um grande negócio, era muito mais raro na época (hoje é apontada por muitos como o futuro da indústria). Sobrava então os direitos de composição e execução, e o negócio era o seguinte: um manager (como Roy Silver) fazia a ponte com uma editora, que oferecia as canções de determinado artista para que o maior número de artistas o gravassem. A taxa nos anos 60 era de US$ 0,02 centavos por música (permaneceu assim até 1977, hoje é de cerca de US$ 0,09 centavos), o que quer dizer que se a canção alcançasse a marca de 1 milhão de cópias vendidas, lucraria US$ 20 mil em royalties mecânicos, geralmente divididos em 50/50 entre o compositor e a editora musical. Ficou fácil de entender o negócio, certo? Dai você pega Bob, que havia lançado um álbum de estreia em 1962 que havia vendido menos de 5 mil cópias. Uma das saídas do empresário Albert Grossman foi oferecê-lo a editoras, já que tanto ele quanto a Columbia Records acreditavam nas canções do jovem rapaz, e Dylan então assinou com a Witmark & Sons: “Ouvi ‘Blowin’ in the Wind’ e disse: ‘Ok, é isso. Quero você. Vou te dar um adiantamento de mil dólares”, relembra Artie Mogull, antes de saber que Dylan havia assinado com a Leeds Music um pouco antes. “Então dei a ele mais mil dólares para ver se conseguia sair do outro contrato. E, acredite ou não, o cara da Leeds Music aceitou. Era julho de 1962, seis meses depois que a Decca Records, na Inglaterra, fez um teste com Beatles e Brian Poole, e decidiu que Poole era a melhor aposta”.
Entre fevereiro de 1962 (quando Dylan fez a primeira sessão com oito canções para a Leeds Music) e junho de 1964, Bob fez 11 sessões mostrando de maneira crua canções como “Blowin’ in the Wind”, “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, “Masters of War”, “Don’t Think Twice, It’s All Right”, “The Times They Are a-Changin'” e “Mr. Tambourine Man”, todas presentes entre as 47 faixas oferecidas por Dylan a outros artistas (15 delas até então inéditas) e resgatadas em “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964”. Segundo o All Music, “em essência, essas demos são o som de Dylan se tornando Bob Dylan, e é uma evolução fascinante”. Já Rob Sheffield, da Rolling Stone, explica que não importa o quão você tenha decorado as versões definitivas oficiais, essas “demos trazem surpresas, como ‘Boots of Spanish Leather’, em que Dylan nunca soou tão derrotado quanto aqui ao perceber que lutou para convencer aquela garota a ficar, e agora gostaria de deixa-la partir para Barcelona”. Pitchfork (“Um resumo perfeito de como este conjunto revela a profundidade histórica da educação musical de Dylan”) e BBC (“Qualquer ouvinte ficará impressionado”) também caíram de quatro diante deste relançamento, que mostra a evolução de Dylan nos primeiros anos. Sean Egan, da BBC, resume: “São canções com pouco polimento de produção e compromisso emocional zero. Dylan tosse regularmente. Numa faixa, é possível ouvir uma porta fechando. Em outra, ele encerra a canção abruptamente porque, explica ao engenheiro de gravação, está entediado com a música”. E, ainda assim, muitas dessas canções se tornaram clássicos do cancioneiro mundial. A primeira tiragem de “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964” ainda trouxe, de bônus, “In Concert – Brandeis University 1963”, sete canções de dois sets de Dylan ao vivo em um festival folk numa universidade do Massachusetts. Relíquias.
maio 15, 2018 No Comments