Posts from — abril 2018
News: Morrissey, Belle and Sebastian, Knifey
As polêmicas que cercaram o lançamento de “Low In High School”, o disco mais recente de Morrissey, parecem ter deixado o álbum em segundo plano, construindo um muro entre ele e parte de seu público. Agora o bardo corre atrás de atenção com o vídeo de “Home Is a Question Mark” gravado ao vivo em Berlim. Confira.
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“Quando criamos um conceito em vídeo para a canção ‘Serf’, queríamos criar algo que fosse divertido e nos lembrasse daqueles vídeos de música pop punk quase no final dos anos 90 e início de 2000 que todos nós amamos”, avisam os canadenses do Knifey em e-mail que chega de Toronto. Indie rock bem bacana! “Beached”, o disco que eles lançaram em setembro de 2017, pode ser ouvido e baixado gratuitamente aqui.
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De Santa Bárbara, na Califórnia, The DTEASE faz uma festa em seu vídeo para a canção “Slapshot”, primeiro single do vindouro álbum “Shake”, que baixa nas plataformas dia 20 de abril. “Letras poéticas que consistem em sexo, política e, bem, rock ‘n’ roll, são geniosamente combinadas com um arsenal de riffs de guitarra destrutivos”, avisa o release. Confira se cumprem abaixo.
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União de três EPs lançados primeiramente separadamente pelo Belle & Sebastian, o álbum “How To Solve Our Human Problems” destaca agora o vídeo para a canção o r&B “Poor Boy”, que acompanha os vários acontecimentos nos apartamentos de prédio. O disco não me pegou, mas o clipe é bacaninha.
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O Panic! At The Disco anunciou o seu sexto álbum de estúdio, “Pray For The Wicked”, que será lançado 22 de Junho. O anuncio surgiu acompanhado do vídeo para o single “Say Amen (Saturday Night)”, que fecha a trilogia aberta com “This is Gospel” (2013) e “Emperor’s New Clothes”. Assista aos três abaixo!
abril 9, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 40: Royal Albert Hall
Bob Dylan com café, dia 40: A boa recepção e o sucesso do lançamento das “The Bootleg Series – Volumes 1/3” em 1991 abriu os olhos da Columbia Records para algo que pirateiros sabiam desde os anos 60: além de artisticamente revolucionário, o extenso material raro de Dylan era altamente vendável. Criou-se então uma divisão na gravadora para, arqueologicamente, pesquisar o acervo, e o primeiro lançamento que viria a tona seria a oficialização de um dos álbuns piratas mais famosos de todos os tempos, que começou a circular em vinil já no começo dos anos 70 com os nomes mais variados: “In 1966 There Was” (1970), “Royal Albert Hall Concert 1966” (1970), “Royal Albert Hall” (1971), entre dezenas de outros. A Columbia iria lança-lo pela primeira vez completo, e chegou a remasteriza-lo e a anunciar o projeto em 1995, mas decidiu engaveta-lo.
Como tudo que cerca a música de Dylan, a remasterização caiu nas mãos dos pirateiros, e novamente a festa se fez. A Columbia então retomou o projeto e, finalmente, em outubro de 1998 chegava às lojas num invólucro de luxo “The Bootleg Series – Volume 4: Live 1966 The Royal Albert Hall Concert”. Com um som muito melhorado e um livreto com fotos incríveis de época, um dos álbuns piratas mais desejados por fãs de Dylan em todo o mundo (Jimmy Page incluso) enfim via a luz do laser e a agulha do vinil de maneira oficial além de corrigir um equivoco: durante muito tempo pensou-se que o áudio desse show fosse o da apresentação no Royal Albert Hall em Londres, diante de toda realeza britânica, dos Beatles e dos Rolling Stones, mas, na verdade, era o áudio do show que ocorreu em Manchester, no Free Trade Hall, vulgo Royal Albert Hall, 10 dias antes. Vivendo no limite, constantemente chapado e parindo obras primas a cada minuto, Dylan passava por uma rotina traumática em seus shows da turnê de 1966.
A primeira parte da apresentação o trazia num set acústico, folk, solo. Já na segunda, Dylan subia ao palco eletrificado acompanhado pelos barulhentos Hawks, e era constantemente vaiado. O clima era tão tenso que havia boatos de gente armada no público pronta para alveja-lo durante o set elétrico. Extremamente simbólico, “The Bootleg Series – Volume 4: Live 1966 The Royal Albert Hall Concert” capta tudo isso em detalhes. Do silêncio respeitoso com que o público ouve na primeira parte versões absolutamente sublimes de “Visions of Johanna”, “Desolation Row”, “It’s All Over Now, Baby Blue” e “Just Like a Woman” ao início de caos assim que os Hawks disparam uma canção nunca gravada em estúdio por Dylan, “Tell Me, Momma”, que, segundo Jon Spencer, “isso é punk rock, cara”. Em “I Don’t Believe You”, Bob Dylan provoca: “A coisa costumava ser daquele jeito, mas agora é assim”. O público ri, nervosamente. A tensão só aumenta. Seguem-se, entre gritos da plateia, “Just Like Tom Thumb’s Blues” (“É possível sentir o gosto do suor e o cheiro do medo”, observa o biógrafo Brian Hinton), “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, “One Too Many Mornings” (“Que soa como o mais violento clássico local entre United e City”, compara Hinton) e uma raivosa “Ballad of a Thin Man” (“Há um monte de Mr. Jones na plateia, um deles provavelmente com uma faca. Ou com algo ainda mais perigoso”, suspeita o biógrafo).
O gesto final desta apresentação caótica e histórica não poderia ter sido mais simbólico: a banda está afinando os instrumentos, preparando-se para alçar voo no último número da noite sob o barulho de uma plateia inquieta, que berra coisas desconexas até que, enfim, uma voz se sobressai na multidão: “Judas!”, alguém claramente grita. Aplausos efusivos irrompem no teatro. “Não acredito em você”, diz Dylan ao microfone. “Você é um mentiroso”, completa. Ele então se vira para a banda e ordena: “Play fucking loud!!!”. E “Like a Rolling Stone” surge como o Apocalipse em oito minutos vorazes. O show termina entre vaias e aplausos. Não há pedidos de bis. Não haverá bis. De maneira surrealista, “Deus Salve a Rainha” ecoa no ambiente. Este show termina e, após ele, Dylan faria apenas mais cinco apresentações (as duas últimas no Royal Albert Hall londrino) e interromperia a turnê de maneira abrupta, devido a um acidente de moto. Traumatizado, ele só voltaria a fazer uma turnê 8 anos depois, em 1974. Primeiro registro oficial em áudio desse ano doido (o histórico registro em vídeo – acima – foi feito por D.A Pennebaker, que havia filmado a turnê europeia de Dylan em 65 para o documentário “Don’t Look Back”, lançado em 1967, e acompanhado Dylan na turnê de 66 com as filmagens permanecendo inéditas até 2004, quando foram encontradas numa pilha de filmes danificados pela água recuperados do cofre de Dylan e inclusas no documentário “No Direction Home”, de Martin Scorsese), este show, posteriormente, ganhou relançamento no box completista “The 1966 Live Recordings”, lançado em 2016, com 36 CDs compilando 23 shows desta turnê que sacudiu a música moderna. Um clássico. Vá atrás!
abril 8, 2018 No Comments
Ugly Duck Brewing Co. retorna ao Brasil
Após uma passagem elogiada no Brasil em 2015, a micro cervejaria dinamarquesa Ugly Duck Brewing, do grupo Indslev Bryggeri, aporta novamente no país com seis rótulos inéditos e mais dois presentes na primeira vinda. As duas importações (2015 e 2018) são responsabilidade da Get Trade, empresa por trás da distribuidora Get – Cervejas Especiais, que também tem em seu catálogo a norte-americana Shipyard Brewing e a inglesa Adnams Brewery, entre outras. Fundada em 2012, a Ugly Duck se destacou rapidamente no mercado ganhando prêmios e lançando colaborativas com cervejarias de renome como Mikkeller, De Molen e Amager.
Para apresentar os novos lançamentos, a Get reuniu a imprensa no Empório Alto de Pinheiros. Os oito rótulos chegam em garrafas de 330 ml com preços variando entre R$ 28 e R$ 40. Para abrir a série (com uma das minhas favoritas), a deliciosa Ugly Duck Follow The White Rabbit (7% ABV), White Brett IPA com trigo, lúpulos Amarllo, Azzaca e Citra mais levedura Brettanomyces causando secura no final. A segunda foi a homenagem dos dinamarqueses para o presidente Barack Obama (com direito a foto no rótulo): Ugly Dyck Obama (4.8% ABV), uma Oat American Pale Ale mais normalzinha com aveia e lúpulos Mosaic e El Dorado!
Sucesso na primeira vinda em 2015, a Ugly Duck Miami Vice (4.8% ABD) é uma APA refrescante que se mantém na sombra do brilho de outra grande novidade (também entre as favoritas da noite): Ugly Duck Kinky Cowboy Texan IPA (6.5%), uma New England IPA deliciosa feita em homenagem ao autor, cantor e político americano Robert “Kinky” Friedman com os lúpulos El Dorado e Amarillo. Mantendo o altíssimo nível, Ugly Duck Juicy Pony Sour IPA (6%), uma Farmhouse IPA (?!) com levedura Vermont e dry-hopping de lúpulos norte-americanos. Essa eu até trouxe uma pra casa (junto a última, mas chegaremos logo no final).
Bastante interessante, a Ugly Duck Imperial Pumpkin Ale (9.7% ABV) é maluquinha: na receita, além de abóbora, gengibre fresco, canela e açúcar mascavo. Intensa. Com a arte já entregando a pegada (“Old School Hopped”), a Ugly Duck Retro IPA (9% ABV) é malte caramelo, lúpulos Cascade, Colombus e Chinook, corpo alto, teor alcoólico elevado e tudo Old American IPA. Bem legal, mas a grande estrela desse contêiner é, sem dúvida, a Ugly Duck Putin (8.9% ABV), uma Imperial Wheat Stout com trigo defumado e lúpulos Cascade, Citra e Amarillo. Deliciosa e absolutamente incrível. Se você curte RIS e quer uma pra começar a conhecer a Ugly Duck, vá nela.
Fiquei bastante surpreso com o alto nível de experimentos apresentados pela Ugly Duck. Da importação anterior, eu havia provado apenas a excelente Ugly Duck Imperial Vanilla Coffee Porter (escrevi sobre ela aqui) e a boa Amarillo & Citra IPA. Agora, num passeio um pouco mais aprofundado, curti a utilização de trigo e aveia nas receitas, marca registrada da cervejaria Indslev, famosa por suas receitas de trigo, e que por elas ganhou o apelido de patinho feio da cena dinamarquesa. Dai decidiram fazer a Ugly Duck e o resultado, caprichado, está nas prateleiras do Brasil. Vá atrás. Quer três dicas? Ugly Duck Follow The White Rabbit, Ugly Duck Kinky Cowboy Texan IPA e Ugly Duck Putin.
abril 7, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 39: Time Out of Mind
Bob Dylan com café, dia 39: Após o lançamento de seu “Unplugged MTv”, Dylan seguiu estrada afora com sua banda na Never Ending Tour. Foram 115 shows em 1995 e 84 em 1996, com uma pausa entre novembro e fevereiro de 1997. Naquele inverno nevado em sua fazenda no Minnesota, Bob escreveu uma série de novas canções que, segundo ele, partilhavam de um mesmo ceticismo: “São canções mais preocupadas com as realidades duras da vida do que com o idealismo cor-de-rosa e cintilante tão popular nos dias de hoje”. Após sete anos sem material inédito, Bob entrou em estúdio em janeiro de 1997 escudado por Daniel Lanois para esboçar os arranjos do novo material. Eles não trabalhavam juntos desde “Oh Mercy” (1989), e o clima no estúdio em muito lembrava aquelas sessões, com Dylan e Lanois discutindo intensamente sobre o rumo de cada uma das canções, num processo de queda de braço criativo que, normalmente, terminava no estacionamento, com Bob e Daniel argumentando suas ideias longe da banda. No início das sessões, Dylan mandou uma declaração por escrito à sua gravadora: “Antes de gravar essas músicas, Daniel e eu conversamos sobre elas, sobre como deveriam soar longas. A música em si possui um efeito tão potente quanto às letras, e isso é proposital. Trata-se de um álbum performático, não poético, literário. Sentimos a música, mais do que pensamos nela”.
As sessões aconteceram entre 13 e 28 de janeiro de 1997, e a banda tocava o novo material ao vivo cerca de 12 horas por dia – o bruto de canções inéditas gravadas renderia facilmente dois novos discos. Lanois seguiu na produção enquanto Dylan dizia: “Acho que esse novo disco pode ser chocante por sua aspereza”. Então em maio Bob foi diagnosticado com histoplasmose, uma micose sistêmica que afeta órgãos internos (principalmente pulmão) e é causada por um fungo transmitido por aves e morcegos. O homem cancelou dois meses de shows da Never Ending Tour e, por muito pouco, “Time Out of Mind” (1997) não foi um disco póstumo. Em agosto, porém, Dylan já estava recuperado e de volta à estrada, e o novo disco, lançado em setembro, receberia os maiores elogios da carreira de Dylan desde “Blood on The Tracks” (1975). As críticas variavam de “73 minutos de genialidade” a “Dylan em seu ápice criativo” e “o álbum se atreve a tratar de mortalidade e é chocante em sua amargura”. A definição do biografo Brian Hinton para a esplendorosa faixa de abertura, “Love Sick”, é tão primorosa quanto à música: “Soa como psicodelia desacelerada, ‘I Put A Spell On You’ tocada em um hospício”.
Outra boa definição de Brian: “A canção ‘Dirt Road Blues’ é como se Charley Patton tivesse vivido o bastante para gravar nos estúdios da Sun Records nos anos 50”. Em “Standing In The Doorway”, uma suavemente desesperada canção de abandono anestesiada por melancolia, Bob canta: “Eu sei que a misericórdia de Deus deve estar próxima”. Já “Million Miles” é um blues em marcha fúnebre enquanto “Tryin’ To Get To Heaven” inspirou uma das melhores canções de Marcelo Nova. Especialista em “emprestar” trechos de canções de outros artistas (muitas vezes canções inteiras), Bob incluso, ao ouvir esta canção, Nova titubeou: “Eu estava traduzindo ‘Tryin’ To Get To Heaven’, em que o Dylan diz que está tentando entrar no céu antes que fechem a porta, e fiquei dias pensando nisso até concluir: eu não quero entrar no céu. Daí surgiu a poderosa ‘A Balada do Perdedor’”. No r&b retrô “’Til I Fell In Love With You”, Dylan canta que sua casa está em chamas, e lamenta: “Achei que choveria, mas as nuvens passaram reto”. O primeiro anti-single do disco foi “Not Dark Yet”, uma fantasmagórica e maravilhosa canção sobre a desintegração de um relacionamento. “E, vamos ser sinceros, com tamanho deleite sobre sua própria amargura”, pontua Hilton. Para Emmylou Harris, essa é a melhor música já composta sobre… envelhecer. Calma, há mais: A próxima, “Cold Irons Bound”, ganhou o Grammy de 1998 como Melhor Performance Vocal Masculina (outros dois Grammys foram concedidos ao disco: Melhor Álbum do Ano e Melhor Álbum Folk), e Daniel Lanois dá um show colocando a voz de Dylan milésimos à frente dos instrumentos, rebeldes, nervosos, e tudo soa puro farrapo: “É tão triste ver a decadência da beleza”, canta Dylan, concluindo: “Mais triste ainda é sentir seu coração sendo arrancado”.
Com a banda na mesma pegada desconstruída, nervosamente jazzy & blues, “Can’t Wait” trata o amor como uma condenação. Para encerrar, a mais longa faixa cantada por Dylan em um álbum de estúdio, e assim que terminou a sessão de gravação de “Highlands”, um cara da gravadora perguntou: “Bob, você tem uma versão curta dessa canção?”. E Bob respondeu: “Essa é a versão curta!”. São 16 minutos e 32 segundos (e ele não estava brincando: há uma versão de 27 minutos dessa mesma canção!) de um blues lento que vai num crescendo suave enquanto Bob narra acontecimentos nonsense, como estar ouvindo Neil Young e ter “que aumentar o som”, ou estar em um restaurante em Boston sem ter ideia do que quer comer. É a típica canção interminável (Bob já fez várias dessas), em que o verso atual puxa um próximo verso e assim por diante, encerrando um álbum grandioso, marcado pela dor, pelo desamor e pelo envelhecimento. Sucesso de crítica e público, “Time Out of Mind” foi o primeiro álbum de Dylan no Top 10 dos mais vendidos da Billboard em quase 20 anos (o último havia sido “Slow Train Coming”, em 1979) e inaugura uma nova fase na carreira do bardo. Assim como “Oh Mercy”, Dylan, no entanto, não ficou tão satisfeito com o resultado da produção de Lanois (ou, como alguém certa vez escreveu – sobre “Chaos and Creation in the Backyard”, o último grande disco de Paul McCartney, produzido pelo genial Nigel Godrich: um bom produtor tira qualquer artista de sua zona de conforto, mas poucos grandes artistas estão dispostos a esse exercício de caos e criação), e passará a produzir ele mesmo seus futuros discos de estúdio.
Ps. Segundo o amigo @garrasverdes (do Selo 180) no Instagram: “Em vinil, teve uma tiragem pequena na época do lançamento e ficou anos fora de catálogo. Custava uma fortuna. Mas a procura era tamanha que pintaram umas prensagens piratas (em vinil colorido/marmorizado). Alguns anos atrás o selo Music On Vinyl reeditou o LP duplo oficialmente”
abril 6, 2018 No Comments
Algumas palavras sobre o Miranda
A pedido da SIM São Paulo, escrevi algumas palavras sobre o amigo Carlos Eduardo Miranda, que nos deixou recentemente:
“Se não existisse o Miranda, talvez a história do rock brasileiro a partir dos anos 90 fosse completamente outra”, escreveu Samuel Rosa (Skank) no Instagram. “Perdemos nosso Guru da música e arte, um homem sem fronteiras, explorador do estranho, esquisito e legal”, disseram os Raimundos, no Facebook. “Talvez você não saiba, mas, nos últimos 25 anos, sua vida tem sido influenciada pelo Miranda”, pontuou o músico Giancarlo Rufatto, no Twitter, no dia em que as redes sociais se uniram para saudar a sabedoria de Carlos Eduardo Miranda, falecido na quinta-feira, 25, aos 56 anos.
Miranda era tudo isso… e muito mais. Em sua coluna de estreia, na saudosa revista General, de dezembro de 1993, após anos escrevendo na revista Bizz, ele batia no peito e escancarava em tom de bravata: “Como inventei o rock gaúcho”. Ironicamente, naquele mesmo momento ele estava “inventando” o rock nacional dos anos 90. Enquanto toda a indústria fonográfica da época estendia um tapete vermelho para a música sertaneja e arremessava pás de cal sobre o rock, Miranda estava cercado de fitas K7 arquitetando a revolução que lançaria, através do selo Banguela Records (em parceria com os Titãs), nomes como Raimundos, Mundo Livre S/A, Little Quail and Mad Birds, Graforréia Xilarmônica e Maskavo Roots. Era só o primeiro passo.
“O contrato dos Raimundos foi assinado numa roda de chopp, num barzinho em Ipanema”, relembrou ele em outra coluna da revista General. “O Little Quail, um dia depois do Mundo Livre S/A, também assinou na praia e em mesa de bar. Dessa vez no Leblon. Mais um dia e eu comemorava a assinatura do Graforréia Xilarmônica com uma cervejada no Timbuca, na Assunção, em Porto Alegre. Na beira do rio Guaíba, arquibancada para o mais tradicional pôr-do-sol sulista e brodagens gerais”, completava Miranda para, no parágrafo seguinte, cantar a bola do verão 94/95: “Por sinal, o Maskavo Roots vai se dar bem nesse verão. Eles, o Skank… É reggae na cabeça”. E não é que o Velhinho estava certo?
Ele não parou. Muito pelo contrário. Depois de virar os anos 90 do avesso, Miranda adentrou o novo século arquitetando outro belo movimento de xadrez no tabuleiro da música brasileira. E quando a Internet começou a se tornar realidade em um Brasil ainda navegando em conexões discadas, lá estava ele à frente da Trama Virtual, uma plataforma gratuita focada em música independente que criou um espaço para novas bandas mostrarem seu trabalho. De Teatro Mágico a Móveis Coloniais De Acaju, de Hateen a Vanguart, de Jupiter Maçã a Fresno (que ocupou por muito tempo as paradas da plataforma), de Nuno Prata (Portugal) a Cansei de Ser Sexy, que foi a primeira banda a lançar um disco pelo selo, para depois se transformar em um sucesso mundial.
Se um é pouco e dois é bom, três “é só alegria”. No mesmo momento em que começava a se tornar um nome reconhecido nacionalmente através de programas de TV, Miranda também iniciava um relacionamento amoroso pela música paraense que renderia muitos frutos: ele dirigiu as três edições do Terruá Pará, projeto grandioso envolvendo dezenas de músicos da região que aconteceu nos anos de 2006, 2011 e 2013, sendo que, nesse último ano, o show foi eleito como o melhor projeto especial na categoria Música Popular, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Depois trabalhou nos discos de Gaby Amarantos, Jaloo e Sammliz. Já à frente do selo StereoMono, também lançou Mahmundi e Boogarins. Miranda não era apaixonado por um estilo de música, mas sim pela música como um todo, por qualquer boa música.
Mas muito mais que músico, jornalista, crítico, produtor, curador, agitador, dono de selos (além do Banguela Records, Miranda montou a Excelente Discos, que lançou o Virguloides – do hit “Bagulho no Bumba” – e também o Acabou La Tequila, influência assumida de outro grupo que faria sucesso nos anos 2000: Los Hermanos) e jurado de programa de TV, Miranda foi um dos maiores articuladores e influenciadores que a música brasileira já teve. Por trás das câmeras, era um pesquisador incansável de novos sons e acompanhava atentamente a carreira dos jovens artistas que admirava. Fonte inesgotável de boas ideias, se tornou uma espécie de guia e referência para quem criava ou produzia no mundo musical. Tem um projeto novo? Pergunta pro Miranda o que ele acha. Escreveu uma música nova? Manda pro Miranda dar uma escutada. E ele sempre tinha a resposta certa pra dar, como um bom amigo.
Se não fosse ele, a música brasileira não teria alcançado muitos dos níveis de criatividade que alcançou nos últimos 30 anos. Miranda ajudou a mudar o mercado muitas vezes, injetando sabedoria, humanidade e bom humor. “Eu acho que não conheço outra pessoa que mudou tantas vidas como ele”, comentou Adriano Cintra, ex-Cansei de Ser Sexy, em seu Facebook. “A minha com certeza ele mudou”, completou. A sua também, caro leitor, pode acreditar.
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. E junto com os amigos Marcos Bragatto, do site Rock em Geral, e Rodrigo James, do Esquema Novo, gravamos um vídeo mais emocional contando nossas histórias e nossos álbuns favoritos produzidos pelo Miranda. Assista abaixo.
abril 5, 2018 No Comments
No show documentário de Wado
Estou ao lado de uma turma sensacional (o saudoso Carlos Eduardo Miranda mais Roberta Martinelli, Zeca Baleiro, Curumin e André Abujamra) falando sobre Wado em intervalos do registro de seu grande show no Rex Jazzbar, em Maceió. Assista abaixo!
abril 5, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 38: MTv Unplugged
Bob Dylan com café, dia 38: Após dois discos de covers de blues rurais, todos os fãs aguardavam um álbum de canções inéditas de Dylan, mas numa pausa da Turnê Sem Fim, Bob adentrou os estúdios da MTv em Nova York nos dias 17 e 18 de novembro de 1994 para gravar um programa Unplugged ao lado da banda que o escudava na estrada mais Brendan O’Brein (posteriormente multiplatinado produtor) no órgão Hammond, o que já entrega um acústico não tão acústico assim (quase praxe na série televisiva), ainda que Bob tenha sugerido apresentar-se solo ao violão – foi dissuadido pelos executivos da MTv. A versão em CD de “MTv Unplugged Bob Dylan” foi lançada em 1995 (o DVD só chegaria ao mercado em 2004), bateu na 23ª posição da Billboard e na 10ª no Reino Unido, e cativa em revisões que atualizam (e ás vezes até amaciam) o repertório do bardo para novas gerações (ao menos em versões oficiais, já que no próximo show ele poderia cantar e tocar tudo de uma forma diferente, novamente e novamente e novamente). Nos dois dias de gravação, Bob Dylan tocou 20 músicas sendo que 12 delas foram oficializadas em CD e DVD (entre outras, ficaram de fora “Everything Is Broken”, “I Want You” e ‘My Back Pages” – os bootlegs “Uncut Unplugged” e “Completely Unplugged” trazem os dois dias na integra).
“Tombstone Blues” (1965) abre o cortejo de forma mais animada e menos urgente do que a original. Na sequencia, “Shooting Star” (1989) mantém a beleza melancólica encontrada em “Oh Mercy”. Sem o impacto das guitarradas, e com o órgão brilhando, “All Along the Watchtower” (1968) ainda cativa. “The Times They Are A-Changin’” (1964) surge totalmente recriada: o que era ação na versão original tornou-se melancolia aqui. Primeira das boas novidade do programa, “John Brown” (1994), uma faixa de 1963 até então inédita, surpreende. “Desolation Row” (1965) soa menos desolada, “Rainy Day Women #12 & 35” (1966) mantém o arranjo original e “Love Minus Zero/No Limit” (1965) surge mais caipira (poderia até ter aparecido em alguns dos dois discos anteriores). Outra surpresa: “Dignity” (1994), sobra poderosa de “Oh Mercy”, ressurge vigorosa e acelerada. Já “Knockin’ on Heaven’s Door” (1973) soa ainda mais poeirenta do que a versão original enquanto “Like a Rolling Stone” (1965), inferior a versões anteriores, é jogada pra galera. Para encerrar, uma emocionante volta ao passado: “With God on Our Side” (1963), outra que troca a urgência de outrora por suavidade melancólica. Mudou o mundo ou mudou Bob? Na verdade, é natural: se com 20 anos queremos mudar o mundo, aos 40 apenas lamentamos melancolicamente o destino das coisas. Afinal, se viver é acumular tristezas, Bob “viveu” bastante e intensamente até aqui… Os dois próximos cafés ampliam o tema.
abril 4, 2018 No Comments
Radiohead, por Simon Reynolds
Pra quem nunca leu, eis o original do texto / entrevista (absolutamente brilhante) do Simon Reynolds sobre “Kid A”, do Radiohead, que saiu na Wire em 2001 e integra a edição brasileira da coletânea “Beijar o Céu”, lançada pela Conrad. Aqui: https://goo.gl/1NzOxo
abril 4, 2018 No Comments
Shipyard retorna renovada ao Brasil
Após um ano ausente das prateleiras nacionais, a Shipyard Brewing, de Portland, no estado norte-americano do Maine, retorna ao Brasil totalmente reformulada, com novas receitas, rótulos, embalagens, levedura e até mestre-cervejeiro! Em novembro de 2017 á cervejaria iniciou um processo de modernização, incluiu mais lúpulos estadunidenses em suas receitas, revisou padrões antigos e passou a utilizar a levedura London III em algumas criações ao invés da tradicional levedura inglesa Top Fermenting English, antes padrão na casa. Boa parte das mudanças dizem respeito à saída do mestre cervejeiro Alan Pugsley, que agora atua no Reino Unido. A equipe que assumiu a casa nos EUA decidiu dar um banho de loja na cervejaria mudando a arte dos rótulos e lançando novidades que apontam para uma nova direção.
Até o ano passado, a Shipyard soava uma cervejaria britânica em solo norte-americano com, excetuando as cervejas da linha Signature Series, mais experimentais e extremas, o catálogo da casa apostando na elegância inglesa em detrimento dos exageros da escola made in USA. Agora a coisa toda muda de figura, e ainda que as receitas recriadas mantenham traços das receitas originais e que a cervejaria não tenha exagerado completamente nas novidades, a sensação é de que a Shipyard deu um passo certeiro com todas as alterações impressionando no copo. A Get – Cervejas Especiais, responsável pela importação da Shipyard, reuniu a imprensa no Empório Alto de Pinheiros para apresentar as novidades do catálogo.
Da linha já conhecida no Brasil, três retornam renovadas: a Shipyard Export (5,1% ABV, 35 IBUs, R$ 17, 355 ml), American Blond Ale hit da casa, que agora surge com lúpulo Cascade mais parrudo, levedura destacada e base de malte marcante. Mais arisca (e mais American) que a versão anterior; a Shipyard Monkey Fist (6% ABV, 50 IBUs, R$ 23, 355 ml) teve alteração nos lúpulos (agora Mosaic, Citra e Cascade) e adição de aveia: ficou ainda melhor do que era; a Shipyard Island Time Session IPA (4.5% ABV, 40 IBUs, R$ 23, 355 ml) teve o acréscimo do lúpulo Citra ao lado de Simcoe e Amarillo, presentes na versão anterior. Vieram também (sem alteração na receita) duas excelentes da Signature Series, XXXX IPA (9.25% ABV, 72 IBUs, R$ 67, 650 ml) e Smashed Blueberry (9% ABV, 40 IBUs, R$ 67, 650 ml), e a deliciosa Shipard Chocolate Milk Stout (5.4% ABV, 30 IBUs, R$ 26, 355 ml).
As novidades são quatro: a deliciosamente tortinha Shipyard Steady (5.1% ABV, 30 IBUs, R$ 25, 355 ml) é uma APA com lúpulos Jaryllo e Equinox mais levedura London III. Bastante mel, pinho e cítrico. Primeira New England IPA da Shipyard, a Finder (7% ABV, 55 IBUs, R$ 36, 473 ml) surpreende com lúpulos Citra, Mosaic e El Dorado, turbidez tradicional, mas mais resinosa do que outras NE no mercado. Está chegando inteiraça em lata de 473 ml. As duas outras novidades são do estilo Porter: Shipyard Vanilla Porter (5.4% ABV, 43 IBUs, R$ 25, 355 ml), com fava de baunilha incrível destacada no aroma, centeio e trigo torrado; e a Shipyard Coffee Porter (4.5% ABV, 24 IBUs, R$ 26, 355 ml), que recebe adição de café orgânico da Costa Rica e exibe percepção de chocolate e café verde intensos! Muito boa.
Além destas versões em latas e garrafas, cinco variedades de chopes da Shipyard chegaram nessa importação, três deles inéditos: Shipyard Ringwood Bitter (5.6% ABV e 35 IBUs), Shipyard Nightwind Winter Ale (5.8% ABV) e Shipyard Little Horror of Hops American Tye IPA (5.9% ABV e 50 IBUs) além de Shipyard Finder e da Shipyard Steady.
*A média de preço tem por base os valores do EAP
abril 3, 2018 No Comments
Dylan com café, dia 37: World Gone Wrong
Dylan com café, dia 37: após a festança de 30 anos com 18 mil convidados no Madison Square Garden e muitos amigos no palco, Bob seguiu seu caminho solitário e se enfurnou, sozinho, em seu estúdio caseiro em Malibu para gravar mais uma leva de canções antigas nos moldes econômicos de “Good As I Been To You” (1992). Lançado em outubro de 1993, “World Gone Wrong” corrige alguns equívocos do álbum anterior tanto quanto soa menos gótico do que ele. Muita gente pegou no pé de Dylan por não creditar autores e fontes das 13 canções regravadas em “Good As I Been To You”. Por isso, em “World Gone Wrong”, ele surge didático num longo texto na contra-capa em que lança luz sobre onde conheceu e quem o apresentou a cada um destes blues rurais que integram o disco. A justificativa de Bob para dois álbuns em sequencia revivendo material caipira é semelhante a que deu para um crítico que o acusou de estar copiando Bruce Springsteen no final dos anos 70: “Não copio sujeitos com menos de 50 anos de idade”, disse. Quase 20 anos depois, Bob repete: “Só escuto música antiga e velhos cantores de blues e country. As pessoas deviam se voltar aos discos antigos para descobrir qual é o verdadeiro lance, pois até mesmo meus discos são de segunda geração”. Assim como fez no disco anterior, Dylan dá um show ao violão enquanto conta histórias antigas.
Na dolorosa “Love Henry”, uma garota mata o amor de sua vida a facadas já que ele não quis ficar com ela e um papagaio que presenciou o crime comenta: “Uma garota que matou seu próprio amor verdadeiro mataria um passarinho como eu”. O dedilhar denso de “Jack-A-Rose” conta a história de uma garota que é proibida pelo pai de se casar com um marinheiro, e se veste como um garoto para se alistar na guerra e seguir o amado. O final feliz é raríssimo nesse repertório – e comovente. Já “Blood In My Eyes” (que, segundo Bob no texto explicativo, é outra canção do álbum a se encaixar na “Nova Idade das Trevas”, que são os “tempos modernos” que estamos vivendo) ganhou até clipe. Em “Delia”, uma canção sobre um cara que mata uma garota que ganhava a vida em jogos de aposta e é condenado a 99 anos de prisão, Dylan parte o coração ao cantar “todos os amigos que já tive se foram”. A sobra de estúdio “You Belong To Me” apareceu na trilha sonora de “Assassinos por Natureza” (editada com as vozes dos personagens). No geral, são canções de amor e morte e desejo e solidão despidas de qualquer distração. É só voz, violão, uma gaita acolá, e, na maioria dos casos, tristeza. Na Mojo, Robert Wyatt definiu com perfeição: “Ouça o que esse homem fez e crie coragem. Como seria ótimo se todo mundo que está se esforçando para encontrar a própria voz parasse de se esforçar e usasse a própria voz”. #FicaDica
abril 3, 2018 No Comments