Dylan com café, dia 49: Modern Times
Bob Dylan com café, dia 49: Cinco após “Love and Theft” (2001), seu último disco de canções inéditas chegar ás lojas, Bob estava novamente em estúdio. Desde “Time Out of Mind” (1997) que Dylan via sua fama atual crescer entre um público mais jovem e ainda que achasse que estava “no inferno do esquecimento cultural”, as paradas o desmentiam: “Time Out of Mind” bateu na 10ª posição dos discos mais vendidos da Billboard enquanto “Love and Theft” chegou no número 5. O documentário “No Direction Home”, de Martin Scorsese, havia jogado mais lenha na fogueira preparando o território para o segundo turning point de Dylan no novo século, apropriadamente chamado de “Modern Times” (2006). Da banda que o acompanhava em “Love and Theft” e na Never Ending Tour restava apenas o baixista Tony Garnier, mas o sucesso daquele disco, com produção assinada pelo próprio Bob (sob o codinome de Jack Frost), fez com que ele novamente assumisse a responsabilidade. Lançado em agosto de 2006, “Modern Times” levava a um novo patamar a discussão de “amor e roubo” do disco anterior roubando (por amor) velhos blues, rocks e countrys de eras passadas e os recriando com novos versos e adaptações melódicas.
Do alto de seus 65 anos, Bob lançava um disco que não era para a molecada dançar na balada urrando as letras (para isso existia um – ótimo – single do Killers) muito menos para ser ouvido enquanto se passa manteiga no pão no café da manhã. Dylan precisa de mais atenção. “Modern Times” é um disco de temática quase antagônica, falando sobre sexo e morte. E também sobre amor. E também sobre um mundo que está se desintegrando na frente dos nossos olhos. Será tudo a mesma coisa? É um disco para se ouvir em um bar acompanhado de luzes que se misturam com a fumaça de cigarro num balé melancólico. Seu autor ousa relembrar que mesmo tendo vivido mais de seis décadas de vida, o mundo continua um lugar imperfeito, solitário e vazio. Mas o próprio, em entrevista ao jornal USA Today, atestava que não há nada de nostálgico no álbum. Ele estava falando do agora, do tempo sombrio que estávamos, todos, vivendo (ainda estamos!). Uma de suas inspirações foi o poeta romano Públio Ovídio Naso, nascido 43 anos antes de Cristo (os livros “A Arte do Amor”, “Black Sea Letters”, “Tristia – Vol 2” e “Tristia – Vol 4” emprestam versos para o álbum).
“Thunder On The Mountain” abre o disco no formato rock clássico, com direito a guitarra solando e um interlocutor que gostaria de saber onde encontrar Alicia Keys. A mesma levada pode ser ouvida na suave “Someday Baby” (uma canção inspirada em Muddy Waters que rendeu a Dylan mais um Grammy) e na soturna “The Levee’s Gonna Break” (também roubada pelo Led Zeppelin no álbum “IV”), com Dylan cantando de forma direta nesta última: “Se continuar chovendo, o dique vai quebrar” (uma ponte com “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”). O bluezaço “Rollin’ and Thumblin” (com jeitão Robert Johnson de ser e também gravada por Eric Clapton em seu famoso discos “Unplugged MTv”) acelera em direção ao rockabilly. De sotaque jazz, “Spirit on the Water” fala de pesadelos. “Eu estou suando sangue”, diz a letra. “When the Deal Goes Down”, cujo clipe traz a musa Scarlett Johansson, é uma balada folk que não revela em sua levada a temática pesada da letra que procura um sentido em estar vivo, e diz a certa altura: “Nós vivemos e nós morremos, e não sabemos porquê”. O clima se acalma na suavidade de “Beyond the Horizon”, que imagina: “Além do horizonte é fácil amar”. Lembra o Rei Roberto em sua fase pós-Jovem Guarda dizendo que “Além do horizonte existe um lugar bonito e tranqüilo pra gente se amar”.
O clima volta a pesar na arrastada “Nettie Moore” e fica ainda mais sombrio em “Ain’t Talkin’”, faixa que encerra o disco com Dylan contando “que não há nenhum altar nessa estrada longa e solitária”. Dentre todas estas, a que merece maior atenção é “Working Man’s Blues #2”, canção que atualiza para os tempos modernos um velho country de Merle Haggard. Enquanto o original versava sobre como o trabalho comprara o espaço da diversão (na letra, após uma semana de batente e muito cansaço, o cara planeja sair para beber uma cerveja quando o pagamento chegar), “Working Man’s Blues #2” avança criticando não só esse capitalismo que vendeu um sonho e acabou, no fim, comprando a alma de todos, mas também suas conseqüências, entre elas a mais visível: a divisão do povo em ricos e pobres. “Working Man’s Blues #2” consegue ser ainda, do alto de seus seis minutos, uma belíssima canção de amor. O resultado: “Modern Times” foi (30 anos depois!) o quarto disco de Bob Dylan a bater no número 1 da Billboard (os outros: “Planet Waves”, de 1974; “Blood on The Tracks”, de 1975; e “Desire”, de 1976) rendendo a ele o raro título de artista mais velho a emplacar um álbum no topo das paradas norte-americanas. “Modern Times” também apareceu no topo de diversas listas de Melhores do Ano (a do Scream & Yell, inclusive – deixando Raconteurs, TV On The Radio, Cat Power e Sonic Youth para trás) e foi a base do show que Bob fez no Brasil em 2008. Bob Dylan nunca havia deixado o cenário da música pop, mas, para muitos, essa foi uma volta aos holofotes. E que volta.
1 comentário
Grande post mais uma vez! Assim como o disco. Comprei meu vinil hoje.
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