Patti Smith, CBGB e Television
Trecho do livro “Só Garotos” (“Just Kids”), de Patti Smith, lançado no Brasil pela Companhia das Letras
“Paramos na frente de um barzinho na Bowery chamado CBGB. Havíamos prometido ao poeta Richard Hell que passaríamos para ver a banda em que ele tocava baixo, o Television. Não fazíamos ideia do que esperar, mas fiquei me perguntando como seria a abordagem de outro poeta do rock and roll. Eu costumava ir àquele trecho da Bowery para visitar William Burroughs, que morava a poucos quarteirões do bar, em um lugar chamado Bunker. Era a rua dos bêbados, e eles costumavam fazer fogo em grandes latões de lixo para manter o calor, cozinhar ou acender seus cigarros. Dava para ver da rua essas fogueiras acesas perto da porta de William, como vimos naquela bela noite pascal.
O CBGB era um salão comprido e estreito com um bar do lado direito, iluminado pelos luminosos de propaganda de várias marcas de cerveja. O palco era baixo, do lado esquerdo, ladeado por murais de fotografias de beldades da virada do século em trajes de banho. Passando o palco, havia uma mesa de bilhar, e, nos fundos, uma cozinha engordurada e uma sala onde o dono, Hilly Krystal, trabalhava e dormia com seu galgo persa, Jonathan. A banda tinha um lado áspero, a música era errática, rígida e emotiva.
Gostei de tudo, dos movimentos espasmódicos, dos floreios jazzísticos do baterista, das estruturas musicais desconexas e orgásmicas. Senti uma afinidade com o estranho guitarrista da direita. Era alto, cabelo cor de palha, e seus dedos compridos e graciosos davam a volta na guitarra como se fossem estrangulá-la. Tom Verlaine definitivamente havia lido Uma temporada no inferno. Entre as entradas da banda, Tom e eu não conversamos sobre poesia, mas sobre os bosques de Nova Jersey, as praias desertas de Delaware e discos voadores pairando nos céus do Oeste. Descobrimos que havíamos sido criados a menos de vinte minutos um do outro, ouvimos os mesmos discos, vimos os mesmos desenhos animados, e ambos adorávamos As mil e uma noites.
Terminado o intervalo, o Television voltou ao palco. Richard Lloyd pegou sua guitarra e dedilhou a abertura de “Marquee Moon”. Era um mundo distante do Ziegfeld. A ausência de glamour tornava tudo mais familiar, um lugar que podíamos chamar de nosso. Quando a banda estava tocando, dava para ouvir o som do taco de bilhar espalhando as bolas, o cachorro latindo, garrafas se chocando, sons de uma cena que emergia. Sem que ninguém soubesse as estrelas estavam se alinhando, os anjos estavam chamando.”
Leia também:
– Um clássico: “Horses”, o primeiro disco de Patti Smith (aqui)
– “Só Garotos” é para todos aqueles que ainda acreditam no amor (aqui)
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