Sobre crítica musical no mundo de hoje
Perguntas de Daniel Fardin entre janeiro e março de 2013
Como você observa o cenário que a crítica musical se insere hoje?
Acredito que é um cenário interessante. A internet, em um primeiro momento, possibilitou que todos tivessem acesso à informação, e muita gente acreditou que a crítica perderia seu valor com isso. No entanto, como o tempo mostrou, o volume de informação é tão grande, que as pessoas começaram a perceber que necessitavam de alguém que lhes dissesse o que é importante ou não ir atrás. O crítico então volta a ter uma função. Ainda assim é preciso lembrar sempre que a função do crítico vai muito além de dizer sem um disco (filme ou livro) é bom ou ruim. Isso qualquer um com um blog faz. É preciso focar no espaço / tempo e entender o que aquilo tem a dizer ao mundo moderno.
Com a internet, onde o leitor pode encontrar praticamente as músicas que quiser e tirar suas próprias conclusões sobre elas, qual é a real função e importância do crítico atualmente?
Aprofundar a discussão. Olhar a música como um objeto de arte que existe há mais tempo que a internet, situar e perceber a sua função dentro da sociedade. A maioria do público para no “gosto” e “não gosto”. Não é por ai.
A internet está cheia de blogs e sites amadores que se propõem a fazer crítica musical das mais variadas formas. O que você pensa sobre o crítico amador?
É possível encontrar um grande texto em um blog da mesma forma que encontrar um péssimo texto em um jornal. Não adianta ter carteirinha de crítico e não saber explorar o mundo, e nesse ponto a internet é de extremo valor, pois abre as portas para muita gente que sabe explorar o mundo sem ter “carteirinha”. O que importa, no final, é a reflexão. As melhores surgem, normalmente, dos lugares mais improváveis.
Pra você a crítica feita na internet e na mídia impressa trabalham de forma diferente, existindo tipos diferentes de crítica para cada meio? O suporte pode interfere na crítica musical?
Interfere principalmente no espaço que cada mídia concede a cada profissional. Fazer uma resenha de mil toques em um jornal limita ao mesmo tempo em que fazer uma de 10 mil em um blog pode ultrapassar o limite. Porém é mais fácil ser conciso com 5 mil toques em um blog do que em uma revista e/ou jornal.
Para você o que o modelo online de cobertura musical trouxe de novo para crítica?
O calor do momento. Uma coisa é você ver um show, chegar ao jornal ou na revista, e preparar um texto que vai sair daqui dois dias ou, vá lá, daqui 20 dias na edição mensal da revista. Outra é você ver o show e escrever. As ideias estão mais frescas e você não tem como rearranjar depois. O que você tem é o aqui e o agora. Ou seja, ou você tem conhecimento ou não tem. Antigamente você tinha mais tempo para pesquisar. Agora tem menos, mas ferramentas mais ágeis (e traidoras – nunca confie cegamente na Wikipedia, regra número 1 – risos)
Ferramentas de indicação musical online, como Last.fm por exemplo, de alguma forma podem substituir o crítico? Como você vê o crescimento do uso desse tipo de ferramenta? Você usa alguma ferramenta do tipo?
Humm, indicação é uma ferramenta que existe desde o começo dos tempos. Você ouve legal, comenta com seu amigo, ele ouve, curte e a vida segue. Isso não é critica. Critica é analisar um objeto de cultura e entender o mundo através dele. Uso Last.Fm como um arquivo de tudo que ouvi. Para pessoas metódicas é um algo excelente. Mas não fico olhando o que as pessoas estão ouvindo. Não tenho tempo nem de ouvir tudo que preciso ouvir…
É necessário que o crítico musical tenha uma vivência na área em que se arrisca escrever?
É necessário pensar. E argumentar bem. Um cara que não tenha vivência e nunca ouviu coisas a fundo pode chegar e dizer que Beatles, por exemplo, é uma porcaria. Um texto bem argumentado e fundamentado pode causar uma boa discussão acerca do tema, mas mesmo para isso é preciso profundidade. Crítica é aprofundar uma visão sobre uma obra de arte que, muitas vezes, o artista talvez nem saiba por que fez. Se ele olhasse para o lado, ao seu redor, para a sociedade, talvez ele entendesse. Artistas, no entanto, são individualistas. Cabe ao crítico tentar entender o que aquela manifestação de arte quer realmente dizer. Arriscar escrever é válido, afinal só se cresce criticamente escrevendo e argumentando. A vivência, no entanto, vem de entender o mundo. Olhando com cuidado qualquer pessoa pode fazer isso. Mas a maioria é descuidada. Por isso existem os críticos (risos).
Uma questão que me surgiu há pouco, pra você, o que motiva o crítico amador a escrever sobre música sem ganhar – a princípio – nada em troca?
Não lembro quem escreveu, mas um jornalista disse certa vez que “parte do prazer da cultura pop é falar sobre ela”. Ainda assim, não posso falar sobre os outros, apenas sobre mim: e eu escrevo apenas por prazer de falar de um disco, de um filme, de um livro. Escrevendo e argumentando entendo melhor o meu sentimento em relação ao objeto de estudo. E, numa outra escala, acabo provocando o leitor a se interessar por aquela obra de arte. Meu interesse número 1, hoje em dia, em que o site é respeitado, é provocar o leitor, tira-lo da zona de conforto oferecendo-lhe visões interessantes, diferentes e mesmo muitas vezes discordantes sobre um objeto tal de arte. Acredito que pensando sobre cultura, uma pessoa pode pensar melhor sobre todo o resto. E o que precisamos é exatamente isso: pessoas que pensem.
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