Festivais: Øya, em Oslo (Dia 1)
Texto: Marcelo Costa
Fotos: Liliane Callegari (veja galeria)
Quem vê a grandiosidade atual do Øya Festival, em Oslo, não imagina que o maior festival da Noruega começou em 1999 com 1200 espectadores. No ano seguinte, o público pulou para 4 mil pessoas, em 2003 já somava 24 mil espectadores , em 2010, alcançava a marca de 85 mil pessoas no fim de semana (com os quatro dias alternando entre 20 e 25 mil pessoas, dependendo da atração), que vem se mantendo desde então. Esse público se divide em uma grande área que recebe (este ano) 96 atrações divididas em cinco palcos (um deles, uma tenda para apresentações intimistas, debates e discussões sobre os rumos da música norueguesa).
As atividades do festival não se restringem ao primeiro parágrafo, e muito menos ao ambiente do Tøyen Park, no lado leste de Oslo: em todos os dias do festival, 23 casas noturnas da cidade recebem bandas norueguesas em seus palcos. A programação para esta quarta-feira, por exemplo, vai do som minimal synthpop do Blå, passando pelo folk de Janne Sea, pelo alternativo de Fay Wildhagen e pelo pop do Pow Pow até chegar ao hardcore do Haraball, o post metal do Kollwitz, o doom metal do Tombstones, o thrash do Condor e o kraut do Astro Sonic. Definitivamente, tem shows para todos os gostos (e, principalmente, bolsos).
Quem não é cidadão escandinavo (nascido ou imigrante) pode levar um tremendo susto ao conferir os preços da região, e olha que já existiram festivais brasileiros que conseguiram superar os R$ 900 do passe para os quatro dias do Øya Festival. A coisa fica feia no quesito bebida alcoólica, taxadíssima na região: um copo de chope na área do evento custa nada menos que R$ 30 – um hambúrguer sai por R$ 35, um baldão de pipoca por R$ 20, um prato de nachos por R$ 35 e um fish & chips, R$ 40. As lojas de discos vendem vinis novos das atrações do festival com preços entre R$ 60 e R$ 80 e as camisetas oficiais custam, em média, R$ 80.
O público é o mais variado possível, e num primeiro momento surpreende a quantidade de pais de família com filhos pequenos (de 1, 2 e 3 anos – todos com fones de proteção de ouvido – até moleques) presentes no recinto. O Tøyen Park fica exatamente ao lado do Museu Munch (grande pintor norueguês, responsável pelo quadro “O Grito”, de 1893, entre outros) e parece ter caído como uma luva para o festival, que mudou-se para cá neste ano (a produção precisou mudar o endereço do festival após 13 edições no Medieval Park porque a área do metrô que o atendia está em reconstrução, e isso prejudicaria o deslocamento do público).
As atividades do Scream & Yell no dia foram abertas pelo combo norueguês Atlanter, que subiu ao palco acompanhado das compositoras Hanne Kolstø e Anne Lise Frøkedal, somando três guitarras no palco (e oito integrantes) e dando vida a um projeto que estreou ao vivo em fevereiro deste ano – e já ganhou um EP, “Temple”, lançado em junho. Ao vivo, a junção de três nomes badalados da cena musical local soa mezzo kraut rock e mezzo progressivo (Yes do começo) com vocais melodiosos (meio The Byrds), uma aparente salada sonora que, por incrível que pareça, não soa indigesta. Nada de novo, mas, ainda assim, um bom show.
Enquanto isso, a tenda Biblioteket, um projeto resultante da parceria da Biblioteca Pública da cidade com duas casas de shows, recebia uma palestra de Benedikt e Kristoffer Momrak, dois ex-integrantes da banda Tusmørke. Pelo que deu para (não) entender, o bate papo – que divertiu bastante a plateia e tinha como fundo o rock norte-americano dos anos 50 – era sobre ervas mágicas do Jardim Botânico (ou alguma coisa muito doida nesse sentido). Do lado de fora, uma barraca vendia sorvete e sanduíche de carne de alce desfiada. O dono, bastante solicito, não pestanejava em agradar o cliente: “Quer um copo de leite?”. Já que é de graça…
Quer ver o Rival Sons, grupo de classic rock dos anos 70 nascido em 2009 em Long Beach? Venha para a Escandinávia no verão. Ano passado eles se apresentaram no Norweggian Wood, aqui mesmo em Oslo, e dessa vez foram escalados para o primeiro dia do Øya. Noruegueses caíram na farsa, e consta que brasileiros também, mas a banda é datada, bocejante e mais apelativa no abuso dos clichês que qualquer Pearl Jam cover (ou melhor, Stone Temple Pilots cover) que já tenha pisado no palco do Café Piu Piu, em São Paulo. Jay Buchanan, o vocalista, é 10 vezes mais afetado que Axl Rose… sem um centésimo do talento. Tristeza.
No palco Vindfruen, exatamente ao lado do palco principal, o músico norte-americano Jonathan Wilson tentava provar que todo o blá blá blá sobre seu álbum “Fanfarre” (2013) era digno, e não fruto de sua carteira de serviços prestados no mundo pop (de produtor de álbuns de Father John Misty e Dawes a participações em álbuns de Elvis Costello, Autumn Defense e Erykah Badu, entre muitos outros), e o que pode se dizer é que ele sobrevive bem no palco, mas ainda precisa comer bastante sucrilhos para ser comparado a gente como Tom Petty, Graham Nash e Jackson Browne. Deixem o menino (de 39 anos) seguir em frente.
Voltando no tempo, ali pelos idos de 2008, quando excursionava pela Europa divulgando o disco “Boxer” (2007), um excelente álbum, ainda que uns dois degraus abaixo das obras primas “Alligator” (2005) e “Sad Songs for Dirty Lovers” (2003), o The National era então uma das melhores bandas no mundo sobre um palco. O epiteto não vale para os dias de hoje apenas porque o grupo de Matt Berninger colocou paletó e gravata nos arranjos a partir de “High Violet” (2010), e as canções outrora únicas pareceram, desde então, seguir uma fórmula óbvia de “silêncio + explosão” que foi se desgastando com o tempo e perdendo brilho.
Dói escrever isso, principalmente depois da aula de bom humor do obrigatório documentário “Mistaken For Strangers” (2013), mas seis músicas de “Trouble Will Find Me” (2013) e quatro de “High Violet” num set list de 14 canções soam um erro descomunal (ainda que das quatro de “High Violet”, duas sejam as pérolas “Bloodbuzz Ohio” e “Terrible Love”) num show que ainda depende da atuação arrepiante de Matt para ser salvo. É ele quem pula no meio do público e canta “Mr. November” carregando um garoto de uns 13 anos nas costas a canção inteira, e arrasa no vozeirão entoando “Fake Empire”. Por alguns minutos, parece 2008. Saudade.
Um dos shows mais esperados do dia (para os noruegueses) era o de Thomas Dybdahl, nome de bastante sucesso da música do país neste novo século. Já comparado com Nick Cave e Jeff Buckley, ao menos por este show pode-se dizer que as comparações são equivocadas e, principalmente, exageradas. Com boa vontade dá para pintar o retrato de um James Taylor nórdico breguinha da fazenda, e olhe lá. O público, porém, cantou boa parte das canções de forma apaixonada e aprovou o show, que teve lá alguns momentos interessantes embalados numa proposta feita e refeita um bom par de zilhões de vezes.
Fechando o palco principal, a segunda passagem da turnê “…Like Clockwork” por Oslo (a primeira foi em dezembro de 2013) começou a 300 por hora com Michael Shuman disparando no baixo a linha inconfundível de “Feel Good Hit of the Summer”. No tradicional break do meio da canção, em que a melodia vai sumindo, Josh Homme começou a cantar “Never Let Me Down Again”, do Depeche Mode, até puxar a fila de narcóticos novamente: “Nicotine, Valium, Vicodin, marijuana, ecstasy and alcohol: Co-co-co-co-co-cocaine”. Como num passe de mágica, a ligação com “The Lost Art of Keeping a Secret”, do álbum “Rated R” (2000), foi mantida. Festa.
Antes de começar a terceira, Josh avisou: “Essa é uma música bem velha”. E “Avon”, do primeiro disco do Queens (1998), surgiu no set list para delírio dos fãs mais antigos. O show, dai em diante, foi absolutamente impecável. “My God Is the Sun”, que estreou no Lolla Brasil de 2013, está ainda mais densa. “I Sat by the Ocean” perdeu um pouco de corpo e ganhou mais sujeira. Com Josh ao piano, “…Like Clockwork” foi um dos momentos de destaque na noite. O empolgante coro da galera antes de começar “Burn the Witch” pegou Josh de surpresa, e o vocalista não resistiu e brindou ao público… com uísque (na terra do álcool 4.7%).
Por duas vezes, Homme pediu: “Acendam as luzes: quero olhar para vocês! Que noite linda, hein”. O caminhão de hinos não ficou de fora: “Monsters in the Parasol”, “Little Sister”, “Make It Wit Chu”, “Sick, Sick, Sick”, “Go With the Flow” e “No One Knows” fizeram a festa dos 20 mil presentes, que puderam ver como Jon Theodore fez o som da banda crescer e ganhar inflexões (só ele consegue fazer a bateria de “No One Knows”, um momento mágico de Dave Grohl, soar no palco como no disco). O respeito que o músico conseguiu dentro da banda é tamanho que o show termina com uma versão cacetada de “A Song for the Dead”, com direito a solo de bateria de Theodore, após uma hora e meia de porrada. Impressionante. E perfeito. Que show.
O Øya Festival continua nesta quinta com mais 23 shows. Nos vemos amanhã.
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