The Queen is Dead, Boys
Partindo para as “últimas” 200 páginas de “The Smiths – A Light That Never Goes Out, A Biografia”, de Tony Fletcher, o trecho que mais gostei até agora tinha que ser sobre uma das canções (e, principalmente, letras) que mais gosto da banda, “The Queen Is Dead”, que, segundo o biografo (e eu concordo), “passou a ser reverenciada como a melhor performance de estúdio dos Smiths”.
Como acontece com várias canções da banda no livro, Fletcher decupa a produção da faixa acrescentando detalhes interessantíssimos (como o fato do produtor Stephen Street ter cortado um minuto da canção – que pode ser ouvida na versão “original” no vídeo acima no post – às vésperas de entregar as masters para os advogados na pendenga Morrissey x Rough Trade, e isso ter ampliado o impacto da música, que, ainda assim, tem 6h24 de duração, e abre o disco).
Sempre lembro de um texto do José Augusto Lemos em alguma Bizz falando sobre “Rank”, o então álbum póstumo ao vivo dos Smiths: “Engrossado pela guitarra de Craig Gannon, o quarteto original decola com The Queen Is Dead, na fina fronteira entre o hard e o heavy… mas qual desses dois territórios já ostentou uma letra assim… “letrada” ?
E a letra de “The Queen Is Dead” (esmiuçada no livro) é talvez um dos pontos altos da carreira de Morrissey, aquele momento em que você saca que o cara não era “apenas” um letrista vocalista, mas estava acima, bem acima dos outros que o circundavam. Cortando para 2014 e olhando para os lados, é triste perceber que ninguém (seja no Brasil, seja fora) consegue falar de política e pobreza e família e tudo o mais como Morrissey fala nessa letra (se pegarmos as letras de todas as músicas lançadas em 2013, tirando um ou outro – Apanhador Só e Deolinda, por exemplo – parece que vivemos em um paraíso, mas não é bem assim que as coisas estão).
No livro, Tony cita um ensaio em que um cara compara, de forma brilhante, Morrissey com Thatcher, e depois conclui que, enquanto Thatcher era “notoriamente quase desumanamente desprovida de humor”, Morrissey estava “entre as estrelas mais espirituosas que o pop produziu”. E, novamente, “The Queen is Dead” surge como exemplo, como quando Morrissey imagina o Príncipe Charles vestido de mulher na capa do Daily Mail ou se imagina invadindo o palácio e confrontando a rainha, que diz:
“Ei, eu te conheço, e você não sabe cantar”
E eu disse: “Isso não é nada. Você devia me ouvir tocando piano”
Duas frases definitivas:
“Has the world changed, or have I changed?”
E “a narrativa visual que progredia retratando uma Grã-Bretanha varrida pela chuva, entorpecida pela sua subserviência à realeza, à religião ao álcool e às drogas, um local onde uma companhia é convidada a dar um passeio para conversar sobre coisas preciosas como ‘amor e lei’ e não poesia, mas ‘pobreza’ – um local onde, no fim, “Life is very long, when you’re lonely”.
Foda. Sinto falta de letras assim… (e de letristas que percebam o mundo além do eu e do ele/ela).
abril 9, 2014 No Comments