New Orleans: Jazz Fest e Black Francis
O domingo na cidade mais populosa da Louisiana (que, por jogos políticos, não é a capital, cedendo a posição para a vizinha Baton Rouge) amanheceu ensolarado, mas com um vento cortante sabe se lá de onde veio. E o vento fez questão de acompanhar todo o último de dia de shows do New Orleans Jazz & Heritage Festival, sétimo na contagem da edição 2013. Um bom público voltou a se dirigir para o Fair Grounds Race Course, mas o jóquei não chegou ao nível de lotação extrema da véspera. Ainda bem. Mesmo assim, muita, mas muita gente.
Para baixar as cortinas da edição 2013, a organização escalou a banda mais quente dos últimos dois ou três anos, Black Keys, para o palco principal, e novamente (pela terceira vez na minha contagem pessoal), o duo de Ohio não correspondeu. O número de canções para deixar o público sem ar de tanto pular e gritar é imenso, mas o som baixo, e prejudicado pelo forte vento, colocou a apresentação da dupla no limbo. Já passou da hora da dupla contratar um técnico de som de verdade. Alguém, por favor, passa o telefone do cara do QOTSA?
Dois dias de festival me fizeram acreditar que este não é um lugar para você ir atrás dos grandes shows. Primeiro porque as áreas ficam superlotadas; segundo porque o barro é intenso, e é preciso sujar a camisa para ficar próximo do seu ídolo; e terceiro, e mais importante, porque os palcos Blues, Jazz e Gospel promovem apresentações catárticas e inesquecíveis, e vale muito valoriza-los. Não é que você não deva ir no festival, muito pelo contrário: você TEM que ir para New Orleans, e, se possível, aproveitar o festival, mas fuja dos grandes nomes.
Desta forma, esqueça o Black Keys, porque 50% do que passou pela tenda gospel foi muito, mas muito melhor do que a show de Dan Auerbach e Patrick Carney (estou falando pelos shows que eu vi, mas coloco meu terço no fogo e acredito que 100% das pessoas que passaram pela tenda honraram mais a camisa). E se eu morasse em New Orleans (ou se eu vier a morar), anotem: frequentarei mais a igreja. Um show atrás do outro de fazer Jesus abrir o sorriso e o corpo sacolejar com batidas fortes de funk, soul e blues em alta voltagem.
No palco Jazz, o patriarca Ellis Marsalis (pai de Branford e Wynton), do alto de seus 78 anos, mostrou elegância e competência ao comandar, no piano, um trio refinadíssimo. O som beliscava a bunda da garota de Ipanema da Bossa Nova, e partia num crescendo instigante. A banda formada por Jason Marsalis, na bateria, pelo baixista Jason Stewart e pelo saxofonista Derek Douget, atendeu as provocações do mestre construindo com leveza e descontruindo canções como “Love For Sale” e “Invitation”, dois números de Thelonius Monk.
Quem também colocou o jazz no pedestal mais alto dos shows do domingo foi o estiloso quarteto de Wayne Shorter, com uma apresentação que valorizou a improvisação numa pegada meditativa, daquelas que o silêncio reverente dos presentes só fez aumentar a emoção do show. Do lados dos pastores, destaque para Cyntia Girtley e a impressionante apresentação de Val & Love Alive Mass Choir, com vocalistas deixando o coral para colocar todos na tenda (que começou a encher conforme a pregação aumentava) de pé e batendo palmas. Bonito.
Momentos bonitos também foram vistos no show da New Orleans Classic R&B, que levou veteranos da cena local para o palco, e também para o som irlandês da Savoy Family Cajun Band, que fez uma porção de velhinhos arrastarem os sapatos na frente do palco. No quesito comida, não consegui encarar o sanduíche de carne de jacaré, mas me alimentei pelo dia todo com um prato de arroz, feijão e calabresa à Louisiana (só depois de muito tempo encontrei a tenda de tomates verdes fritos, e quem gosta de ostras tem que vir ao festival!).
Aproveitei o último dia do New Orleans Jazz & Heritage Festival para conhecer a estrutura do festival, e caminhar por tendas que vendiam livros (sobre música, culinária, fotografia e mais, alguns com tarde de autógrafos), CDs (de todas as bandas que se apresentam no festival) e até pela agência do correio montada no Jóquei, caso alguém queira despachar ali mesmo alguém presente adquirido nas dezenas de barracas do festival. A sensação é de que, em termos de eventos de música, o Brasil está a 10 mil anos luz de distância. Uma pena.
O saldo final foi bastate positivo, mas mais interessante que o Jazz Fest é a própria New Orleans, uma daquelas cidades que dá vontade de cutucar os amigos e encher o saco dizendo “conheça, conheça, conheça”. Tanto que o melhor show do fim de semana não aconteceu no Jóquei da cidade, mas sim em uma salinha com ingressos sold out totalizando 100 felizardos que tiveram a oportunidade de conferir Reid Paley contar piadas e ótimas canções enquanto Frank Black, apenas de voz, guitarra e camiseta sem mangas, mostrava canções do Pixies.
Black Francis começou só com “Wave of Mutilation”. Só. Do Pixies vieram ainda “Mr. Grieves”, “Gouge Away”, “Velouria”, “Monkey Gone To Heaven” e “Where Is My Mind?” enquanto a carreira solo trouxe pérolas de várias épocas como “I Heard Ramona Sing” (1993), “Abstract Plain” (1994), “Six-Sixty-Six” (1998), “Bullet” (2001), “California Bound” e “The Black Rider” (2002), “Another Velvet Nightmare” e “Sing for Joy” (2005), “Tight Black Rubber” (2007) além de três em dueto voz e guitarras com Ride Paley, como a ótima “Ugly Life” (2010). Finito o show, hora de partir sorrindo para o hotel e já com saudade de New Orleans…
Leia mais: Diário de Viagem Estados Unidos 2013 (aqui)
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