Dia 1: na capital da música country
“Parece uma cidade cenográfica”, diz Lili assim que descemos a Second Avenue em direção a Broadway. São pouco mais de 10h de sexta-feira, acabamos de chegar de viagem e nosso check-in só será liberado às 13h. A arquitetura com resquícios de Velho Oeste, mas muito bem cuidada, e a praticamente não existência de pessoas na rua faz com Nashville pareça uma cidade fantasma, mas ali pelas 11 e pouco da manhã já começam a soar, em alguns dos diversos pubs do centro, a batida country que é marca registrada da cidade (e movimenta seu turismo), deixando a certeza: Nashville é uma cidade noturna, e acorda tarde.
Fundada em 1779, Nashville mudou seu rumo na história quando, em 1927, uma emissora de rádio tirou o programa diário que tinha sobre ópera colocando no lugar algo mais popular, uma música então chamada de Barn Dance, que nada mais é do que a música country, estilo facilmente identificável na cidade, seja na voz das garotas que lotam as calçadas sonhando em ser a próxima Taylor Swift, seja nas dezenas de lojas de botas de couro ou nas imagens de velhos ícones como Elvis Presley e Johnny Cash.
Impressionantemente bem cuidado, o centro da cidade reflete a renovação urbana e econômica proposta nos anos 90 pelo então prefeito (e depois governador) Phil Bredesen. É ele o responsável pela construção do Country Music Hall of Fame and Museum (de desenho piegas em forma de piano, cujo “anexo”, em forma de violão, é quase três vezes maior que ele e deve ser inaugurado em 2014), da Nashville Public Library e da enorme Bridgestone Arena (que no próximo dia 03 de maio receberá Black Keys e Flaming Lips em show conjunto).
Após nos entregarmos aos prazeres das sodas (há uma loja sensacional de refrigerantes na esquina do hostel), decidimos enrolar no Hard Rock Café (“Eu devo isso para aquela Lili de 13 anos”, justifica ela). Logo em frente há um Rock Bottom, uns dos pubs mais bacanas que conheci na viagem anterior (e que irei bater ponto novamente logo logo), e a movimentada Broadway Avenue ainda traz, em suas esquinas, um Johnny Cash Museum (esqueceram do museu e só trouxeram o gift shop) e uma sensacional loja de doces especializada em… maçã caramelada.
Após fazer o check in e tentar colocar o sono levemente em dia por cerca de duas horas, partimos para o primeiro destino turistico da cidade: a Third Man Records, a loja que Jack White abriu em Nashville em 2009, e vende compactos e vinis de sua gravadora além de farto material de badulaques. Menos de 20 minutos caminhando e cá estamos em frente a um prédio nas cores preta, vermelha e amarela. É preciso tocar a campainha para que Jenna, uma ruiva de meias arrastão e muita simpatia, abra a porta. A loja é pequena, mas seus dois ambientes são impecavelmente decorados, e é possível deixar uma boa grana aqui!
Consigo resistir a comprar a vitrolinha portátil do selo (US$ 160 dólares – acho que encontro uma melhor e mais em conta em Nova York), e fico frustrado ao saber que a cabine individual para gravar compactos não está disponível, mas enquanto rola o vinil branco de “Elephant”, do White Stripes, no som, separo camisetas, um vinil de uma session do Cold War Kids nos estúdios da Third Man (US$ 15), um single do Raconteurs e namoro o exemplar em vinil azul transparente do disco ao vivo recente que Jack White prensou para os sócios do fã clube da loja, que não está à venda.
Num corredor todo vermelho há discos de ouro do White Stripes na parede (namoro também o box “Under Great White Northern Lights”, que está US$ 175 enquanto tento entender um “revolucionário” novo toca discos da casa – veja aqui). O registro de um show de Jerry Lee Lewis na frente da loja custa US$ 16 em CD e US$ 15 em vinil, e uma estampa de camiseta à venda no mostruário avisa: “Vinyl Is Killing the MP3 Industry”. Cerca de seis pessoas superlotam a lojinha, e duas mulheres conversam com Jenna: “Como é o Jack White?”, elas querem saber. “Amazing”, responde a vendedora.
É fim de tarde e começa a garoar insistentemente. Decidimos nos recolher para aguardar o horário do show que Cory Chisel and the Wandering Sons. O local é o Mercy Lounge, um prédio com dois palcos e vários bares temáticos. Quem toca hoje no palco maior, The Cannery Ballroom, com ingressos sold out é o The Weeks, banda de southern rock de Jackson, Mississipi. Cory Chisel irá se apresentar no palco menor, The High Watt, e pouco mais de 100 pessoas (com média de idade de 30 anos) estão no local bebendo Brooklyn Lager e Fatwire Amber Ale (US$ 4,50 a lata, preço de balada). O local lembra o Studio SP, apesar do palco estar (corretamente) no fundo da casa, e não no meio, e da infra e som serem muito melhores.
Um trio comandado por Derek Hoke abre a noite repetindo de forma competente algo que Elvis fez em 1957 (ainda assim, a boa cover de “Houses of The Holy”, do Led, merece registro). Cory Chisel é figurinha fácil por ali. Conversa com todo mundo, fica na lojinha (que, na verdade, é uma mala com vinis, CDs e camisetas – US$ 15 os vinis, US$ 10 os CDs) e bebe as três primeiras doses de uísque Jameson da noite. De repente, Brendan Benson aparece e se porta como “gente como a gente”. Conversa a animadamente com amigos, abraça Cory Chisel e assiste ao show sossegadamente do nosso lado.
No palco, as canções de “Old Believers” causam alvoroço (antes deste há outros cinco álbuns – desde 2004), e o suporte da loirinha Adriel Harris (a Laura Lavieri dele) se destaca. No momento mais inusitado da noite, Cory diz que irá tocar uma canção em homenagem ao cara que estampa a porta do banheiro masculino da casa (no feminino está Debbie Harry), o que parece deixar uma interrogação na testa de alguns, que por fim pedem um cover de Bruce Springsteen. Cory bate o pé e manda uma boa versão de “Guns of Brixton”, do Clash. “I’ve Been Accused”, “Born Again” e um reggae safado (“Brendan me disse que eu nunca mais voltaria o mesmo de lá: não sei se ele estava dizendo da Jamaica ou de Nashville”, brincou) renderam alguns dos grandes momentos da noite.
Na saída, a chuva aperta, mas o Mercy Lounge fica numa bocadinha e de difícil aceso. Decidimos arriscar até a avenida, e conseguimos arranjar um taxi. O motorista nos pergunta de onde somos e assim que digo que somos do Brasil, ele emenda: “Nas últimas três horas peguei um cara de Israel e depois um da Finlândia. E agora vocês do Brasil. Neste taxi!”, se surpreende. Não há melhor maneira de dizer que Nashville é uma cidade turística, não é mesmo.
Leia mais: Diário de Viagem Estados Unidos 2013 (aqui)
1 comentário
[…] neon, as diversas músicas soltas no ar, incluindo a de músicos de rua extremamente habilidosos. De fato tudo é meio cenográfico. Ainda assim é muito […]
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