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O dry martíni, por Luis Buñuel

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“Meu drinque favorito é o dry martíni. Considerando o papel primordial que ele desempenhou em minha vida, vejo-me obrigado a dedicar-lhe uma ou duas páginas. Como todos os drinques, o dry martíni é uma invenção americana. Compõe-se essencialmente de gim e gotas de vermute, de preferência Noilly-Prat.

Os autênticos aficionados, que apreciam seu dry martíni bem seco, chegavam a dizer que bastava deixar um raio de sol atravessar uma garrafa de Noilly-Prat antes de tocar o copo de gim. Um bom dry martíni, diziam certa época nos Estados Unidos, deve se parecer com a concepção da Virgem Maria. Com efeito, sabemos que, segundo são Tomaz de Aquino, o poder gerador do Espírito Santo atravessou o hímen da Virgem “como um raio de sol passa através de uma vidraça, sem quebrá-la”. O mesmo se passa com o Noilly-Prat, diziam.

Mas eu achava isso um pouco de exagero.

Outra recomendação: convém que o gelo utilizado esteja bem frio, bem duro, para não soltar água. Nada pior do que um martíni aguado. Peço licença para dar minha receita pessoal, fruto de longa experiência, com a qual continuo a obter um sucesso lisonjeador.

Guardo tudo o que é necessário no congelador na véspera do dia em que espero os meus convidados, os copos, o gim, a coqueteleira. Tenho um termômetro que me permite certificar-me de que o gelo está numa temperatura de cerca de vinte graus abaixo de zero.

No dia seguinte, quando chegam os amigos, pego tudo o que preciso. Sobre o gelo bem duro despejo algumas gotas de Noilly-Prat e meia colherinha de café de angustura. Agito tudo, depois jogo fora o líquido. Preservo apenas o gelo, que carrega o ligeiro vestígio dos dois perfumes, e sobre o gelo despejo o gim puro. Sacudo um pouco e mais e sirvo. É só isso, mas é insuperável”.

Luis Buñuel, cineasta, morreu aos 83 anos em 1983 deixando um vasto catálogo de obras clássicas, das quais é possível destacar “Um Cão Andaluz” (1928), “Idade do Ouro” (1930), “Os Esquecidos” (1950), “O Alucinado” (1952), “Viridiana” (1961), “O Anjo Exterminador” (1962), “A Bela da Tarde” (1967) e “O Discreto Charme da Burguesia” (1972). O trecho acima é um dos relatos do diretor em seu livro de memórias, “Meu Último Suspiro”, lançado no Brasil pela Cosac Naify. Saiba mais sobre o livro aqui.

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