Posts from — agosto 2012
Três filmes: Retratos do Submundo
“Sid & Nancy: Love Kills” (1986)
Antes de entrar no Sex Pistols, John Simon Ritchie já tinha tocado bateria no Siouxsie and the Banshees e sido cotado para ser vocalista do The Damned, mas Alex Cox não está muito interessado em contar história rock and roll em “Sid & Nancy: Love Kills”, preferindo focar suas lentes na degradação do romance entre o baixista e a groupie mal-encarada Nancy Spungen, casal perfeitamente interpretado por Gary Oldman e Chloe Webb. Ainda assim, alguns fatos históricos do punk rock estão presentes, como o dia em que Sid usou o contrabaixo como um taco de beisebol em um jornalista que havia detonado o Sex Pistols ou a cena épica do famoso show no Tamisa (haviam proibido o Sex Pistols de pisar ao vivo no solo britânico, mas a proibição não dizia nada sobre tocar sobre a água), suavizada pelo romance: enquanto dezenas de pessoas apanham da polícia, o casal sai abraçado atravessando a tudo e todos. Eis o principal problema do filme: não é o amor que mata, mas a relação perigosa do casal com as drogas pesadas, e elas são secundarias na trama (muitas vezes exageradamente estilizadas). Alex Cox, que divide o roteiro com Abbel Wool, sentimentaliza um personagem icônico que simboliza uma Inglaterra decadente, e deu sorte de ter acertado na escolha da dupla de atores principais num filme que sugere dor, perigo, descontrole e violência, mas não as exibe.
“Eu Atirei em Andy Warhol” (“I Shot Andy Warhol”, 1996)
Valerie Solanas foi uma importante militante radical, autora do manifesto “Scum”, no qual pregava o extermínio de todos os homens da Terra. Os três tiros que disparou contra Andy Warhol em junho de 1968 são o capítulo final de sua história (com um epilogo marcado por prisões, depressão e internação em hospitais psiquiátricos), e “I Shot Andy Warhol”, que surgiu como um documentário, busca contar sua gênese, com flashs de uma infância difícil e uma passagem destacada pela Faculdade de Psicologia, momento em que Valerie se descobre lésbica e parte em direção ao submundo nova-iorquino, vivendo no mítico e decadente Chelsea Hotel, participando de filmes da Factory, de Andy Warhol, e se prostituindo. A diretora Mary Harron (que quatro anos depois assinaria o genial “Psicopata Americano”) apresenta diversos trechos do polêmico manifesto ao mesmo tempo em que lança luz sobre o desejo desenfreado de Valerie pela fama retratando de forma distante um submundo recheado por drogas, sexo e personagens exóticos. Lou Reed atacou o filme, e não liberou nenhuma canção sua para a trilha, assinada pelo ex-parcerio John Cale (ainda assim o CD da trilha é brilhante com belos covers de Wilco, R.E.M., Luna, Pavement e Yo La Tengo). Destaque para Stephen Dorff, que brilha como o famoso travesti Candy Darling, e Jared Harris (o Lane Pryce de Mad Men) como Warhol em outro filme que tem mais valor histórico do que cinematográfico.
“Boogie Nights” (1997)
Segundo filme da carreira do prestigiado diretor Paul Thomas Anderson (que, posteriormente, filmaria os obrigatórios “Magnólia” e “Sangue Negro”), “Boogie Nights” é um excelente retrato do submundo da indústria pornô no final dos anos 70, começo dos 80. Um jovem bem dotado é descoberto em uma boate por um diretor, e estreia como ator alcançando fama e dinheiro, e junto cocaína. A inspiração de boa parte da trama é o ator John Holmes, ícone pornô que transou com duas gerações de estrelas pornográficas, de Seka e Marilyn Chambers a Ginger Lynn e Ciccolina, tentou uma carreira paralela em filmes de ação (retratada no filme) e se viu envolvido em um assalto (para obter cocaína) que terminou com quatro mortos (passagem também presente em “Boogie Nights”). Com um elenco brilhante liderado por Mark Wahlberg (como o ator pornô Dirk Diggler), Burt Reynolds (como o diretor Jack Horner) e Julianne Moore (como a atriz pornô Amber Waves), e que ainda conta com participações excelentes de Heather Graham, Don Cheadle, John C. Reilly e Philip Seymour Hoffman (entre outros), “Boogie Nights” é uma típica história de ascensão e queda, de pessoas despreparadas para o sucesso em uma indústria perigosamente sustentada pelo proibido, contada com excelência por Paul Thomas Anderson.
Leia também:
– “Magnólia”, de Paul Thomas Anderson, por Marcelo Costa
– “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson, por Marcelo Costa
agosto 6, 2012 No Comments
Três perguntas: Harmada
Acompanho o trabalho de Manoel Magalhães desde o começo de 2005, quando ele me procurou para mostrar “A Mesma Pessoa no Mesmo Lugar”, EP da Polar. O disquinho rodou um bom tempo no CD player daqui de casa naquele ano e no ano seguinte, batemos um papo rápido para o site e a banda acabou. Algumas cervejas depois, Manoel passou pelo Columbia, outra boa banda da safra recente carioca, antes de encontrar Juliana Goulart, Filipi Cavalcante e Brynner Buçard e formar o Harmada, que já lançou um ótimo álbum, “Música Vulgar Para Corações Surdos”, participou do tributo ao álbum “Yankee Hotel Foxtrot”, do Wilco, divulga agora o clipe para a canção “Luz Fria”, e já começa a pensar em material para um novo disco (enquanto se prepara para integrar dois novos tributos, um de metal e outro de pagode!). O disco completo do Harmada você pode baixar aqui, o Tributo ao Wilco aqui, e o clipe de “Luz Fria” você assiste abaixo.
Como anda a família Harmada?
Anda bem, crescendo com o tempo. Acabamos de fazer um show pra bastante gente no teatro Sérgio Porto, o clipe de “Luz Fria” já saiu repercutindo bastante, fomos convidados esse mês para mais dois tributos, um homenageando uma banda de metal e o outro uma banda clássica de pagode, chega até a ser engraçado, né? Mas vai ver acharam que a gente pode transitar com cuidado entre esses mundos. No mais, até o fim do ano queremos lançar um projeto de transformar as 14 músicas do disco em vídeos gravados pela cidade, como fizemos com “Sufoco” e “Avenida Dropsie” para o Música de Bolso. A ideia é documentar um pouco desse clima de metrópole que o disco tem, recebendo a influência direta da cidade na execução das músicas. Queremos fazer também um mini-documentário sobre o disco e já começar a pensar no próximo.
Como foi a produção do clipe para a música “Luz Fria”?
O clipe é o nosso segundo trabalho com a produtora Caos e Cinema, nossos amigos e parceiros aqui do Rio. A ideia inicial veio do diretor, Rodrigo Séllos, que pensava em fazer um clipe com a delicadeza do início do cinema, citando Meliés, que tivesse truques de mágica e brincasse com os efeitos especiais dessa época, isso antes mesmo de assistirmos ao filme do Scorsese ou “O Artista”, mas seria uma produção cara e que demandaria um equipe grande. Um pouco depois ganhamos o edital de Promoção de Novos Artistas, da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, e surgiu a oportunidade de tirar isso do papel. Gravamos na Quinta da Boa Vista, na Praia Vermelha, no camarim do teatro Dulcina e em um pequeno teatro do centro da cidade. A equipe era ótima, recheada de amigos que deram duro pra coisa acontecer, todo mundo dando um jeito de ajudar pro clipe ficar bonito.
O Harmada participa do tributo ao “Yankee Hotel Foxtrot”. O que você achou do tributo como um todo e o que representa o Wilco pra você?
Achei sensacional a ideia do tributo. Ainda mais pelo clima que envolveu a produção, cheia de amigos e feita com cuidado, por fãs apaixonados mesmo. O Wilco é um paradigma pra mim, é o símbolo de uma banda que já vive o nosso tempo e consegue sobreviver fazendo a música que eles querem sinceramente fazer. Acho muito simbólico o lançamento do “Yankee Hotel Foxtrot”, acredito que é o disco da nossa geração. Além de ser contundente no que se refere à estética, com canções pop perfeitas, tudo que envolveu o lançamento (a briga com a gravadora, o vazamento na internet), marcou o começo do que vivemos hoje com os blogs, a força das bandas independentes, todo esse processo, pra mim, tem no “Yankee Hotel Foxtrot” uma espécie de marco zero simbólico, não na questão da falência da indústria, que já é um processo anterior, mas como referência de como as coisas seriam dali pra frente.
Leia também:
– Scream & Yell entrevista Harmada, por Jorge Wagner (aqui)
– O Clube dos Corações Surdos, por Bruno Capelas (aqui)
– “Nós queremos uma vida boa”, por Marcelo Costa (aqui)
– “Yankee Hotel Foxtrot Tribute – A box full of versions” (aqui)
– Doc “I am Trying To Break Your Heart, Wilco”, por Mac (aqui)
– Baixe: “Música Vulgar Para Corações Surdos”, Harmada (aqui)
agosto 4, 2012 No Comments
Assista: Episódio #1 do Music Trends
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Leia também: Os quatro episódios do Music Trends (aqui)
agosto 3, 2012 No Comments
Ouvindo histórias do Bituca
Foto: Marcelo Costa
Milton Nascimento faz show hoje no HSBC em São Paulo, e na quarta-feira se reuniu com alguns jornalistas para falar sobre essa apresentação especial, patrocinada via edital da Natura Musical, que festeja 50 anos de carreira (70 anos de idade e 40 anos do grande álbum do “Clube da Esquina”), e contar muitas histórias. Levei um baile do gravador do novo celular, que não gravou nada, mas Milton também não contou novidades, o que não quer dizer que os 40 minutos de bate papo foram desperdiçados.
Bituca contou algumas histórias que vem repetindo nos últimos anos, mas que ainda assim são deliciosas. Rendeu novamente homenagem para Francois Truffaut (“Compus minha primeira música após assistir “Jules e Jim” no cinema”), para Elis Regina (“Sempre mostrava minhas músicas novas primeiro pra ela”), para Miles Davis (“Não é que ele não gostasse de mim, era só ciúmes por eu ter gravado com Wayne Shorter”) e, claro, para o Clube da Esquina (“Quando Lô Borges pediu uma caipirinha eu percebi que ele não era mais criança”).
A verdade pessoal é que nunca dei muita bola para Milton Nascimento. Na estante tenho apenas o álbum do “Clube da Esquina”, e em vinil tenho mais dois ou três títulos. E só. Em um momento que 20 álbuns de sua discografia chegam ás bancas via Abril Coleções contando boa parte de sua história, e que a turnê comemorativa de 50 anos irá virar DVD, talvez seja oportuno lançar luz sobre esse boa praça que saiu de Minas para conquistar o mundo (levando consigo vários amigos) tocando suas próprias canções. Farei isso.
Foto: Marcelo Costa
Leia também:
– Discos: A Utopia de “Angelus”, por Jorge Wagner (aqui)
– Natura Musical anuncia os contemplados de 2011 (aqui)
agosto 3, 2012 No Comments
Gostar ás vezes é melhor do que amar
“O que resta pra você fazer numa idade em que a maioria da população adolescente de todos os lugares decidiu que você é o cara? A oferta era incrível. Seis meses antes eu não achava ninguém para transar – tinha de pagar, se quisesse muito.
Uma hora não existe mulher nenhuma para mim no mundo. Não tem jeito, elas só ficam no ‘bla bla bla bla’. No instante seguinte, ficam rodeando você sem parar. E então você fica: uau! Quando troquei o desodorante, as coisas definitivamente melhoraram. Então é isso que elas querem? Fama? Dinheiro? Ou é pra valer? E, claro, como você nunca teve chance com mulheres bonitas, começa a ficar desconfiado.
Fui salvo mais vezes por mulheres do que por homens. Às vezes, só um leve abraço e um beijinho, sem mais nada. Só me mantenha aquecido por essa noite, só um segurando a onda do outro enquanto as coisas estão difíceis, quando está tudo uma dureza. E eu digo: “Porra, por que você está se importando comigo quando sabe muito bem que sou um filho da puta e amanhã vou dar no pé?”. “Não sei. Acho que vale a pena”, ela diz. “Bom, não vou ficar discutindo”. A primeira vez que isso rolou foi com uma turma de mocinhas inglesas em algum lugar no Norte, naquela nossa primeira turnê (1961/1962). Depois do show você vai para o bar ou para um pub, e do nada acaba no quarto do hotel com uma garota muito, muito legal, que está indo fazer faculdade em Sheffield, estudar Sociologia e sei lá o que, e que decidiu ser especialmente legal com você. “Achei que você fosse uma moça esperta. Eu sou guitarrista. Só estou de passagem”. E ela diz: “É, só que eu gosto de você”. Gostar ás vezes é melhor do que amar.
No final dos anos 50, os adolescentes eram o novo mercado visado pela publicidade. Teenager é um termo inventado pela publicidade, uma expressão bem calculista. Ao chama-los de teenagers foi criado todo um movimento entre os adolescentes, uma espécie de autoconsciência, que originou um mercado não só para roupas e cosméticos, mas também para música e literatura e tudo mais. Essa faixa etária acabou sendo etiquetada à parte. E houve uma verdadeira explosão, um lote inteiro de púberes quebrando a casca do ovo e brotando naquela época. Beatlemania e Stonemania. Aquelas eram justamente as meninas que estavam morrendo de vontade de viver alguma outra coisa. Quatro ou cinco sujeitos magrelos ofereceram a válvula de escape, mas elas a teriam encontrado em qualquer outro lugar.
Nunca me esqueço do poder das adolescentes de treze, catorze, quinze anos, quando elas estão em bando. Elas quase me mataram. Nunca senti tanto medo de perder a vida como quando me vi cercado por adolescentes. Elas me esganaram, me rasgaram as roupas, a carne, e quando o bando entra nesse nível de frenesi, é difícil descrever, expressar o quanto é aterrorizante. Os policias fugindo apavorados, e então resta só você diante da carnificina que essas emoções descontroladas podem causar. Acho que foi em Middlesbrought. Eu não conseguia entrar no carro. Eu tentava entrar e aquelas malditas me arrancavam os pedaços. O problema é que quando pegam você, não sabem o que fazer. Quase me estrangularam com um colar, uma ficou agarrada nele de um lado, a outra puxando o colar do outro, “Keith, Keith”, e enquanto isso me esmagavam. O motorista entrou em pânico. O resto dos caras já tinha entrado no carro e ele simplesmente decidiu que não estava a fim de esperar. Fiquei ali, sozinho no meio daquela aldeia de hienas desvairadas. A próxima coisa que me lembro é de que acordei num beco perto da porta de acesso ao palco, porque evidentemente os policiais tinham tirado as pessoas. Eu tinha desmaiado por sufocação. Elas todas estavam em cima de mim: “O que vocês querem de mim agora que me pegaram?”.
Lembro de uma cena de contato real com essas meninas, um momento completamente inesperado, uma vinheta. O céu está carregado, dia de folga! Subitamente despenca uma tempestade. Do lado de fora do hotel vejo três fãs das mais fanáticas. O penteado bufante delas está sucumbindo sob a força das águas, mas elas não saem de lá. O que o pobre músico pode fazer? “Entrem aqui, meninas”. Meu cubículo está agora entupido com três garotas encharcadas. Elas soltam vapor, tremem. Ensopam meu quarto. O penteado das três, um desastre. Elas estão tremendo por causa da tempestade e porque estão no quarto de seu ídolo. Reina a confusão. Uma coisa é tocar do palco para elas, outra é ficar cara a cara. Toalhas se tornam uma coisa muito importante, assim como o banheiro. Elas fazem uma precária tentativa de se ressuscitar. Todos nervosos, tremenda tensão. Eu lhes ofereço café temperado com bourbon, mas não há nem vestígio de sexo no ar. Ficamos sentados conversando e rindo, até o céu limpar. Eu chamo um taxi para elas. Despedimo-nos como amigos.”
Trecho de “Vida”, autobiografia imperdível de Keith Richards lançada no Brasil pela Editora Globo (mais infos aqui)
agosto 2, 2012 No Comments
Estreia: MusicTrends no Multishow HD
Numa tarde calma de algum dia perdido desse ano insano, gravei uma série de depoimentos por cerca de três horas sobre bandas e artistas para uma série dividida em quatro partes, a MusicTrends, feita pelo pessoal da produtora Box1824. A série estreia hoje, no Multishow HD (com reprises ao longo da semana – horários no fim do post).
A apresentação do programa fica na responsa de Marina Bortoluzzi e Lucas Liedke, e, além de mim, participam opinando os amigos jornalistas Lucio Ribeiro, Pablo Miyazawa, Flávia Durante, Renata Simões e Guilherme Guedes (entre outros).
Serão quatro episódios temáticos cuja proposta é mapear as tendências da música que você agora e que você ouvirá num futuro próximo, definindo moods que englobam mais de 100 artistas. Os moods são um clima, um estado de espírito, o lugar para onde a música nos leva quando a escutamos.
O MusicTrends está dividido assim: o primeiro episódio, batizado Time Off, foca em novos artistas que buscam suas inspirações no passado. É aquele som com carinha de antigo, mas ao mesmo tempo super natural para os ouvidos modernos. Na pauta, Alabama Shakes, Vaccines, Lana Del Rey, Decemberists, Nevilton e muitos outros.
O segundo, chamado Nowdismo, apresenta novas bandas que brincam com tudo o que a vida oferece no tempo presente, sem se preocupar com o passado e nem com o futuro, não se deixando levar tão a sério no meio do caos hedonista em que vivemos.
Happy To Be, o terceiro programa da série, trará artistas com uma perspectiva otimista para o futuro, principalmente no Brasil. São os nomes que celebram a paixão pela vida e as pequenas coisas do cotidiano.
Fechado o MusicTrends, o quarto programa, Twisted Future, terá sons que parecem vir da máquina do tempo, diretamente de 2050. Sofisticado e vanguardista, este mood é para quem tem os ouvidos cansados do “mais do mesmo”.
Estou bastante curioso com o resultado da produção. Uma coisa é falar para uma câmera, outra ver aquilo contextualizado numa situação, num contexto de televisão. Me diverti bastante (a gravação – se você ficar curioso pelo local – aconteceu no Restaurante Spot, na praça atrás do prédio da Caixa Econômica Federal, na av. Paulista – pertinho de casa). Fique ligado!
Leia também: Os quatro episódios do Music Trends (aqui)
agosto 1, 2012 No Comments