Meu roteiro pelo centro de São Paulo
São Paulo, uma cidade com 11 milhões de habitantes e média de 7 mil e 400 pessoas por quilometro quadrado. Como canta Wado com certa ironia tristonha, “vem viver comigo nesse apartamento, estamos uns sobre os outros, e temos satisfação”. São Paulo é uma megalópole que exige muito de cada pessoa, mas amo essa cidade de uma forma que não consigo explicar. Nasci no Belenzinho, morei na Mooca, depois fui para o interior. Voltei um milhão de anos depois, e é Tudo Tanto, como canta Tulipa (“O banco, o asfalto, a moto, a britadeira. Fumaça de carro invade a casa inteira”), que a vontade de sumir se aconchega vez em quando.
Ainda assim, nestes meus 13 anos (em 2012) de morador de São Paulo, criei uma rotina pessoal que costumo seguir todos os sábados, e que diz muito sobre a minha relação com o centro da cidade. É um roteiro simples que poderia ser descrito em uma ou duas linhas: acordar -> passar na Velvet CDs (Rua 24 de maio) -> descer a rua Capitão Salomão, das lojas de DVDs -> comer um sanduíche na Casa da Mortadela (esquina da São João com a Ipiranga) -> voltar pra casa feliz. Mas é um pouco mais que isso. Numa rápida autoanalise, descobri que quase tudo que preciso está no centro de São Paulo. E tudo gira em torno deste passeio rápido de sábado.
Costumo fazer dois roteiros quando vou ao centro no sábado. Se o tempo está bom, desço a Rua Augusta a pé. Se estou com preguiça, ou o tempo está ruim, desço de ônibus. Antes de ir na Velvet CDs, resolvo alguns pequenos problemas. “Minha” costureira fica no prédio do Sindicato dos Jornalistas, quase na esquina da Ipiranga com a Rua Rego Freitas. A Helga, cabeleireira, e seu Marinho, sapateiro, ficam no mesmo prédio da Velvet CDs (a Galeria Presidente, 116). Se preciso de eletrônicos (para conserto ou alguma novidade), o destino é a Rua Santa Efigênia. Se a necessidade é material fotográfico, Galeria da rua Sete de Abril.
A Velvet CDs é o tipo de loja que o amigo Carlos Eduardo Lima sonha em seu texto Estrella Discos. Conheci a loja em 1997, numa época em que saia de Taubaté para comprar CDs na Galeria do Rock, e num desses passeios de sábado, subi a escada rolante da Galeria Presidente para conhecer a London Calling, loja que anunciava na revista Bizz desde os anos 80, mas que é bem cara. No mesmo andar (Rua Alta), encontrei a Velvet, comprei um bootleg do Belle and Sebastian, e fiquei amigo do dono, o André, que na época tinha um fanzine, o Velvet Zine, e hoje em dia é parceiro de viagens e grande amigo pessoal.
A loja é praticamente um ponto de encontro de vários amigos, e o assunto invariavelmente é cultura pop. Uma manhã encostado no balcão da Velvet CDs e você sairá mais informado sobre música e cinema do que se tivesse lido qualquer caderno de cultura de qualquer grande jornal. Já toquei em festa de aniversário da loja (que já existe há mais de 20 anos), já fui vendedor quebra-galho, e tenho para mim que se você quer escrever a sério sobre música, precisa frequentar lojas como essa, saber quais os últimos lançamentos, descobrir o que está em promoção, quem vem tocar no País, o que anda acontecendo no mundo pop.
Da Velvet, geralmente, dou uma passada rápida na Galeria do Rock. Tenho seis ou sete lojas preferidas de CDs e vinis na Galeria do Rock, e sempre dou uma olhadela na vitrine para ver o que chegou de novo e/ou usado. A Galeria do Rock também tem, no primeiro piso, um dos bons hambúrgueres do centro da cidade (e com bom cardápio de cervejas, para quando quero variar), mas tocamos no assunto comida mais pra frente. Melhor antes se encaminhar para a rua Capitão Salomão, paraíso de CDs e, principalmente, DVDs, com alguns itens que você nem sabia que haviam sido lançados, e muitos custando menos da metade de qualquer grande site varejista.
Descendo a Capitão Salomão em direção ao Anhangabaú, pegue a calçada da esquerda. Do começo até a próxima esquina você passará por um bom número de lojas, incluindo duas barraquinhas de CDs e DVDs (a primeira é excelente para apaixonados em séries, a segunda para lançamentos de CDs). Meu ponto preferido hoje em dia é a Neco Filmes, no número 54/58, duas lojas juntas com um belo acervo que inclui (no momento) desde raridades de Woody Allen e Pedro Almódovar até obras clássicas de Truffaut, Fellini, Godard, Rohmer e títulos raros de cinema autoral (e curiosidades como o box com todos os episódios da Caverna do Dragão). Tudo entre R$ 10 e R$ 15 (o box, R$ 60).
Após a Capitão Salomão, hora de comer o melhor sanduíche de mortadela da cidade, numa das esquinas da Rua Ipiranga com a Avenida São João. E não sou só eu quem acha isso: “As quatro estrelas valem pelo conjunto. O clima do lugar é ótimo com atendimento rápido e simpático. A versão mais pedida é a com queijo e vinagrete. O pão está sempre fresco e o recheio é farto, mas não exagerado”, elogia uma repórter do Guia da Folha, em um quadro que os donos exibem com orgulho (a Casa da Mortadela foi a única a receber quatro estrelas – batendo, inclusive, os famosos lanches do Mercadão). Meu lanche preferido é o Pão com Mortadela, Queijo, Vinagrete e Bacon. Sou viciado.
Porém, há dezenas de lugares bacanas para se comer no centro de São Paulo. De um restaurante nordestino excelente (e barato) na Galeria Metrópole e Galeria Nova Barão (Restaurante Feijão do Norte), ao prato feito mais em conta da cidade (Restaurante Ita, na rua do Boticário, ao lado do Largo do Paisandu – recomendo não levar a namorada, pois o lance ali é bem true), o tradicionalíssimo Ponto Chic (com o clássico Bauru – no Largo do Paisandu), o ótimo La Farina (número 618 da Rua Aurora), o Churrasqueto (na rua 24 de Maio, quase esquina com a Praça da República) e a excelente Churrascaria Boi na Brasa (Rua Marques de Itu, 188) além do Sujinho da esquina da avenida Rio Branco (e dos pasteis de feira que se multiplicaram na região) e da novíssima Casa Mathilde, uma incrível Doçaria Tradicional Portuguesa na praça Antônio Prado, do ladinho do Bar Salve Jorge.
Depois de forrar o estômago, hora de voltar pra casa. Ainda costumo dar uma passada na melhor banca de revistas do centro (na esquina da Avenida São Luís com a Praça da República – mas existem várias, algumas vendendo livros com preços ótimos) e caminhar até o Copan para uma passada no tradicional Café Floresta. É um roteiro bastante adaptável de duas ou três horas, mas que me mostra o quanto estou ligado a essa cidade. Quando penso em me mudar (Veneza é o sonho – impossível – atual), imagino que teria que descobrir todos esses lugares novamente (e muitos outros). Bate uma preguiça.
É claro que o centro de São Paulo não é só isso. Pelo contrário, é muito mais. Tem o Theatro Municipal, o Centro Cultural Banco do Brasil, o Salve Jorge. Tem a Galeria Boullevard, com várias lojas de vinis, também na R. 24 de Maio, 188 (vale uma visita ao Ventania) e a Galeria Nova Barão (tem que ir na Locomotiva Discos). Tem o Edifício Martinelli. O Mosteiro São Bento (com seu pão incrível). O Pátio do Colégio. O Café Girondino. Vários prédios do Oscar Niemeyer. E com pequenas caminhadas é possível chegar ao Mercado Municipal e à Pinacoteca. Há muita coisa pra fazer no centro de São Paulo. É só desenhar o seu roteiro.
Todas as fotos por Marcelo Costa
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– Site do projeto Viva Centro -> http://www.vivaocentro.org.br/
julho 27, 2012 2 Comments