No camarim com Maria Rita
Oito anos atrás, em um longo (e interessantíssimo) bate papo de quase duas horas, o músico e arranjador César Camargo Mariano analisava a carreira então iniciante da filha Maria Rita. “Ela saiu do barzinho, do show do Chico Pinheiro, e no dia seguinte, literalmente, pulou para um estágio de superstar”, comentava o pai. “É muito complicado conviver com isso, mas não é o caso da Maria Rita. Eu conheço muito bem aquela cabecinha, ela tem uma estrutura muito boa para enfrentar tudo isso”, completava, seguro, o pai.
De lá pra cá, Maria Rita gravou mais três discos e passou por todas as fases e testes que a fama exige de um grande artista, ao ponto de, hoje em dia, ela mostrar autoconfiança “como interprete e cantora em um cenário musical tão vasto e rico como o Brasil”. Após a estreia, “Maria Rita”, de 2003, vieram “Segundo” (2005), “Samba Meu” (2007) e “Elo” (2011), quatro álbuns, quatro turnês intensas (sendo que a do último álbum começou antes mesmo do disco existir). Uma boa estrada se fez.
Maria Rita me recebeu no camarim após um show transmitido ao vivo pelo Portal Terra, no final do ano passado, para uma pauta bem simples: rememorar cada um de seus discos, símbolos de fases distintas de sua carreira. Com bastante calma (mesmo com o horário apertado do voo), Maria Rita analisou seus quatro trabalhos de forma reflexiva e atenta. E soltou uma deliciosa gargalhada quando incluiu a mãe, Elis Regina, em uma playlist de artistas preferidos especial para o Sonora. “Só para ter uma mulher, né”. Abaixo, o bate papo:
Me fale de seus discos começando por “Maria Rita”…
“Maria Rita” é um disco de introdução, de apresentação. Foi o disco que fiquei mais nervosa pra gravar, mais ansiosa. Era mais ansiedade do que nervosismo. Senti uma pressão do artista iniciante que grava o segundo disco… (só que) senti no primeiro. Mas trabalhei com pessoas de absoluta confiança, que confio 100% até hoje, mais a produção do Tom Capone, um produtor eterno. (Gravar “Maria Rita”) Foi um astral muito bacana. Dediquei-me muito e fiquei muito orgulhosa de ter conseguido termina-lo da forma como eu tinha imaginado que ficaria. É também um disco generoso, porque contei com o apoio de muita gente. Tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o Marcelo Camelo… Tenho boníssimas lembranças deste disco, desta fase.
O “Segundo”…
Ele surgiu de uma necessidade de encerrar o ciclo (do disco) “Maria Rita”, porque eu sentia que estava carregada de muita história. Teve o nascimento do meu filho, o falecimento do Tom Capone, teve o Grammy… Teve muita coisa… Senti que, principalmente após a ida do Tom (Capone), estava ficando difícil subir ao palco e cantar aquelas músicas. O “Segundo” veio dessa necessidade muito intima de um novo projeto, com novas canções que pudessem contar a história desse momento. O encarte do disco é branco, é tudo muito claro… Têm uma influência das coisas que a gente não vê, mas sabe que existe. O cenário do show tinha rendas, tapete feito á mão, o Divino Espirito Santo, uma brasilidade muita grande que remete a terra. Uma busca por um contato com algo que a gente não consegue explicar. Emoções tão diversas e adversas. Isso tudo influenciou no disco, no visual, na estética sonora. É um disco mais vazio, silencioso. Os takes escolhidos eram os que transmitiam mais emoção, não necessariamente os melhores tecnicamente. Tem erro, tem respiração fora do lugar, então é um disco muito humano.
Parece um disco de transição para o “Samba Meu”…
Possivelmente.
Que é um disco mais alegre…
Exatamente. É uma trajetória. O show do “Segundo” era explosivo e, apesar de eu não ser a compositora das canções, muito autobiográfico. Isso me possibilitou externar um monte de demônios, tristezas e histórias. E pode trazer de volta as alegrias que a vida nos proporciona.
Vamos falar das alegrias então (risos)…
Sim (risos), chegamos então no “Samba Meu”, aquela coisa ultra feminina, a feminilidade aflorada ao máximo, a alegria infundada que é o samba. Não é a toa que o samba é a maior expressão musical característica do povo brasileiro, um povo sofrido, trabalhador, dedicado, e que jamais perde a esperança, jamais perde o sorriso, jamais perde a generosidade e a alegria de estar ali, vivendo, seja qual for o desafio. (“Samba Meu”) É a minha paixão pelo samba. Fiz muita questão que fosse um show absurdamente produzido, dentro dos meus padrões. Queria troca de figurino, queria troca de cenário, queria projeção, luz rodando… Os meus outros shows eram muito mais teatrais, luz parada, e esse eu queria… brilhante, sorridente, pra cima, que é como eu sinto o samba.
Como foi a busca pelo repertório?
Não teve uma linha de raciocínio. Foram canções pelas quais me apaixonei. “Tá Perdoado”, do Arlindo Cruz, por exemplo, o Arlindo me deu antes mesmo de eu pensar em gravar um disco de samba, um ano e meio antes, talvez mais. “Escrevi essa música pra você. Não precisa gravar, fica ai. É sua”, ele disse (risos). Muito querido. E foi a primeira que despertou quando rolou a ideia de gravar o disco. Já tinha essa garantida. E as músicas vieram assim, muito femininas, o que era um desafio, porque o samba… só tem compositor homem no disco. Foi um desafio muito grande gravar essas músicas como eu queria gravar, take corrido, ao vivo, desafio atrás de desafio. Mas eu acho ótimo dar uma chacoalhada, porque cair no lugar comum dá uma preguiça danada.
E o “Elo”?
É o menos ortodoxo, o menos tradicional possível (dos meus discos). Porque veio de um ano e meio de cantoria na estrada, de um show sem nome que não tinha a menor pretensão de virar disco. O show surgiu da minha paixão e completa necessidade de estar em cima de um palco. Eu não queria fazer um disco, mas também não queria sair do palco. Arranjei um meio do caminho (risos) pra fazer algo que não era pra ser um disco nem nada. Não tinha nome, não tinha cenário. Era música em cima do palco. Quatro instrumentos e vamos embora. E o show foi crescendo, os fãs foram pedindo que eu registrasse de alguma forma as músicas do show que nunca havia gravado, e então surgiu a ideia do “Elo”. Ele ganhou esse nome porque só existe por causa da receptividade do público, e, de certa forma, da coragem dessas pessoas saírem de casa para assistir a um show que elas nem sabiam o que era. Foi intenso. O frio na barriga que eu sentia era maior. Porque tudo pode acontecer, é uma democracia, e assim como eles vão (ao show) porque eles querem, eles saem porque querem também. Era um turbilhão. Canções inéditas, canções que ninguém tinha me visto cantar. Era preciso um cuidado comigo mesma, para que todo show não derrapasse, não saísse do foco. É um presente deles para mim, uma inversão de valores que me ensinou muito. Ouso até dizer que (esse disco) me deu um grau de autoconfiança como interprete e cantora em um cenário musical tão vasto e rico como o Brasil.
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