Itália: Trieste e o Castelo di Duíno
Texto e fotos: Marcelo Costa
“Buongiorno, eu gostaria de um quarto para uma pessoa para hoje e amanhã”, o cara pede assim que chega a recepcionista do hotel. “Para hoje temos vagas, mas para amanhã está tudo lotado”, responde a atendente. “Você poderia me indicar algum outro hotel aqui perto?”, insiste o turista. “Estão todos lotados. Bruce Springsteen faz show aqui e a Itália inteira está vindo pra cá ver o show”, exagera a garota. Hora de bater perna atrás de um local para dormir.
Trieste é uma cidade de pouco mais de 210 mil habitantes situada no nordeste da Itália, no Mar Adriático, que faz fronteira com as comunas de Duino-Aurisina, Monrupino, Muggia, San Dorligo della Vallee Sgonico e com a Eslovênia (a fronteira com a Croácia está a cerca de 50 minutos de carro). Foi uma importante cidade do Império Austro-Húngaro, do qual era o principal porto, e na segunda, 11 de junho, será invadida por fãs de Bruce Springsteen.
Costumo ser um cara prevenido em viagens internacionais. Geralmente, quando piso no Velho Mundo, estou com todos os ingressos, tickets de trens, aviões e reservas de hotéis comprados, tentando evitar surpresas. Desta vez, só não reservei hotel em Trieste. “Chegando na estação de trem acho um hotel ali do lado e me ajeito”, pensei, apostando na facilidade de encontrar um abrigo em uma cidade italiana não tão turística. Me enganei redondamente.
Após camelar por sete hotéis, e receber um “sold out” em todos, comecei a ficar preocupado. No celular, a busca encontrava hotéis disponíveis em Sežana, uma cidadezinha de 11 mil habitantes na Eslovênia, 15 quilômetros de Trieste. Cogitei seriamente atravessar a fronteira, mas havia um risco: na terça pós-show eu teria que estar às 7h na estação de trem em Trieste em direção à Verona para um voo para Amsterdã. O deslocamento talvez fosse complicado.
Arrisquei: entrei num dos hotéis na redondeza da estação de trem e garanti o domingo, implorando: “Se alguém cancelar a reserva para segunda, guarda pra mim”. Check in feito, sai a bater perna pela colônia romana que, no século II, se chamava Tergeste, ficou sob o controle de Bizâncio até 788, quando passou ao controle dos francos. Em 1382 passou a ser protegida do duque de Áustria sendo anexada à Itália apenas em 1918, após a Primeira Guerra Mundial.
Bastaram alguns minutos caminhando a esmo em um domingo de sol para se apaixonar pela cidade. A luz da cidade (entre o marrom e o amarelo, devido as pedras antigas que decoram todo o centro) a visão do Adriático, as extensas praças e o longo calçadão, que passa por diversas áreas da cidade, são um convite à contemplação. Uma cidade que merece uma visita com mais calma. Dormi o sono dos justos cansados torcendo por uma segunda-feira positiva.
“Buongiorno, apareceu algum quarto?”, foram minhas primeiras palavras na manhã de segunda. “Infelizmente não temos nenhum quarto de solteiro, mas há de casal vago”, ofereceu a recepcionista, explicando: “Você está pagando 70 euros o de solteiro. O casal é 90“. Não pensei duas vezes: “É meu”. Peguei informações de como chegar ao Castelo de Duíno, reduto em que o poeta alemão Rainer Maria Rilke escreveu o doloroso “Elegias de Duíno”, e parti.
Após um domingo lindo de sol, a segunda amanheceu nublada, com garoa e previsão de pancadas de chuva. Peguei um ônibus para o aeroporto, avisei o motorista que eu queria descer no castelo, e fui ser feliz. Uns dois pontos depois do castelo, o motorista me vê e pergunta: “Por que você não desceu?”. Faço cara de turista idiota, desço na autoestrada, e sigo a pé até o castelo… por dentro da mata. Do capítulo “vivendo perigosamente”.
Cerca de meia hora depois (podem ter sido o dobro ou o triplo disso, perdi toda noção do tempo) encontrei o castelo, e parti para quase duas horas de contemplação. Sua construção começou em 1389 sobre ruinas de um posto romano, e desde 2003 ele está aberto para visitação, tendo sido consagrado pelo poeta Rainer Maria Rilke, que passou dez anos (entre idas e vindas) no castelo escrevendo o que viria a ser conhecido com “Elegias de Duíno”:
“Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua natureza mais potente. Pois o belo apenas é o começo do terrível, que só a custo podemos suportar, e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha destruir-nos. Todo o anjo é terrível.” (trecho da primeira das dez elegias que compõe o livro).
O castelo está em excelentes condições, e impressiona como a família Della Torre, dona da edificação por cerca de 420 anos, era extremamente musical, com dezenas de violinos, violoncelos e pianos expostos pela casa (um deles de Franz Listz), que recebeu, entre outros, o arquiduque Franz Ferdinand, Johann Strauss, Paul Valery e Gabriele d’Annunzio. A vista do Adriático e os jardins do palácio são impressionantes. Não consegui visitar o bunker aberto na Segunda Guerra Mundial, mas sai impressionado com o local.
Na saída, uma chuva brindou os poucos turistas que se arriscaram a visitar o local em uma segunda-feira (um deles até chegou a perguntar se o ticket do show do Bruce Springsteen não dava descontos na entrada), que ainda teve passeio de bondinho (panorâmico) do centro até a região de Opicina, no alto do morro, e uma vontade danada de esticar até a Eslovênia ou a Croácia, mas eu já tinha compromissos para a noite de segunda-feira, e não podia faltar.
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