Bruxelas: Judas e o esgoto engarrafado
Texto e fotos: Renato Moikano (@renato_moikano)
Penetra na festa! Começa aqui o Scream & Yell Europe 2012 Tour – Metal Edition… Enquanto Marcelo Costa inicia sua saga pela Inglaterra, antes de cair em Barcelona para o Primavera Sound, eu faço uma viagem mais mainstream pelo mundo das arenas de metal da Europa central e Escandinavia. Em seguida passo uns dias com o Mac por Paris (tem Guns, tem Marilyn Manson, o que será que vai rolar?), por Luxemburgo (tem Lou Reed tocando coisas do “metallico” Lulu), por Cork (tem Tom Petty, e aqui não tem nada de metal) e finalmente por Donnington acompanhando os dois últimos dias do Download Festival – que esse ano tem Black Sabbath.
A aventura começa de fato nesta segunda-feira, em Werchter, na Bélgica (sim, a mesma cidade do Rock Werchter). É lá que o Metallica recebe Soundgarden, Mastodon, Channel Zero, Gojira e Ghost no Werchter Boutique. Metaleiros de butique, uni-vos que o James Hetfield e compania irão apresentar na íntegra seu “Black Album”. A bolacha de 1991 será executada de cabo a rabo para celebrar os 20 anos da produção que tirou o Metallica da lista de Grandes Bandas do Metal e colocou-o entre as Maiores Bandas da História. Ponto.
Dia 29, na Noruega tem Ozzy & Friends. Era pra ser um show do Sabbath, mas a doença de Tony Iommi mudou os planos. Mesmo assim tem o devorador de morcegos tocando com Slash e tem também Black Label Society do Zakk Wylde (e eu dormindo em um barco! É sério. Era a hospedagem mais em conta da cidade de Bergen, que, segundo algumas estatísticas, é a cidade em que mais chove no mundo: são 300 dias de São Pedro lavando o banheiro em 365 do ano). A viagem continua passando pelo Primavera Sound de Barcelona, onde o Napalm Death irá combater um trecho do show do The Cure… E por aí vai.
Desembarquei no sábado em Amsterdã com a missão de descolar um jeito de chegar em Bruxelas. A pressa era ansiedade pra conseguir comprar um passe de trem especial para o show do Metallica em Werchter. O bilhete dá direito ao trem de ida até Leuven, busão fretado ida e volta até Werchter, e trem de retorno pra Bruxelas. Apesar da venda de ingressos para o show acontecer tranquilamente pela internet (comprei o meu ainda em dezembro), esse passe só era vendido nas estações.
Cheguei em Amsterdã na estação Central de Bruxelas (ou “Bruxelles-Central / Brussel-Centraal” -> eles tem duas línguas). Pergunta aqui, pergunta ali e nunca ninguém ouviu falar no tal bilhete especial do Werchter Boutique. Resolvi ir para o hotel. Sem malas e de banho tomado conseguiria insistir na busca pelo passe especial. Estou no Siru Hotel, um estabelecimento modernete no norte da capital belga. A duas quadras da Estação Norte.
A estação é imensa, maior que a central, lotada de imigrantes ilegais acampados nos seus corredores. Ainda assim, deserta em um sábado à tarde. No balcão consigo finalmente a informação de que sabem do que se trata meu pedido. O diálogo é truncado. Meu francês é nulo, e o inglês do atendente também. Mesmo assim, é atencioso ao extremo e sai de seu posto para me encontrar na fila e tentar entender melhor o que eu estou pendindo.
Quando retorna ao seu posto começa uma sequencia assustadora de caretas enquanto observa o monitor de seu terminal. Faz que sim, faz que não, franze a testa, sorri, fecha o semblante, respira fundo e me responde: “The train is full”. Existem quatro tipos de passes para esse festival. Apenas um deles garante o retorno a Bruxelas. Os outros passam longe daqui. Resolvo comprar um que vai para Oostende, no norte do país. Mais tarde penso em como voltar para Bruxelas.
Ao explorar a cidade sou surpreendido por um festival de Jazz. Uma espécie de virada cultural sem sustos, com palcos espalhados por cada praça do centro de Bruxelas. E quartetos, sextetos, big bands, e até rappers se apresentando. Já são quase 21h e Bruxellas insiste em ter dia claro, e sol forte. Hora de parar para um cerveja e comer alguma coisa. Escolho o À la Mort Subite, um bar do início do século passado que já recebeu em suas mesas rodas de intelectuais belgas…
O que me atraiu foi a carta de cervejas e o fato de, em alta temporada, não ter quase nenhum turista por ali. Na carta oferecida pela casa, muitas cervejas da Alken-Maes. Entre elas uma Brown Ale chamada Judas. O nome me atraiu e pedi uma grande, 900 ml. Tal qual seu homônimo bíblio, esse tal Judas belga também vai te trair… horas depois. Para acompanhar peço uma tábua de queijos e passo mais de uma hora observando o movimento do bar que recebe em sua maioria belgas.
Com quase dois litros de cerveja em mim (fora duas Chimay que tomei durante a tarde) resolvo dar mais uma volta pelo centro. Passam das 22h mas a noite ainda não caiu por completo. A Grand Place, um dos principais pontos turísticos da cidade, já está iluminada e segue abarrotada de gente que acompanha um show de rap no tal festival de jazz. Barraquinhas no entorno vendem cervejas, cones de batata frita e waffle entupidos de coberturas doces.
No caminho para o hotel, macaco velho que sou, compro alguns doces, água, e mais umas garrafinhas de Coca-Cola e chá Lipton para abastecer o frigobar do quarto. Penso em escrever este primeiro texto para o Mac na chegada, mas sou vencido pelo cansaço e apago na cama. Às 4h da manhã sou acordado. Judas voltou como uma fortíssima dor de cabeça e uma ressaca tão hedionda que chega a acordar um defunto. Sede, o quarto parece um deserto. No frigobar resolvo devorar a garrafa de chá. Giro a tampa e ouço barulho de pressão saindo. Isso não é bom. No primeiro gole quase cuspo. É refrigerante de chá preto! Algo como esgoto engarrafado… A viagem só está começando.
maio 28, 2012 No Comments
Londres: I’ll Be Your Mirror, Dia 3
Texto e fotos por Marcelo Costa
A previsão do tempo não errou para o domingo e um sol castigador fez a turistada disputar as sombras de Londres enquanto as garotas locais encurtavam os shorts e os homens retiravam a bermuda do guarda-roupa. No Alexandra Palace, enquanto dezenas de famílias aproveitavam o dia de sol no parque, o canto do cisne da edição 2012 do I’ll Be Your Mirror tinha hora para começar (12h, com o início da exibição de “American Movie” no ATP Cinema) e acabar (00h quando terminaria a exibição de “King of Kong”). Entre os filmes, uma dezena de shows.
A programação pessoal começou com o belo show do Arches of Loaf, combo indie norte-americano com alguns dedos do pé no grunge. Formado em 1991 e desmontado em 1998, o Arches retomou o barulho no ano passado, e este show no festival mostra que o grupo está bastante afiado abusando do contraste da delicadeza do vocalista e guitarrista Eric Bachmann com a postura “tenho os cabelos do Anthony Kiedis e agito como o Flea” do hilário baixista Matt Gentling. Um belo show para rever com mais calma.
Quase no mesmo horário, os canadenses do Siskiyou entretiam uma pequena audiência em uma sala com um show promissor, que merece atenção. Quinze minutos depois, Yuck no palco, e aquele som que você já ouviu diversas vezes em dezenas de outros discos corta o ar com uma nuvem de microfonia, e diverte. O show é bom (valorizado pelo ambiente do palácio do povo), e ganha alguns créditos pela excelente transposição de arte com filmagem da banda ao vivo no fundo do palco. Nada como ouvir canções frescas e envolventes como “The Wall”, “Suicide Policeman” e “Get Away” num volume alto e de qualidade.
Pausa para descansar as pernas, comer pizza e beber uma ale aguada, mas ok, e lá se foi o show do Tennis, grupo de Denver comandado pela belezinha Alaina Moore. Ok, rolou pegar o trecho final da penúltima música e a última, e o show vende bem a banda (algo entre Keane, Killers, Coldplay e Cardigans). Também havia perdido o filme “Stalking Pete Doherty”, mas o que importava de verdade era que, em alguns minutos, uma das melhores bandas dos mundo voltaria aos palcos: The Afghan Whigs.
O público (um pouco menor que o de sábado) de cerca de 2 mil pessoas compensou os buracos na plateia cantando tudo que Greg Dulli rasgava no microfone – e sua voz, personalíssima, impressiona pelo alto nível de qualidade que se mantém do início ao fim do show. O trio de fource original do grupo – Greg Dulli (vocais e guitarras), Rick McCollum (guitarra base) e John Curley (baixo) – surgiu acompanhado de um terceiro guitarrista, um excelente baterista mão pesada e um terceiro músico que se alternava entre teclados e violoncelo.
A gangue de preto entrou pontualmente às 21h30 com a introdução de “Crime Scene Part One”, do álbum “Black Love” (1996) antecipando o sonho. Na sequencia, “I’m Her Slave” (“Congregation”, 1992), “Uptown Again” (do grande “1965”, 1998) e “What Jail is Like” (“Gentlemen”, 1993) bastaram para conquistar a audiência, que gritava as letras com um sorriso enorme no rosto. Da metade para o final, o céu caiu na Terra com “Crazy”, “My Enemy”, “66”, “Debonair”, “Bulletproof” e uma versão poderosa de “Summer’s Kiss”. Para o bis, a nova cover de “See and Don’t See”, uma versão de “Lovecrimes”, de Frank Ocean, “Fountain and Fairfax” e a intensa “Miles Iz Ded” confirmaram: o Afghan Whigs voltou com sede de palco. Que show. Que voz.
No balanço geral, o I’ll Be Your Mirror 2012 mostrou um bom número de grandes shows em um espaço confortável, sem empurra-empurra nem muvuca. Ainda assim, é um festival caro demais, em que o espectador paga pelo conforto, mas paga muito (ainda mais em se tratando de Reino Unido, com a libra dobrando o dólar e colocando no bolso). O preço do ticket de três dias saiu praticamente o mesmo de mega festivais como Rock Werchter, na Bélgica, e Primavera Sound, em Barcelona, mas o I’ll Be Your Mirror não vende quantidade, mas qualidade. E barulho. Muito.
maio 28, 2012 No Comments