O minimalismo e o rock and roll
“O Resto é Ruído – Escutando o Século XX”, de Alex Ross, é o melhor livro sobre música que li em toda a minha vida (edição brasileira da Companhia das Letras -> aqui). A primeira página relembra a primeira exibição da ópera “Salome”, de Richard Strauss, em 1906. Bem mais pra frente (após duas guerras mundiais, uma guerra fria, jazz, tonalidade, dodecafonia, Beatles e Stockhausen – um cem número de passagens interessantes que vão necessitar serem revistas em uma segunda leitura com o site do livro de apêndice), na página 532, Alex Ross versa sobre o minimalismo e o rock and roll. O que dá uma pequena ideia da grandiosidade de “O Resto é Ruído – Escutando o Século XX” é você imaginar que todos os nomes do primeiro parágrafo abaixo foram dissecados antes em longos capítulos do livro:
“O minimalismo não é tanto a história de um tipo de som, mas de uma cadeia de eventos. Schoenberg inventou a dodecafonia; Webern encontrou um silêncio secreto em seus padrões; Cage e Feldman abandonaram as sequencias e enfatizaram o silêncio. Young diminuiu o ritmo da sequencia e a tornou hipnótica. Riley sistematizou o processo e lhe conferiu profundidade de campo; Glass imprimiu um momentum motorizado. O movimento não parou por ai. A partir dos anos 60, uma pequena legião de artistas populares, encabeçada pela banda Velvet Underground, levou a proposta minimalista ao grande público. Como Reich declarou mais tarde, havia uma “justiça poética” nessa mudança de papéis: assim como ele outrora se sentira fascinado por Miles Davis e Kenny Clarke, personalidades do pop em Nova York e Londres passaram a se embevecer de seu trabalho.
Às vésperas de sua revolução gradual, Reich tinha um bocado de música pop soando em seus ouvidos. Ele não ouvia apenas jazz, mas também rock e r&b. Em uma entrevista, ele citou duas canções dos anos 60 que faziam a gesticulação minimalista se concentrar em apenas um acorde: “Subterranean Homesick Blues”, de Bob Dylan, e “Shotgun”, de Junior Walker. (A sua) “It’s Gonna Rain” tem algo em comum com “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, de Bob Dylan, que combina profecia bíblica com a angústia da era atômica num hino que anuncia um juízo final iminente.
O Velvet Underground surgiu na forma de uma conversa musical entre Lou Reed – um poeta transformado em compositor com uma voz dolorida e decadente – e John Cale, o sonolento violonista do Theatre of Eternal Music de La Monte Young. O início da carreira de Cale dá uma boa visão do panorama do horizonte musical do final do século XX: ele estudou no Goldsmiths College em Londres com Humphrey Searle, um discípulo de Webern; mudou para composição conceitual ao estilo de Cage, do Fluxus e de La Monte Young; chegou aos EUA com uma bolsa de estudos para Tanglewood; provocou lágrimas em madame Kussevítskaia ao realizar um trabalho que exigiu a destruição de uma mesa com um machado; foi para Nova York com Xenakis; fez sua estreia tocando no espetáculo de John Cage para “Vexations”, de Satie; e acabou entrando para o conjunto de Young. Em sua autobiografia, Cale afirma que um de seus deveres era conseguir drogas para as apresentações do Eternal Music. Consta que as transações eram conduzidas por um código musical: “seis compassos de sonata para oboé” significava “seis onças de ópio”.
Lou Reed entrou em cena em 1964. Na época estava compondo canções kitsh para uma compania fonográfica chamada Pickwick Records. Por razões que até hoje permanecem obscuras, a Pickwick contratou três músicos da Eternal Music – Cale, Tony Conrad e o baterista e escultor Walter De Maria – para ajudar Reed na apresentação do que deveria ter sido uma novidade de sucesso chamada “The Ostrich”. O plano não deu em nada, mas os músicos da Eternal Music se deram bem com Lou Reed, que estava conduzindo experiências independentes com novos temas e modos. A primeira banda de Reed e Cale chamava-se Primitives. Pouco mais tarde, com Sterling Morrison na guitarra e o percussionista do Eternal Music Angus MacLise na bateria, eles viriam a ser o Velvet Underground.
A principio o Velvet se especializou em happenings e filmes underground. Depois o grupo começou a fazer shows de rock convencional. MacLise desistiu, recusando qualquer formato que o obrigasse a começar e parar em um momento especifico da música. Foi substituído por Maureen Tucker, baterista com um rígido toque minimalista. Um show na véspera de ano novo de 1965 chamou a atenção de Andy Warwol, que se ligou à banda num evento multimídia chamado Exploding Plastic Inevitable. Finalmente um álbum foi lançado em 1967, com algumas músicas cantadas pela modelo alemã Nico com sua voz de boneca. “The Velvet Underground & Nico” vendeu mal na época, mas hoje é reconhecido como um dos mais brilhantes e ousados disco de rock já gravados.”
fevereiro 5, 2012 No Comments