As rachaduras do american dream
Estou completamente chapado com São Francisco, a cidade mais rock and roll em que coloquei meus pés até hoje. Talvez rock and roll não seja a palavra certa, pois o psicodelismo, o flower power e a geração beat bateram demasiadamente forte na cidade, o que a deixou com um aspecto bastante particular: São Francisco parece lesada! Tudo aqui acontece em uma tremenda calma, e rachaduras no chamado “american dream” podem ser encontradas facilmente por todos os lugares.
O ponto central da cultura hippie da cidade é o distrito de Haight-Ashbury, delimitado por um lado pelo Parque Golden Gate e, por outro, pelo Buena Vista Park. Foi aqui que a contracultura decidiu se instalar nos anos 60, já que a região era a mais barata para se viver em São Francisco. Em 1967, ano de ouro do movimento hippie, Haight-Ashbury virou o centro do mundo com uma cultura de drogas ilegais, notadamente maconha e LSD, além de outras drogas alucinógenas.
Corta para 2011: andando pela extensa avenida Haight, a impressão que se tem é que 1967 foi o ano que não terminou. A especulação imobiliária aumentou os alugueis na região, mas o bairro continua sendo uma meca hippie, com lojinhas espalhadas por toda sua extensão e vários tipos que parecem ter vivido o Festival de Woodstook (mesmo aqueles que, aparentemente, não eram nem nascidos na época). Várias lojinhas interessantes de discos se espalham pela rua (que ainda abriga o pub Magnolia), mas a grande vedete é a Amoeba Music, 2.200 metros quadrados de CDs, DVDs, vinis e muito mais.
Fundada por ex-empregados da Rasputin Records, a independente Amoeba se transformou no local de peregrinação de apaixonados por música em geral, com um acervo de mais de 100 mil CDs entre novos e usados. São três lojas: uma em Berkeley, outra em São Francisco e a terceira na Sunset Boulevard, em Hollywood. Imagine-se entrando em uma loja e observando isso aqui. A primeira sensação que bate é: deixa eu sair correndo. Mas o “passeio” vale a pena e é bom mostrar pulso forte porque você deverá encontrar tudo o que você quer e coisas que nem sabia que existiam.
Tentei me controlar o máximo que pude. Consegui não pegar nenhum box de CDs (que seriam difíceis demais de levar nos próximos trechos de viagem) e me concentrei em coisas raras como as edições duplas de “Yankee Hotel Foxtrot”, do Wilco, de “Brothers”, do Black Keys, e do “Hardcore Will Never Die, But You Will”, do Mogwai, os álbuns remasterizados da Jon Spencer Blues Explosion, o single “Conquista”, do White Stripes, uma caixinha com quatro CDs de Woody Guthrie, o “Complete Reprise Sessions”, do Gram Parsons, e muita coisa de dois dólares. Tudo na foto.
Sai leve, mas com muitas sacolas e ainda vou comprar um toca-discos novo na filial de Los Angeles (150 dólares). Descemos a Haight observando a multidão hippie e paramos no bom Giovanni’s Pizza Club Deluxe, que além de boas pizzas tem ótimas cervejas no cardápio, como a local Anchor Steam (uma Pale Ale de respeito) e a Sierra Nevada Pale Ale (que já tinhámos provado em Nova York) além de Chimay e de uma boa cerveja de torneia, a pale ale Lagunitas. Um bom local para um brunch na região.
Próxima parada: show do Broken Social Scene no Warfield, um teatro de vaudevillie dos anos 20 que desde os anos 70, sob a administração Bill Graham, transformou em palco de rock. Bob Dylan fez vários shows de sua turnê evangélica de 1979 aqui, mas o quem é quem da casa está exibido em fotos dos shows logo na entrada do charmoso teatro: Bjork em 90 com o Sugarcubes e solo em 1993, ano que também recebeu Iggy Pop, Guns em 91, Pearl Jam em 92, Nine Inch Nails em 94, Ramones em 95, Morrissey e Bowie em 1997, James Brown em 2000. A lista segue, aparentemente, infinita.
A noite não está sold out (só PJ Harvey, Ke$ha e Adele conseguiram esgotar os ingressos este ano), mas cerca de 80% dos 2300 lugares estão ocupados para prestigiar o grupo canadense. A base do show é o disco “Forgiveness Rock Record”, de 2010, e a banda parece muito mais à vontade do que no Primavera Sound, do ano passado. Erram entradas de músicas, e começam tudo de novo (e não foi uma vez só). Brincam com o público e revezam-se constantemente nos instrumentos. O show sobe num crescendo excelente, e quando Kevin Drew (cada vez mais parecido com Eddie Vedder) diz “Goodbye San Fran”, o público vai ao delírio em um bom show desencanado num lugar excelente.
Amanhã, PJ Harvey. Live! Tonight! Sold Out! Bora!
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