Uma viagem meio sem pé nem cabeça
Voltamos para casa faz uns quatro dias, e já durante o vôo vindo de Madri eu imaginava o que falar da viagem deste ano. Os dois anos anteriores foram mais fáceis – de falar e viajar. Primeiro porque as cidades eram mais (ahñ) óbvias, e segundo porque havia o deslumbre da primeira vez. Esse ano foi a terceira viagem (minha, segunda da Lili), e tudo foi mais confuso, nublado e frio, mas mesmo assim não menos emocionante.
A idéia inicial era ou ir para o Leste ou para a Escandinávia. Wilco e BRMC iriam tocar nas duas regiões em datas próximas, então era só ajeitar a agenda e escolher. Acabamos optando pelo Leste por motivos financeiros. A Escandinávia, dizem, é muito cara. No fim das contas, por culpa de Jeff Tweedy, acabamos esticando para a Grécia e chegamos até Istambul, definitivamente a cidade mais querida desta viagem.
Porém, tudo começou três semanas antes, quando nosso avião pousou em Madri (numa semana em que o vulcão de nome impronunciável havia cancelado diversos vôos para a Espanha), e de lá pegamos uma conexão para Budapeste. Chegamos arrebentados no hotel após quase um dia inteiro de viagem, e mesmo assim arriscamos uma caminhada… na chuva. No domingo a cidade estava solitária e molhada. Achamos estranho.
Na segunda partimos para Viena. Só fizemos isso por culpa do Black Rebel Motorcycle Club, que tocava em um squat super organizado da cidade nesse dia. E valeu a pena. O show foi especial, mas a cidade impressionou ainda mais. A ONU divulgou na mesma semana o ranking de qualidade de vida, com Viena no topo. Basta caminhar, observar e respirar a cidade para entender. E ouvi-la: música clássica (e, para nós, BRMC). Viena não é cinza como Budapeste. É colorida.
No entanto, alguma coisa ali pelo terceiro dia saiu do prumo. Viena é certinha demais para quem está acostumado com uma desordem. É tocante ver garotas de olhos azuis passando de bicicleta com imensos violoncelos nas costas, mas é um saco ter que esperar para atravessar a rua no sinal verde quando não há nenhum carro se aproximando nos próximos dois quilômetros. As regras não deviam cegar.
Mesmo assim, após o quarto dia, deixamos a cidade número 1 do ranking da ONU para voltar para mais dois dias (agora de sol) em Budapeste, a cidade em que mesmo alguns hotéis de redes mundiais têm damas da noite oferecendo seus dotes no saguão a noite toda. É só uma constatação. Não imagino isso acontecendo em tantas cidades (nem no Rio ou SP, embora em ambas não deva ser difícil pedir tal ajuda).
Tudo bem, este fato isolado está sendo usado para diminuir a cidade, mas Budapeste não pode ser diminuída. É uma cidade de personalidade, dividida por um rio que separa Buda (antiga e bonita) de Peste (cosmopolita) falando uma língua que até o diabo respeita. E a estação internacional de metrô pode, facilmente, receber um filme de terror. Basta começar a filmar às 3 da madrugada lá. Deve ser assustador. :~
De Budapeste um trem para Praga, e então o encanto começou. Praga é… foda. Foda. Eita cidade linda. Caminhar na Charles Bridge, mesmo com um montão de milhares de turistas, é algo único. Se perder pelas ruazinhas do centro antigo também. E ver a República Tcheca bater os quase invencíveis russos na final do campeonato mundial de hóquei no gelo na praça principal da cidade junto à torcida tcheca não tem preço.
Uma coisa que fiquei matutando: chegar numa cidade com chuva pode nublar seu olhar tanto quanto cair em uma cidade em festa pode fazer você gostar mais ainda do lugar? Provável que sim, em ambos os casos. Mas Praga sobreviveu à dúvida e nos conquistou quatro dias seguidos. E ainda me deu a única cerveja a se infiltrar entre o império belga: no top 15 pessoal, 14 foram belgas. Só uma “estranha”, tcheca, Kout.
Praga encerrava a primeira metade da viagem de línguas estranhas. Como esquecer da senhora fofa em Bratislava explicando pausadamente em eslovaco que o ingresso que eu comprei também dava direito a outra atração da cidade: o museu de farmácia. Isso porque perguntei a ela como se agradecia em sua língua: “D’akujem”, ela respondeu. E começou a falar algo que nunca vou conseguir reproduzir, mas entendi.
Esse primeiro trecho da viagem foi completamente absurdo no quesito língua. Como explicar o magyar, uma língua que parece com o… finlandês. Só personagem de livro do Chico Buarque para aprender. E só mulher para fazer isso com ele. O tcheco não é menos simples, muito menos o eslovaco. Se eu disser que achei o alemão dos austríacos mais entendível você acredita? Onde a gente estava com a cabeça (risos).
O ponto central da viagem foi Barcelona, e foi um alivio pode exercitar portunhol, mesmo em terra catalã. Se você se lembra das viagens anteriores já sabe no que se transformará esse parágrafo: uma declaração de amor à cidade que já mora no meu coração. Barcelona é poesia para mim. Simples assim. E o Primavera Sound (com Pixies, Wilco, Spoon, Pavement, XX e mais) foi um bom programa musical.
Próxima parada: um pecado. Ficar um dia apenas em Roma é um pecado. Devia estar em algum código turístico. Fomos para Roma por causa do Wilco, e por duas horas e meia, em um lugar de acústica impecável e arquitetura surrealista (o Parco Della Musica, de Renzo Piano), o Wilco fez valer o peso da mala, o translado do aeroporto e o hotel ruim. Que noite. Que show. Que banda. Que som de guitarra, mister Nels Cline.
Jeff Tweedy definiu o rumo da segunda parte da viagem. Fomos para Roma por causa do Wilco, e de lá para Atenas porque era o vôo mais barato da Easyjet. Simples assim (risos). E Atenas é (ou foi e ainda sofre por isso) a Grécia de “Z”, de Costa-Gravas. A economia mais frágil da Comunidade Européia pode ser flagrada nas ruas, mas como não se impressionar com a Acrópole, imponente observando a cidade do céu?
E se reclamavamos do magyar, do tcheco e do eslovaco, o que dizer de um país em que todo mundo fala… grego (piada besta, eu sei, mas útil – hehe). No auge da paixão por Praga, disse que a cidade formava com Veneza e Paris um trio de cidadelas encantadoras. Mas eu nunca poderia imaginar que conheceria uma cidade que seria um sonho, a dona do adjetivo “paradisíaco” e com nome de santa, Santa Irene, ou Santorini.
Dizem que Santorini é a Atlântida de Platão. Já não duvido. Uma cidade que flutua enroscada no topo de morros de um ex-vulcão com casinhas de marshmallow pode ser qualquer coisa. Vou contar – e se você leu até aqui é porque me entende, acho – que só chorei em dois momentos da viagem inteira: no segundo trecho de “Shot In The Arm”, do Wilco, em Roma, e quando ouvi “Santorini Blues”, dos Paralamas, em Santorini.
Santa Irene vai ficar guardada em nossa memória. Até comprei um imã de geladeira de um burrinho e coloquei na geladeira para Lili sempre lembrar que subiu um morro imenso no lombo de um burrico tendo pedras de um lado, despenhadeiro do outro, o Mar Egeu azul lá embaixo, e uma trilha de escada ao infinito para cima. No fim da jornada, Lili tremia, ria e falava ao mesmo tempo, não necessariamente nessa ordem.
Imperceptivelmente, ao traçar o roteiro, colocamos na seqüência uma das poucas cidades no mundo que poderiam manter o astral de Santorini, sem nos causar um banzo, uma vontade danada de voltar para a ilha grega. E assumo que não esperava, mas Istambul foi uma descoberta (que só eu não sabia que seria sensacional, já que a expectativa de Lili era a melhor possível).
O que me lembra Istambul agora é o barulho, que o Carlos resumiu perfeitamente em um comentário: “Em Istambul não tem como fugir. É definitivamente a cidade mais barulhenta do mundo. É gente vendendo, gente rezando, musica alta, etc., para todo canto da cidade”. E é isso mesmo. Faz parte do jeito turco de viver, e ao contrário do que possa parecer, é bacana. Acredite: você se acostuma.
Teve o passeio pelo Bósforo, a aula sobre a vila de Anadolu Kavagi dada pelo Ismail, um taxista que também é guia, mas que nos pareceu mais um querido vovô aposentado que, para matar o tempo, entrete os turistas que chegam de barco querendo conhecer a região – que taxista ou guia pararia o carro em frente a sua casa para pegar frutas direto de sua horta para presentear desconhecidos?
Também teve a beleza da Mesquita Azul, a impressionante Hagia Sophia, o imenso Palácio Topkapi, a fantasmagórica Cisterna Yerebatan, as compras no Grand Bazaar e no Spice Bazaar (fizemos chá de maçã ontem, aprovado), os pratos de pide (a pizza turca) e uma longa caminhada no calçadão de Isitktal. E, claro, as cervejas turcas, deliciosas. Istambul, nos veremos novamente. Anote.
Para o fim, Londres. Três anos atrás, quando pisei pela primeira vez na capital do mundo pop, a cidade não bateu. Não é que eu não tenha gostado de Londres, imagina, mas a expectativa era grande demais. Todo mundo falava: “Quando você for para Londres você vai pirar”. E eu não pirei. Mas na minha terceira passagem pela cidade já posso dizer que a danada está me fazendo ter sonhos europeus (risos).
Londres é uma das poucas cidades européias que me faz ter vontade de sair à noite para beber uma cerveja e ver um bom show de alguma banda nova, algo que faço em São Paulo religiosamente ao menos uma vez por semana. Se eu morasse em Londres iria bater cartão em festas, iria gastar meu salário em CDs, vinis e shows, e teria carteirinha de cliente preferencial do Belgo, o bar belga da cidade (risos), e também do Rakes.
Londres foi um intervalo no grande motivo da ida para o Reino Unido: ver Paul McCartney na Ilha de Wight. Vampire Weekend fez grande show. Blondie foi cool. Suzanne Vega também. Até Strokes surpreendeu. Mas histórico, como disse o rapaz do vídeo no telão (“Vocês não vão esquecer essa noite”, adiantava), foi Paul. Arrepia lembrar de “Helter Skelter”, “Live and Let Die”, “Band on The Run” e “Something”.
Num balanço rápido, a viagem deste ano foi meio sem pé nem cabeça, mas funcionou. Acho que precisamos de algumas semanas para absorver algumas coisas da viagem, aprofundar o olhar, ampliar horizontes. A cultura de um povo é um bem inestimável. Passamos por lugares tão diferentes entre si (em língua, comida, personalidade), e tão próximos, que várias vezes nos vimos olhando o Brasil. Somos assim: várias nações dentro de uma grande nação. Viajar nos traz de volta pra casa.
E é bom estar em casa, voltar ao trabalho, seguir a rotina. Temos contas para pagar, um novo apartamento para encontrar e mudar, e estamos aprendendo a lidar com a vontade de bater asas e sair voando para longe. Tudo tem sua hora. É só ficar de olhos e ouvidos atentos. Ou, como diria Walter Franco, tudo é uma questão de manter a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranqüilo. Acrescento não deixar de tentar realizar sonhos à equação. A vida segue. Ainda bem. 🙂
Top 10 Cidades
1) Santorini (uma foto)
2) Istambul (uma foto)
3) Praga (uma foto)
4) Barcelona (uma foto)
5) Londres (uma foto)
6) Viena (uma foto)
7) Bratislava (uma foto)
8 ) Budapeste (uma foto)
9) Atenas (uma foto)
10) Ilha de Wight (uma foto)
Top Ten Lugares
1) Acrópole, Atenas (uma foto)
2) Santa Sofia, Istambul (uma foto)
3) Charles Bridge, Praga (uma foto)
4) Ôia, Santorini (uma foto)
5) Old Town Square, Praga (uma foto)
6) Parco Della Musica, Roma (uma foto)
7) Dancing House, Praga (uma foto)
8 ) Ponte Szabadság, Budapeste (uma foto)
9) Centro histórico, Bratislava (uma foto)
10) MuseumsQuartier, Viena (uma foto)
Top Ten Shows
1) Paul McCartney na Ilha de Wight (uma foto)
2) Wilco em Roma (uma foto)
3) Vampire Weekend na Ilha de Wight (uma foto)
4) Spoon no Primavera Sound (uma foto)
5) Black Rebel Motorcycle Club em Viena
6) Strokes na Ilha de Wight (uma foto)
7) Broken Social Scene no Primavera Sound (uma foto)
8 ) Pixies no Primavera Sound (uma foto)
9) Pavement no Primavera Sound (uma foto)
10) Scout Niblett no Primavera Sound (uma foto)
Top Ten Cervejas
1) Duvel, Bélgica (aqui) 8,5%
1) Chimay Blue, Bélgica (aqui) 9%
1) Chimay Red, Bélgica (uma foto) 7%
4) Kout Special Dark Beer 14°, República Tcheca (uma foto) 6%
5) Grimbergen Cuvée de l’Ermitage, Bélgica (uma foto) 7,5%
6) Grimbergen Optimo Bruno, Bélgica (uma foto) 10%
7) Gouden Carolus Ambrio, Bélgica (uma foto) 8%
8 ) Judas, Bélgica (uma foto) 8,5%
9) Achel Blonde, Bélgica (uma foto) 8%
10) Orval, Bélgica (uma foto) 6,2%
Top Ten CDs comprados
1) All Miles, The Prestige Albums, Miles Davis (box com 14 CDs)
2) Disintegration Deluxe Edition, The Cure
3) Fly On The Wall – B Sides e Rarities, Paul Weller (box com 3 CDs)
4) The Complete Singles Collection, The Thirteen Floor Elevators
5) Verona, Samson e Delilah, Bruce Springsteen (Bootleg)
6) Live at Isle of Wight, Leonard Cohen
7) London Wembley Arena, 05/10/2000, Bob Dylan (Bootleg)
8 ) New York City Blues, Lou Reed (Bootleg)
9) Working For The Man Deluxe Edition, Tindersticks
10) Stone Roses Deluxe Edition, Stone Roses
Todas as fotos por Marcelo Costa e Liliane Callegari
Mais fotos da viagem:
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/
junho 20, 2010 No Comments