A beleza e a tristeza de ser Atenas
Nosso guia de viagens já avisava sobre Atenas: “é bom não esperar uma terra encantada, pois daí você pode se decepcionar”. Mas como não esperar uma terra encantada se tudo que você sabe sobre a Grécia são o mar azul, a história antiga, a Acrópole e o filme “Casamento Grego” (além, claro, do indefectível churrasquinho grego). Após 15 dias de andanças pelo velho mundo, a chegada no país cuja economia é (e sempre foi) a mais frágil da Europa Ocidental é, inevitavelmente, um choque. E suspeito que isso tem mais a ver com a história do país do que com a recente crise econômica.
Tento não deixar me levar pelo momento, e um diário como esse é repleto de prejulgamentos que precisam ser melhores analisados com o tempo. Tipo Budapeste, que nos mostrou sisuda e tristonha, mas só porque chegamos na cidade em um fim de semana chuvoso. Ou Praga que se mostrou alegre e aconchegante, mas será só por que pisamos na cidade no dia da final do campeonato mundial de hóquei no gelo, contra a rival Rússia, e os checos felizes acreditavam no título (que, no final, foi realmente conquistado).
Penso sempre que o local que você escolhe para ficar pode influenciar diretamente seu olhar sobre a cidade. Talvez meu descaso com Florença, por exemplo, advenha do fato de termos ficado um pouco distantes do centro, mas lembro que achei o museu Uffizi um desrespeito (pelo preço, pela desorganização, pelas luzes que iluminavam de forma errada o quadro), a igreja nem tão impressionante sim, e tudo muito mais caro do que em outros centros. Talvez não tenha me enganado, mas vá saber, vou precisar voltar e tirar a prova.
Por outro lado teve Paris, em que tudo deu errado no primeiro dia, mas a cidade conquistou-me depois. Já em Atenas, as coisas estão complicadas. Demos azar no primeiro hotel (uma espelunca no meio de uma área pouco convidativa e que, recomenda-se, não se deve sair à noite), localizado em uma área da cidade que está caindo aos pedaços (o problema é muito mais antigo que a crise atual), o que é uma ironia, já que se as construções novas são um desastre, restos milenares continuam de pé muitas vezes melhor preservados.
Trocamos a espelunca por um Novotel. O primeiro ficava no bairro Psiri, entre a praça Omonia e os sitios arqueológicos. O segundo fica do outro lado da praça Omonia, e pode se dizer que lembra a Cracolândia, em São Paulo (yep, região barra pesada). Um grego contou ao Ariel Martini (nos encontramos sem querer perambulando pela cidade) que a polícia não costuma freqüentar muito a área, e que se você os chama-los sofrerá um belo interrogatório para eles confirmarem se vale a pena visitar o local.
Porém, a cidade não gira em torno apenas dessas duas áreas que circundam a praça Omonia (assim como São Paulo não é só a Cracolândia e Barcelona não é só o El Raval). A região da avenida Stadiou, que liga as praças Omonia e Syntagma, parece ser ótima, uma cidade grande que se contrasta com as casinhas turísticas do bairro Plaka. E embora as avenidas estivessem vazias (reflexo das manifestações diárias), a rua comercial Ermoy estava lotada muito antes de chegar no território turístico, pós metrô Monastiraki (uma região de barzinhos e restaurantes que lembra um pouquinho o bairro do Bexiga, em São Paulo.
Uma coisa que percebi em Barcelona desde que estive na cidade pela primeira vez, três anos atrás, é que esse momento da história mundial é bastante interessante pois chegamos em um ponto que preservar monumentos se tornou vital para as cidades. A recuperação de áreas antes degradadas está se tornando prioridade em diversos países, que enxergaram no turismo uma forma de abrir as portas de casa para os vizinhos. E, quando se fala em Europa, os vizinhos são muitos e querem visitar você e conhecer sua história.
Atenas, porém, exibe o cerne de seus problemas ao ar livre, pois você não está vendo somente a Atenas milenar, heróica, cujo apogeu aconteceu entre 480 e 338 antes de Cristo, mas também todos os anos de ocupação romana, bizantina, turco otomana, alemã e italiana (na Segunda Guerra) além da ditadura, tema do obrigatório “Z”, de Costa Gravas, que traduz política, manipulação da mídia, e o poder da força sobre a inteligência de forma soberba. Um filme tão fresco, tão forte, tão impressionantemente atual, que explica um pouco do que é Atenas hoje.
Lógico que a crise financeira atual pode ser vista em todas as esquinas. Manifestações pesadas estão acontecendo quase todos os dias nas ruas da cidade, repleta de policiais. Nesta terça, novamente, a polícia fechou diversas ruas evitando que carros circulassem pelas ruas perto do Parlamento grego, em frente a praça Syntagma. O clima é pesadíssimo na cidade, e faz parecer que um golpe de Estado pode acontecer a qualquer momento, mas isso pode ser mais a memória acostumada com om histórico de tantos eventos assim do que a realidade.
Terra encantada não existe. O que existe são pessoas governando países, e tudo que esses governos fizeram pelo povo em 2 mil anos está exibido na sua rua, no seu bairro, na sua cidade. E tudo isso é história, muitas vezes não tão bonita. As ruas do centro velho de Atenas são tão históricas quanto o Acrópole. O mundo perfeito dos shopping centers (um local em que você só vê beleza e está seguro) é falso (assim com a vida paralela dos personagens de Lost), e é preciso ter isso em mente quando se pisa em Atenas, uma cidade brasileira, com a classe média convivendo com a pobreza todos os dias.
No entanto, basta caminhar em locais antigos como os Parques Agora Romana e Agora Antiga para deixar-se levar pela contemplação, ou mesmo descer a rua Ermoy da praça Syntagma até o centro histórico para perceber que Atenas é uma cidade viva. O começo da área dos sítios arqueológicos e o bairro Plaka são inebriantes, e sempre que se levanta o olhar encontra-se o Parthernon, imponente, um templo mítico que lembra que a cidade já viveu outras tantas eras históricas. A esperança é de que o futuro reserve dias melhores para o povo grego no geral, e para Atenas em particular. Enquanto isso, a cidade vive (pois deixar de viver nunca foi uma opção), e nós a admiramos.
Ps1. Comprei na FNAC aqui em Atenas os dois primeiros DVDs da viagem: “Roma” e “Satyricon”, de Fellini, 6 euros cada (e com legendas em português… de Portugal. Mas tá valendo).Ps2. Estou me contendo bastante nas compras de CDs. Peguei a reedição dupla do debute do The La’s aqui, e em Barcelona quase pirei com a quantidade de bootlegs da Revolver Records, na Calle Tallers, 11 (veja o site da loja aqui). Tinha um box com todos os shows de Bruce Springsteen na Itália, ano passado (incluindo o show que vi em Roma) e centenas de DVDs piratas. Acabei pegando um bootleg simples do Bruce e mais algumas bobagenzinhas.
Ps2. Meu sonho de consumo do momento, presente em qualquer grande loja que se preze, é o box “Exile”, dos Stones (esse aqui), com dois vinis, dois Cds e um DVD. Mas tá carão.
Ps3. Terminei “Juliet, Naked”, do Nick Hornby. Aprovado. Escrevo dele assim que sobrar um tempo… Lili, por sua vez, está relendo “Tudo se Ilumina”, do Jonfe.
Ps4. Os próximos passos são Santorini na quinta-feira e Istambul na próxima segunda. Depois, Londres e Paul McCartney
Ps5. Acho que vai rolar chegar a 50 cervejas. No momento, 34.
Ps6. O jeito agora é descansar, pois amanhã será dia de Acrópole. Você vê ela lá em cima, no morro, e pensa que é perto. Pensa. A caminhada é longa, bem longa.
Ps7. Haja pernas…
Fotos da viagem:
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/
junho 1, 2010 No Comments