Wilco ao vivo em Roma
Um dos poucos monumentos turísticos de Roma que não tem mais de 2 mil anos, o Parco Della Musica (inaugurado em 2002 e já incluso no roteiro de visitas à cidade) não é apenas uma obra de arte visual, mas também uma catedral sonora. Grandes gomos de madeira no teto permitem que os sons flutuem no ambiente, valorizando quem faz música repleta de detalhes, como o Wilco, promovendo um encontro raro de uma banda perfeita sonoramente com um local de acústica impecável.
Jeff Tweedy trouxe a banda para o palco pouco antes das 21h, e assim que suas mãos tocaram o violão, o som de “Ashes Of American Flags” preencheu o teatro desenhado por Renzo Piano dando início a um daqueles momentos especiais que os apaixonados por música sonham a todo momento. Um dos cavalos de batalha do álbum que fez o Wilco renascer na história da música, “Ashes” soou delicada e perfeita abrindo caminho para outra canção do disco “Yankee Hotel Foxtrot” (2002), a usina de desconstrução desapaixonada “I Am Trying To Break Your Heart”.
Logo na segunda canção do show já é possível perceber com clareza a dinâmica que fez a fama do Wilco (e que anda faltando nos últimos discos de estúdio do sexteto): Tweedy carrega tudo no violão e na voz triste, mas a banda insiste em envenenar a melodia com um arranjo suntuoso abarrotado de trovoadas sonoras. Se fosse só Tweedy solo, o Wilco seria um punhado de canções bonitas ao violão, mas a tempestade do arranjo transforma uma simples canção em um momento sublime de arte.
“Bull Black Nova” é a primeira do disco mais recente do grupo a marcar presença no show, e Nels Cline, o mais brilhante escudeiro de Tweedy na atualidade, pontua a versão (conduzida ao piano) com aspereza. “Wilco (The Album)” (2009) foi recebido com frieza pela crítica, mas a banda investe tocando seis canções dele no show (só “Yankee” empata em execuções), e as músicas crescem um absurdo ao vivo como se o Wilco tivesse nascido para ser uma banda de palco, e não de estúdio. “One Wing”, um dos números brilhantes de “The Album”, surge encorpada e simplesmente arrepia, com Nels Cline arrasando na guitarra.
E, então, por cerca de cinco minutos, o mundo pára. Um barulho de microfonia surge em meio ao silêncio, e o tecladista Mikael Jorgenses dispara no teclado as notas inconfundíveis de “A Shot In The Arm”. A banda vem junto e entrega para os 2800 espectadores uma versão ensurdecedora e arrasadora de um dos clássicos da primeira fase do Wilco. É a sexta música da noite, e o show já poderia ter acabado. Daí em diante, a banda arranca num crescendo mortífero no show, mas tudo soa estranhamente menor, imperfeito perto da grandiosidade de “A Shot In The Arm”.
Tweedy só se dirige ao público pela primeira vez quando o relógio anota pouco mais de uma hora de música. “Roma, é bom estar aqui”. E conta uma história. “Estávamos ontem, embasbacados, no Coliseu. E uma americana atrás de mim solta a pérola: ‘Nós viemos até aqui para ver isso??’. Definitivamente, eu não sei o que acontece com as pessoas”. Depois, elogia o som da casa e se rende à obra do arquiteto Renzo Piano. “Esse lugar é muito legal. Obrigado por nos deixarem tocar aqui”.
“One By One”, lançada em um disco com Billy Bragg, traz Nels Cline na guitarra steel, e ele novamente faz seu show particular, e estica o momento com o instrumento no colo, e uma pequena guitarra nos braços, numa versão pungente de “Deeper Down”. Mas é na dobradinha “Handshake Drugs” e (principalmente) “Impossible Germany” que a plateia louva o guitarrista, que sola seu instrumento como se o mundo fosse acabar nos próximos dois minutos, e a última coisa que ele tem a fazer na vida é esse solo de guitarra (no Primavera Sound, o público “cantou” o solo).
“Via Chicago”, inebriante, surge em um arranjo que lembra “A Shot In The Arm” (sua có-irmã do álbum “Summerteeth”) e “Break Your Heart”, e conquista a plateia (mas perde para as outras duas em empolgação). Um mini bloco “Yankee” dá às caras: “War on War” aparece mais acelerada do que no disco. Ao final, Tweedy confessa: “Essa música soou muito bem aqui”. E provoca: “O único problema de tocar num lugar bacana como esse é que vocês ficam estirados como se estivessem dormindo”. O público ri, e aos primeiros acordes de “Jesus etc…” não se contém e se levanta para cantar a canção, como se fosse um hino.
O trecho final da apresentação é delirante com “Heavy Metal Drummer” abrindo o bloco, que segue com uma versão grandiosa de “Hate It Here”, namora os Beatles (e Paul) em “Walken” e dá um longo e forte abraço em Neil Young com uma versão guitarreira de “I’m The Man Who Loves You”. O show acaba, e o público, que já tinha tomado as laterais do teatro nos números finais, vai para a frente do palco aguardar a banda, que volta com a boa “The Late Greats”, emenda com “California Stars” (assista aqui) e termina country rock (com direito a duelo de guitarras entre Nels e Pat Sansone, o guitarrista cover de Tom Petty) com “Red Eye and Blue / I Got You (At the End of the Century)”, “Hoodoo Voodoo” e “I’m a Wheel”.
No total, 27 canções em mais de 2h30 de música confirmam que o Wilco segue imbatível no quesito performance ao vivo. Aconteça o que acontecer, você precisa colocar como meta em seu futuro ver Nels Cline e Jeff Tweedy ao menos uma vez na vida, o mais rápido possível, ao vivo. O que esses dois caras fazem no palco (escorados com excelência pela banda) é de lavar a alma dez vezes na mesma noite. Embora a banda tenha se acochambrado no classic rock em estúdio (e a imensa presença de cabelos brancos na plateia só pode referendar isso), ao vivo o Wilco é uma das raras experiências imperdíveis que o rock and roll pode proporcionar no novo século, um show para se ver e guardar na memória.
Leia também:
Europa 2009: Bruce Springsteen ao vivo em Roma (aqui)
Europa 2010: Complexo Parco Della Música, de Renzo Piano (aqui)
Todas as fotos por Marcelo Costa
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
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