Uma tarde caminhando no El Raval
Dois anos atrás escrevi que uma das coisas legais do Festival de Benicassim é que quando o festival não tá rolando (tipo manhã e começo da tarde), a galera vai toda pra praia e bodeia. O mesmo não pode ser dito do Primavera Sound, por exemplo. As pernas estão arrebentadas de dois dias insanos de festival (e ainda falta um), mas você está num dia de sol em Barcelona, uma das cidades mais lindas do mundo, e não tem como ficar no hotel de perna para o alto, né. Então, bora camelar.
O passeio arquitetônico de Lili desta vez nos levou ao bairro El Raval, que antigamente abrigava os bordéis mais devassos da Europa, mas que – de 20 anos para cá – vem passando por uma revitalização, que começou com a inauguração, em 1995, do Macba, o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, obra do arquiteto norte-americano Richard Meier, que criou um belo prédio branco no meio da paisagem colorida de cortiços de um dos bairros populares da cidade.
A primeira lembrança que tive foi do Centro Pompidou, em Paris, mas nada a ver com arquitetura, e sim com a ocupação do lugar pelas pessoas. De que adianta fazer um museu ou uma praça que ninguém usa – ainda mais em um bairro degradado. Assim como o museu francês, o Macba virou ponto de encontro de estudantes, skatistas e trabalhadores da região, que encontram-se frente a fachada para fazerem lanches, andar de skate, botecar e paquerar. E beber… orxata.
O refresco de amêndoas, gergelim e cevada que dá nome à canção que abre o segundo disco do Vampire Weekend pode ser encontrado em uma sorveteria ao lado da Macba, e tem um gosto que lembra alguma coisa que eu e Lili não conseguimos decifrar (risos). É um suco meio pastoso originário de Valência, e os espanhois levam à sério sua fabricação: há até um conselho regulador para garantir a qualidade do produto. Vale experimentar, mas a música é bem melhor.
Saindo do museu decidimos dar um passeio pelo El Raval começando pelo meio macabro, pero colorido Mercado da Boqueria, uma mistura de cores e culturas bastante interessante. Bobeamos pois fizemos um lanche antes, mas devíamos ter almoçado em alguma casa de tapas por ali, pois os pratos de frutos do mar provocavam (e eu nem gosto de frutos de mar). Descemos até o Palau Guell, de Gaudi, que foi reaberto (só o piso terreo e o subsolo), mas o horário de visita já tinha ido.
A revitalização que começou 20 anos atrás pelo jeito melhorou muito o El Raval, mas é impossível caminhar pelo bairro sem prestar atenção às faixas que dizem, em catalão, “Volem un barri digne” (“Nós queremos um bairro digno”), uma campanha de moradores e comerciantes visando diminuir o crime e a presença de drogados na região (pelo que entendi, o El Raval tem uma área mais ou menos parecida com a Cracolância, em SP).
O El Raval apresenta uma Barcelona bastante diferente do Eixample (região desenhada pelo urbanista Ildefons Cerdá, que abriga as maiores obras de Gaudi) e muito próxima ao Barri Gotic. Ficamos caminhando por ali, passamos em frente ao London Bar, na antigamente mal-afamada Carrer Nou de La Rambla (pela sucessão de bordéis e espeluncas), um pub que já foi freqüentado por Picasso, Miró e Hemingway, e ainda hoje promove noites de jazz com música ao vivo. Tomara que a ação dos moradores surta efeitos. O El Raval merece.
Ou seja, dever (turístico) cumprido. Mais um pedaço de Barcelona para se guardar na memória. Hoje é a última noite do Primavera Sound, e amanhã Wilco em Roma. Aguenta, coração, aguenta.
Fotos da viagem e dos shows:
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/
maio 29, 2010 No Comments
Primavera Sound 2010: Dia 2
Na programação oficial, 64 nomes divididos em nove palcos. Na programação pessoal, nove. O segundo dia do festival espanhol prometia arrebentar com as pernas da galera, e conseguiu. O primeiro show do dia era para ser o de Hope Sandoval, mas a siesta estendida impediu que chegássemos em tempo de pegar um lugar na enorme fila que levava ao teatro do festival. Fica pra próxima. Rolou de ver a última música do New Pornographers, e o show deve ter sido bem bom. Fecho com chave de ouro.
No palco ATP, a inglesinha Scout Niblett convertia pessoas comuns em fãs. Com cinco discos já lançados, a menina se diz influenciada pela guitarra de Kurt Cobain (o show é ela na guitarra e um cara na bateria quando não ela sozinha na bateria), mas em alguns momentos é impossível dissocia-la de PJ Harvey, embora Scout seja bem mais calminha. Uma carreira para se acompanhar. O lenga lenga freak folk da dupla Cocorosie levou uma multidão ao palco Ray-Ban com criançinhas africanas no telão e um som que lembrava Enya saindo das caixas de som. Chato.
Bom mesmo foi o show do Spoon, uma das melhores formações ao vivo da atualidade. Nem o disco novo, que é chatinho, conseguiu tirar a força da cambada de Britt Daniel no palco. O cara parece sentir cada acorde, e consegue passar isso para o público. As músicas novas (três na noite) não deixaram o clima cair, mas foi com hits como “You Got Yr. Cherry Bomb” e “Don’t Me Be a Target” que o gupo fez a apresentação realmente valer a pena. O clima no show do Planeta Terra, anos atrás, estava melhor, mas aqui a banda se superou numa grande apresentação.
Uma volta rápida ao palco ATP para ver três canções do badalado duo Beach House (acrescido de um baterista) reunir um público excelente e então era hora de ir para o palco principal encontrar Jeff Tweedy, que deu seu recado logo na primeira canção da noite: “Wilco, will love you babe”. Porém, o som em “Wilco, The Song” estava péssimo, e a banda emendou a tempestade sonora de “I Am Trying To Break Your Heart” procurando um caminho no escuro, mas ainda tropeçou nos diversos problemas técnicos.
“Estamos com problemas, mas acho que agora vai. Vamos começar o show, mas preciso que vocês cantem essa comigo”, pediu Tweedy soltando a voz com “Jesus, etc…”. Atendido. Daí em diante o show engatou coroando, principalmente, a performance arrasadora do guitarrista Neils Cline, que fez números como “One Wing”, “Handshake Drugs” e “Impossible Germany” soarem… eternas. Hits pra cá e pra lá (“A Shot In The Arm”, “Heavy Metal Drummer”, “I’m The Man Who Loves You”, “Misunderstood”) e um show foda. Se em discos a turma de Jeff Tweedy acomodou-se, ao vivo eles continuam sendo uma experiência redentora. Ou como grifou o El Pais, a melhor banda de rock do mundo.
Para o final, Pixies… em quaaaaase marcha lenta. Porém, se fosse estático, um show do Pixies ainda seria melhor do que muita coisa por ai (e do próprio festival) tamanha a quantidade de hinos que a banda apresentou no Primavera Sound. Eles foram álbum a álbum tirando o melhor. Assim, “Velouria”, “Is She Weird”, “Allison” e “Rock Music” apresentaram o disco “Bossa Nova”. Já “Tromple Le Monde” foi representado por “Planet of Sound”, pela cover redentora de “Head On” (do Jesus and Mary Chain) e por “Alec Eiffel”.
O quarteto aumentou o pique das canções na metade do show, e o grosso da apresentação ficou entre “Surfer Rosa/Come on Pilgrim” e “Doolittle”. É só enfileirar as grandes canções: “Monkey Gone To Heaven”, “Debaser”, “Wave of Mutilation”, “Hey”, “Gouge Away”, “Here Comes Your Man”, “Bone Machine”, “Broken Face”, “Caribou”, “Isla de Encanta”, “Holyday Song” e, para o bis, a dobradinha “Gigantic” e “Where is My Mind?”. Até a cover de Neil Young, “Winterlong” mostrou às caras em um show saudosista e comportado, mas ainda assim um grande show.
O Primavera Sound segue em seu terceiro dia com mais 64 bandas. Tem coisas boas na agenda (The Drums, Build To Spill, Grizzly Bear, Sunny Day Real Estate, Florence + The Machine e The Slits), mas isso depende mais do condicionamento físico do que da vontade de ver mais alguns grandes shows. Pernas, ajudem.
Leia também:
– Primavera Sound, Dia 1: The Fall, Superchunk, Pavement (aqui)
– Primavera Sound, Dia 3: The Drums, Grizzly Bear, Charlatans (aqui)
Fotos da viagem e dos shows:
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/
Fotos do show do Pixies, crédito Inma Varandela
maio 29, 2010 No Comments