Três horas de Bruce Springsteen em Roma
Ok, ok, melhor falar a verdade: não foram três horas exatas de show, e sim duas horas e cincoenta e nove minutos. Mas foram 179 minutos ininterruptos de apresentação sem saída para o bis. Bruce ficou no palco o tempo inteiro correndo de lá pra cá enquando a sua E Street Band descia o sarrafo com músicas de altíssima qualidade. Nem parece que ele está para fazer 60 anos…
Os portões do Stadio Olimpico foram abertos às 16hs e uma multidão já esperava debaixo do forte sol buscando um lugar pertinho do palco. Os 42 mil ingressos colocados à venda já estavam esgotados, e cambistas faturavam em cima daqueles que deixaram para a última hora. Dezenas de barraquinhas de camisetas mostravam que o lugar já era dominio de Bruce, mesmo com o Mundial de Natação acontecendo ao lado do estádio.
Por causa do Mundial de Natação, inclusive, a produção avisou por email um mês antes que o show atrasaria meia hora, inicio previsto para às 22h30. Bruce entrou às 22h27, e em poucos segundos já havia conquistado o público com os primeiros acordes de “Badlands”. A audiência deu um show à parte estendendo-se ainda para “Out In The Street”, com seu coro do refrão sendo cantado desde os primeiros segundos.
A épica e nova “Outlaw Pete” trouxe belas imagens no telão enorme. Seguiram-se “No Surrender”, “She’s The One”, uma versão fofa de “Working On A Dream” (com estrelas brilhando no telão), “Seeds” (com dezenas de imagens da E Street Band) e uma estupenda versão de “Johnny 99” seguida de “Atlantic City”, as duas do álbum “Nebraska”. O primeiro bloco foi fechado por “Raise Your Hand”, que fez a cama para um dos grandes momentos do show.
É o seguinte: se você quer muito, mas muito mesmo que Bruce toque a sua música preferida, ajuda e muito escrever o nome dela em um cartaz, chegar cedo, e passar o pedido para o chefão no meio do show. Ele pega vários pedidos, lê, mostra para a banda, e se for aprovado, coloca na frente do pedestal e manda brasa. Acontece sempre no meio do show, mas no fim ele sempre escolhe mais um ou dois cartazes, dependendo do humor.
Nesta noite, a festa começou com “Hungry Heart”, em versão de chorar (até uma menininha de uns cinco anos participou do coro quando Bruce desceu até a galera). “Eu casei na semana passada e estou pegando fogo”, dizia outro cartaz com a deixa para Bruce tocar “I’m on Fire”. Vieram ainda “escolhidas pelo público” outras duas surpresas: “Pink Cadillac” e “Surprise, Surprise”.
A terceira parte do show começou com “Prove It All Night”, seguiu-se com uma versão linda de “Waiting On A Sunny Day” (que contou com a participação de um garotinho retirado da platéia que cantou o refrão no maior embromation – hehe), “The Promised Land”, “American Skin (41 Shots)”, “Lonesome Day”, “The Rising” e… “Born To Run”, com todo o estádio aceso e gritando a letra da canção. Momento para não esquecer.
Ao final do número, Bruce agradeceu a todos, a E Street Band começou a deixar o palco, mas o chefão pegou o violão e mandou uma bonita versão de “My City Of Ruins”, que serviu a perfeição como introdução de “Thunder Road”, clássico maior (assista a um trechinho aqui). O “bis” ainda teve “You Can’t Sit Down” e “American Land” (com a mãe do compositor, Adele Zirilli, nascida no sul da Itália, subindo ao palco para abraçar o filho).
Acabou? Não. Bruce pegou mais um cartaz da galera e mandou “Bobby Jean”. Uma companheira do disco “Born In The USA” veio em seguida, o megahit “Dancing In The Dark”, com Bruce puxando uma garota da platéia para dançar com ele. Finito. Ou quase. Estatelado no centro do palco, e ensopado de suor e água, o chefão mandou: “Não dá mais, Roma”, mas a galera insistiu, e ele fechou a noite com uma cover de “Twist and Shout” (com citação de “La Bamba”).
A impressão final é de uma noite perfeita. Bruce fez valer a grana que todo mundo pagou com suor, entrega e uma apresentação majestosa, dessas que mesmo os italianos que já estão acostumados a ver Bruce todos os anos (o desfile de camisetas de turnê é impressionante) saem surpresos e felizes. O jornal gratuito do Metro italiano cravava na manhã desta segunda-feira: “The Boss conquista Roma”. Impossível discordar, impossível.
Fotos da viagem:
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/
julho 20, 2009 No Comments
Obras primas de Michelangelo em Florença
Na minha imaginação, Florença seria um caos no sábado, mas o dia foi ótimo com menos calor do que os dias anteriores (só fez quase 30 graus, quase) e muito menos turistas superlotando o compacto e lindo centro antigo da cidade. Também nos organizamos. Compramos as entradas para a Galeria Degli Uffizi e para a Academia com hora de entrada reservada e marcada, assim pudemos aproveitar com mais calma a cidade. E valeu muito a pena.
O dia começou com uma caminhada pela Ponte Vecchio, que pelas fotos pode parecer uma favelinha sobre uma ponte, mas na verdade são lojas de jóias. Na verdade mesmo, ali pelo século 15, a ponte (e todas as pontes da cidade) tinham comércio. Na Ponte Vecchio ficavam os açougues da cidade, que jogavam os restos de carne no rio, mas os manda-chuvas da área, a familia Medici, que morava ali do lado, incomodada com o cheiro, tirou os açougues e colocou joalherias no local. Todas as outras pontes sucumbiram na segunda guerra, restando apenas a Vecchio para contar a história).
A familia Medici patrocinou praticamente todos os artistas da cidade, de Michelangelo a Donatelo, de Leonardo Da Vinci a Rafael entre muitos outros. Algumas obras do acervo da familia estão na Galeria Uffizi, que até tem um acervo bacana, que sucumbe diante da má iluminação de algumas salas. Gostamos muito da sala Niobe (veja aqui), reafirmei minha admiração pelos retratos densos de Tiziano e, de quadro mesmo, gostei de “Primavera”, de Botticelli (veja aqui) e de “San Jacobo con Due Fanutti”, de Andrea Del Sarto, mas como um todo o museu não me impressionou tanto como outros da viagem.
Dali saimos para almoçar perto do Mercado Central. Acabamos parando em uma Tratoria, pois fui fisgado pelo cartaz que oferecia a Bisteca a La Fiorentina, um delicioso e enorme bife de corte diferente e feito com os mandamentos toscanos. A garçonete recomendou: “Prove sem azeite, para sentir o gosto da carne”. Resultado: melhor prato da viagem até agora. Lili pegou um ótimo gnochi ao pesto e assim nos preparamos para mais uma caminhada pela arte: ir a Academia.
O acervo da Galleria Academia é pequeno, porém de fazer chorar. Voce entra em uma sala e encontra os quatro escravos não terminados de Michelangelo, mais São Matheus (que é divino, na mesma linha dos Escravos) e também Pietà, outra obra magnifica do homem.
No fim do corredor está David, imponente, gigasteco, meditando sobre sua vitória contra Golias. Simplesmente uma sala de arrepiar a alma. Lili é apaixonada pela simbologia dos Escravos, que Michelangelo fez para o túmulo do Papa Júlio II, mas nunca terminou. Ou como dizem muitos, não quis terminar, deixando-os encravados na pedra com ar de sofrimento e gestos de dor.
Ficamos pelo menos umas duas horas dentro da Academia indo pra cá e pra lá entre as obras de Michelangelo. Aproveitamos para ver uma exposição interessante de Robert Mapplethorpe, o fotógrafo e amigo de Patti Smith que a fotografou para a capa do mitico “Horses”. Uma foto da mesma sessão está exposta nesta mostra temporária.
E ainda obras de Bartolini, um cara que eu adoro. Havia, inclusive, uma cópia da Dirce, que vimos no Louvre. Deixamos a Academia flutuando, passamos por uma passeata contra o ditador iraniano, e voltamos para casa antes de escurecer para arrumar as malas. Neste domingo partimos para Roma e Bruce Springsteen. Dia agitado, meus amigos, dia agitado.
Fotos da viagem:
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julho 20, 2009 No Comments
Perdido em Firenze e o inferno do Mogwai
Florença é uma cidade cara, uma das mais caras de toda a viagem. Um gelato aqui pode custar 9 euros (quase R$ 30) e um almoço simples pode sair por quase R$ 50. Refrigerantes são um assalto. Uma coca-cola lata não sai por menos de R$ 10 no centro histórico, que é deslumbrante, mas pode derrubar muitas economias claudicantes, como a nossa.
Na Galeria Degli Uffizi, o mais significativo museu da Renascença, por exemplo, a entrada é mais cara do que a do Louvre, e não aceita cartões nem dá desconto para estudantes (só para integrantes da Comunidade Europeia). E, ainda assim, as filas são enormes, uma das maiores que encontramos em toda a viagem. Agendamos um horário para o dia seguinte, e fomos descansar.
Na verdade, Lili foi descansar. Eu fui fazer a grande aventura da viagem até o momento: ir a show do Mogwai em um lugar que eu só sabia onde era pelo mapa, mas não tinha a mínima ideia de como chegar por ônibus, que não são lá tão explicativos como em outras cidades europeias que visitamos. O lance era pé na estrada, e vou te dizer que foi beeeeem divertido.
Li sobre o show em um jornal, e não sabia o horário, então parti às cegas com o mapa na mão atrás da Fortezza da Basso, uma antiga e enorme fortaleza datada do século 14 que hoje em dia é sede de inúmeras conferências, reuniões, concertos e iniciativas nacionais e internacionais, como o show do Motorhead, que tocou um dia antes do Mogwai.
Descobri por cartazes no caminho que o show estava agendado para às 21h30, e eu já estava bem perto do lugar às 19h30. Bacana. Era torcer para o lugar não ser monótono, pois eu teria duas horas para matar ali. Monótono? Nestes dias de julho a Fortezza da Basso está recebendo uma Feira Latina com comidas, bebidas, grupos e tudo mais o que você pode imaginar.
É um feirão com barracas de churrascarias gaúchas, “picanharias” argentinas tocando tango, quiosques de comida colombiana, tequilas e petiscos mexicanos, e tudo o mais. Deu uma puta vontade de encarar um churrasco brasileiro, mas acabei optando por um básico kebab acompanhando de uma cerveja dinamarquesa.
E tô eu ali, convite do show no bolso, tomando a minha cerveja, quando o cara da mesa ao lado (com um amigo e outra amiga) elogia a minha camiseta com estampa de Miles Davis. Retribui elogiando a dele, do Jimi Hendrix Experience, e a garota da mesa comenta que falei em espanhol (portunhol, na verdade), e começamos, cada um de sua mesa, a falar de shows e tal.
Em dois minutos já estávamos amigos. Ele se chama Leonardo, tem 29 anos, mãe carioca (ele mesmo nasceu no Rio de Janeiro), mas veio para Roma aos 9 anos e hoje em dia trabalha com jornalismo e marketing no site EcologiaInViaggio. O diálogo rolava mais ou menos em portunhol da minha parte, com o italiano misturado com o carioca da dele, com a menina (que eu não entendi o nome) queridíssima traduzindo no bom espanhol. Foi hilário.
Tomamos uma boa leva de birras os quatro, e eles (que são de Roma) contaram que estavam em Firenze para ver o Mogwai, e partiam na mesma noite para a cidade praieira de Livorno para ver, no dia seguinte, Kraftwerk e Aphex Twin. Ele tentou arranjar um espaço para mim e para Lili na casa em que eles iriam ficar em Livorno, mas não rolou. Mesmo assim estamos cogitando ir.
No fim, combinamos de trocar informações de bandas e artistas de cada país. Falei para ele da ótima cena independente nacional, ele contou que o cenário mainstream italiano está “una mierda”, tal qual o nosso. Todos na mesa reclamaram, e muito, do governo Berlusconi, e todos me ofereceram abrigo em Roma, caso eu e Lili ainda não tivéssemos reservado algum lugar.
Dali, partimos para o show do Mogwai, que ficava em uma tenda aberta no centro da festa. Tente você imaginar a orgia de guitarras altíssimas dos escoceses tendo como fundo uma festa latina? Foi assim que aconteceu. O show foi absurdamente bom, daquele nível Mogwai de ser. As canções começam lentas e vão até o inferno tentar salvar anjos caídos.
A primeira do set list (em foto mais abaixo) foi “Friend of The Night”, do álbum “Mr. Beast”. Do último disco, “The Hawk Is Howling”, marcaram presença “I’m Jim Morrison, I’m Dead” e o hit “Batcat”, mas o set list caprichado abriu espaço para os hinos infernais “Mogwai Fear Satan”, “Summer” e “You Don’t Know Jesus”.
Na volta do bis, o aviso: “Essa é a última canção”. Nos primeiros acordes, sorrisos no meio do público, afinal não é sempre que a última canção de um show dura mais de 20 minutos. Desta forma, “My Father, My King” fechou o show de forma absolutamente ensurdecedora. Show finito, despedidas e e-mais trocados, hora de ir embora. E não é que eu me perdi em Florença…
Foram duas horas e pouco de show – acabou bem perto da meia noite. Com os ouvindos zunindo, saio por outro portão numa praça que já havia passado de ônibus. Procuro um ponto e caminho até lugar nenhum. As ruas raramente tem placas, então sigo o instinto (inseguro). Ali pelas 00h40 encontro o Rio Arno, e o rumo de casa. Compro um panino, uma coca e vou encontrar Lili, que estava preocupada. Sem problemas, a noite em Florença é bela.
Leia o diário de viagem Europa 2009 completo aqui
julho 20, 2009 No Comments