Posts from — maio 2009
Cenas da vida em São Paulo – O espelho
Dez horas da manhã, centro de São Paulo. Um rapaz carrega em sua mochila alguns CDs que precisa colocar no correio. Ele saiu para a rua, comprou os envelopes, e começou a procurar um netcafé para que pudesse pegar os endereços de que precisava. Na Avenida São João, pouco depois da Ipiranga, há um Centro de Atendimento ao Turista:
– Oi, bom dia. Você saberia me informar onde há um lugar em que eu possa acessar internet por aqui?
– Aqui mesmo. Na verdade, eu não sei se está aberto, mas é virando ali – diz a menina da recepção desculpando-se graciosamente na seqüência: – É o meu primeiro dia de trabalho…
O local indicado pela garota era um Telecentro. A pessoa vai, faz o cadastro e com um número de inscrição em mãos pode usar internet uma hora por dia em qualquer telecentro do país. O rapaz dá seu RG para o atendente, que preenche o cadastro e pergunta se o rapaz vai querer usar a internet de 11h às 12h. Resposta positiva, então é só aguardar 15 minutos pelo horário marcado.
Em um balcão lateral, enquanto lê um livro e observa o ambiente (não necessariamente nessa ordem), o rapaz percebe que um senhor (aparentando mais de 70 anos, com roupas simples e olhos tristes) deixa um computador e vem em sua direção. Antes, ele passa no balcão de atendimento, pega uma folha que mandou imprimir, e começa o diálogo/monologo:
– Eu já fiz vários cursos aqui nessa galeria, alguns duas vezes. Fiz um para consertar computadores. Era uma sala com vários computadores quebrados, e nós íamos lá, mexíamos aqui, ali, e então a tela acendia… ligava. Você sabe que esse Telecentro não é da Prefeitura? Não é. Eles entraram apenas com o nome. Foi um projeto da União Européia, que decidiu colocar Telecentros em 83 países. Houve um evento em Barcelona, no começo deste ano, e o diretor deste Telecentro, sabendo que sou ator, pediu para que eu gravasse um vídeo para que ele pudesse mandar para lá. Eu sentei naquele cantinho, e sem ter ensaiado nada, fiz um improviso. Acabaram de me enviar esse email. Olha aqui. Está dizendo que o vídeo que eu mandei foi escolhido o terceiro melhor de mais de 80 que foram enviados. O terceiro melhor do mundo. Então, meu filho, saiba que podem roubar tudo o que você tem, mas nunca vão roubar o que você sabe. Se algum dia você estiver mal, as coisas não estarem dando certo, lembre-se disso. Olhe no espelho e pense em tudo o que você sabe fazer, pois isso é seu e ninguém pode tirar. Deus te abençoe.
Ele estendeu a mão ao rapaz para um aperto e sumiu na imensidão dos 11 milhões de habitantes de uma cidade que muitas vezes não tem rosto e nem coração, mas que surpreende vez em quando por respirar e ter alma. Alma.
maio 30, 2009 No Comments
A base e o fundamento da vida moderna
“O amor elimina o medo, mas reciprocamente o medo elimina o amor. E não apenas o amor. O medo elimina a inteligência, elimina a bondade, elimina todo pensamento de beleza e verdade. Só persiste o desespero mudo ou forçadamente jovial de quem pressente a obscena presença no canto do quarto e sabe que a porta está trancada, que não há janelas. E então a coisa acomete. Ele sente uma mão na sua manga, respira um bafo fétido, quando o ajudante do carrasco se inclina quase amorosamente para ele. “É a sua vez, irmão. Por aqui, tenha a bondade”. E num instante o seu terror silencioso é transformado num frenesi tão violento quanto inútil. Não é mais um homem entre os seus semelhantes, não mais um ser racional falando articuladamente a outros seres racionais; apenas um animal ferido, ululando e debatendo-se na armadilha. Pois, no fim, o medo elimina no homem a própria humanidade. E o medo, meus bons amigos, o medo é a própria base e fundamento da vida moderna. Medo da tão apregoada tecnologia que, enquanto eleva o nosso padrão de vida, aumenta a probabilidade de nossa morte violenta. Medo da ciência que arrebata com uma das mãos ainda mais do que tão prodigamente distribui com a outra. Medo das instituições manifestamente fatais pelas quais, em nossa lealdade suicida, estamos prontos a matar ou morrer. Medo dos Grandes Homens que elevamos, por aclamação popular, a um poder que eles usam, inevitavelmente, para nos massacrar e escravizar. Medo da guerra que nós não queremos e todavia tudo fazemos para desencadear.”
Trecho do livro “O Macaco e a Essência”, de Aldous Huxley, de 1949.
maio 22, 2009 2 Comments
Cenas da vida em São Paulo – o colesterol
Quase oito da manhã de uma quarta-feira. O cara acorda atrasado para uma consulta médica e decide sabiamente pegar um taxi. Já dentro do veículo…
– Rua Marceleza foi o que o senhor disse?
– Isso (na verdade é Marselhesa), na Vila Mariana.
– A gente passa por tantos lugares trabalhando de motorista de taxi que eu até acho que já passei por essa rua ai, mas não estou me lembrando agora.
pausa – maldita hora em que esqueci de imprimir o mapa no Google – fecha pausa.
– É um pouco antes do Shopping Santa Cruz – arrisco.
– Ah, é perto do Shopping Santa Cruz. Então tá fácil.
É claro que ele ignorou o “um pouco antes” e entrou na primeira depois do shopping. Deu várias voltas até parar alguém, perguntar, e dizer:
– É mais lá atrás…
E o papo segue.
– Estou indo fazer um check-up para a firma.
– Eu não gosto de médicos, sabe. Tem um cara lá no nosso ponto que tinha um vida bem boa e nunca tinha ficado doente. A mulher dele encheu tanto o saco para ele ir ao médico, e ele foi. Ai descobriu que o colesterou estava alto, teve que entrar num regime, parou de beber, comer coisas gordurosas, essas coisas, e agora vive tomando remédio, está sempre doente, e reclama da mulher. Era feliz e não sabia.
– silêncio.
– Número 500, né? Chegamos, Bons exames.
– sorriso sem sal.
*******
Fui pegar hoje o resultado de meus exames de check-up. Fora o oftalmo, que encanou que não ando enxergando bem as coisas, o resto está tudo bem (viu, mulher!). O colesterou no geral está alto, mas nada alarmante. O desejável é até 200mg, e estou com 202mg (na faixa limite que vai de 200 até 239). Colesterol alto só acima de 239. Já o colesterou ruim (o LDL) está mais sossegado. O nível ótimo é 100. O desejável é de 100 a 129. O limite é de 130 a 159. Elevado vai de 160 a 189. Muito elevado de 189 para cima. Estou com apenas 127. \0/ Ou seja: vou comer sim essa baguetinha do post anterior em Florença. Ainda sou feliz.
maio 20, 2009 No Comments
Das coisas que me explicam
>De resto, tudo bem. Eh impressionante como essa poluição toda me faz >bem para alma.
Meu Deus, os paulistas realmente nao sao deste planeta, isso eh pq vc nao mora no Rio, eu vejo o mar e o sol e a lagoa e a montanha todos os dias… todos os dias Deus me lembra que estou viva
> Hoje vou ver “Dali” no Masp. E eh isso. A tristeza esta me pegando sei >la porque e isso tem me arrebentado…
A tristeza esta te pegando pq vc gosta disso. Vc eh meu companheiro “ludico”, vc eh o elemento de insanidade e irrealidade do meu cotidiano. Vc pra mim nao existe, certo? Vc eh palavras bonitas e poemas no meu dia; vc eh a magica que eu nao tenho normalmente. E por ser assim, vc eh tristeza e alegria (mesmo que melancolica), pq eh so sentimento puro; e mesmo que voce me fale do sanduiche de cebola, nozes e repolho que comeu, mesmo assim sera belo pq eh um contexto de conto-de-fadas, nao eh simplesmente a narracao de uma refeicao, e sim algo bem mais profundo, uma constatacao paradoxal da sua existencia – eu nao *imagino voce, voce *eh*, apesar de nao existir.
Fragmento de correspondência pessoal SP/RJ, 1999
maio 18, 2009 No Comments
Roteiro Europa 2009 fechado
Bem, agora é economizar mais ainda nos dois próximos meses, pois todas as passagens estão compradas. Depois do casal conversar muito, debater e passar algumas noites em claro escolhendo apartamentos e albergues, o roteiro final ficou assim:
27/06 – Londres
28/06 – Londres
29/06 – Londres
30/06 – Londres
01/07 – Londres
02/07 – Londres (Hyde Park: Blur, Foals, Friendly Fires, Crystal Castles)
03/07 – Londres / Paris
04/07 – Paris / Leuven (Rock Werchter: Nick Cave, Franz Ferdinand, Mogwai, Yeah Yeah Yeahs, Kings of Leon, Kate Perry, Social Distortion)
05/07 – Leuven / Paris
06/07 – Paris
07/07 – Paris (Leonard Cohen)
08/07 – Paris
09/07 – Paris
10/07 – Paris
11/07 – Paris / Bruges (Cactus: Paul Weller, Gutter Twins, Cold War Kids)
12/07 – Bruges (Cactus: Joss Stone, Calexico, Magic Numbers, !!!)
13/07 – Bruxelas / Berlim
14/07 – Berlim
15/07 – Berlim
16/07 – Berlim / Pisa / Firenze
17/07 – Firenze
18/07 – Firenze
19/07 – Firenze / Roma (Bruce Springsteen)
20/07 – Roma
21/07 – Roma
22/07 – Roma
23/07 – Roma / Veneza
24/07 – Veneza
25/07 – Veneza
26/07 – Veneza / Barcelona
27/07 – Barcelona
28/07 – Barcelona
29/07 – Barcelona
30/07 – Barcelona / Madri
31/07 – Madri
01/08 – Madri
02/08 – Madri / Paris
03/08 – Paris / Sâo Paulo
Um amigo se animou e deve nos acompanhar no trecho Paris (Cohen), Bruges (Cactus) e Roma (Bruce). O Carlos e a Camilinha já confirmaram o Werchter. Agora começa a contagem regressiva e muito pensamento positivo para dar tudo certo.
maio 10, 2009 No Comments
Turismo: Buenos Aires e Deserto do Atacama
Em janeiro de 2008 comecei a escrever o que seria um roteiro da viagem que eu e Lili fizemos para Argentina e Chile em julho de 2007. Aquele primeiro post versava sobre comida (leia aqui), e fiquei de escrever depois um outro com dicas aleatórias sobre a viagem, que acabou ficando no limbo. Como um amigo está animado em fazer um roteiro parecido, lá vou eu tirar poeira da memória para relembrar os deliciosos 21 dias que passamos viajando. Do começo…
A idéia começou com a vontade de conhecer o Deserto do Atacama. Na verdade, o Chile como um todo, esse país alto e magro. Fizemos algumas pesquisas de preço e descobrimos que sairia mais barato ir de São Paulo para Buenos Aires, e lá pegar outro vôo para Santiago, do que se fossemos direto para a capital chilena. Ótimo, pois assim ganhamos de brinde alguns dias na deliciosa capital argentina. Particularmente fiquei muito tentado a esticar até Machu Picchu, no Peru, pois a passagem de Santiago para Lima era baratíssima, mas acabamos desistindo.
Repetindo a operação (com valores de hoje) seria algo assim: São Paulo para Santiago direto partindo no dia 30/06/09 e voltando no dia 21/07 via Gol daria R$ 1612. São Paulo para Buenos Aires indo no dia 30/06 e voltando no dia 21/07 via Gol daria R$ 684. E de Buenos Aires para Santiago partindo no dia 03/07 (ou seja, tiramos três dias para curtir a cidade na ida) e voltando no dia 19/07 (com um dia de folga para Bue) daria R$ 527. Ou seja: direto fica R$ 1612. Indo para Santiago por Buenos Aires fica R$ 1211, uma economia de R$ 400. \o/
Bem, decidimos o roteiro com base nessas idas e vindas e ficou assim:
30/06 – Buenos Aires
01/07 – Buenos Aires
02/07 – Buenos Aires
03/07 – Buenos Aires / Santiago
04/07 – Santiago
05/07 – Santiago
06/07 – Santiago
07/07 – Santiago / Valparaiso
08/07 – Valparaiso
09/07 – Valparaso / Santiago
10/07 – Calama / San Pedro de Atacama
11/07 – San Pedro de Atacama
12/07 – San Pedro de Atacama
13/07 – San Pedro de Atacama
14/07 – San Pedro de Atacama
15/07 – San Pedro de Atacama / Calama
16/07 – Calama / Santiago
17/07 – Santiago / Buenos Aires
18/07 – Buenos Aires
19/07 – Buenos Aires / São Paulo
Na verdade, houve algumas mudanças no percurso, mas isso eu relato mais abaixo. O que importa é que descemos no Aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, no dia 30, uma sexta-feira, no meio da tarde. Quem conhece, sabe: do aeroporto até o centro são 35 km, e há opções para todos os bolsos. O viajante confiante pode pegar o ônibus de linha (nº 86) que custa 1,60 pesos e o deixa no centro da cidade após uma hora, uma hora e meia. Se você estiver sozinho, uma boa pedida é o ônibus fretado Tenda de Lion (há um guichê para comprar a passagem no aeroporto), que custa uns 30 pesos e faz o trajeto em 40 minutos. O taxi sai entre 70 e 90 pesos, e pode compensar para grupos de duas ou mais pessoas, mas compre sempre o ticket nas agências de taxi, pois histórias de taxistas tentando dar golpe em estrangeiros não são poucas.
Minha idéia inicial era chegar na cidade e procurar um albergue. Tremenda bobagem. Fomos no alto inverno, e deveríamos ter reservado antes. No Hostel World (http://www.portuguese.hostelworld.com) existem várias opções, mas não custa nada perguntar para algum amigo que já esteve por lá. Eu, por exemplo, fui de pacote nas duas vezes anteriores, o que nunca mais faço. É muito bacana e econômico fazer o seu próprio trajeto. Nesta terceira, porém, sem reservar estadia, eu e Lili batemos em quatro ou cinco albergues (carregando mochilas pesadas), todos lotados, e acabamos achando um hotel de quinta categoria (ok, quarta) em San Telmo que acabou sendo uma boa economia, o que não deixou de ser cansativo e arriscado.
Já falei sobre as comidas aqui, e sobre passeios (como era a primeira vez da Lili lá) fizemos o roteiro básico de passar pela Plaza de Maio, tirar fotos em frente à Casa Rosada, caminhar pela sensacional Calle Florida, passear em Porto Madero, ir à feirinha de San Telmo e visitar à Recoleta (e ver o túmulo de Evita Perón). Não resisti e fui mais uma vez olhar minha grande paixão, La Toilette de Venus, de William Bouguereau, no Museu Nacional de Buenos Aires. Lili, por sua vez, adorou o Malba (sim, vimos o Abaporu). E, claro, fomos à La Boca, passear pelo Caminito e entrar em La Bombonera. É uma região que não dá para bobear e nunca, nunca saia da área segurada pelos comerciantes, mas tem que ir. E eu comprei alguns CDs (veja onde comprar CDs em Bue aqui).
Três dias depois partimos para Santiago. Aprendemos com os erros de Bue e reservamos um hotel em Santiago. A idéia era ficar quatro dias na cidade, e de lá voltar (via Cordilheira passando pelo Aconcagua) de ônibus para Mendoza, na Argentina, passar três dias e então voltar para Santiago e partir em direção ao Deserto do Atacama. Descemos no Aeroporto de Santiago pós 22h. Se possível, não faça isso! É terrível chegar em um lugar que você não conhece no meio da escuridão, e no nosso caso, após alguns contratempos em Buenos Aires (um assalto em La Boca), não estávamos tão seguros e confiantes nas pessoas.
Assim que pegamos nossas malas e adentramos o saguão, vários homens com placas de taxis se colocaram em nossa frente. Fiz o cambio ali mesmo (um mínimo de dinheiro só para pagar o taxi) e escolhemos um dos senhores, que estava em um ótimo carro de passeio (sem placas de taxi) e fez um preço fechado até o centro de Santiago (que descobrimos depois ter sido 50% mais caro que um taxi normal, mas até dá para contar que era bandeira 2, ok). No caminho fomos conversando, e como dissemos que era nossa primeira vez em Santiago, o motorista (bastante educado) fez um mini-tour conosco no centro mostrando alguns pontos históricos até nos deixar na porta de nosso hostel. Bacana. Porém, vale ir para o aeroporto de ônibus. Pagamos 13 mil pesos chilenos no trajeto de taxi, e o ônibus custa apenas 1400 pesos chilenos, e é bem confortável.
Um roteiro básico para sair do aeroporto de Santiago gastando pouco: aqui está o mapa das linhas de metrô e aqui as infos do ônibus. Você pega o ônibus CentroPuerto, desce no ponto final, Estação de metro Los Heroes. Dali você pega o metro em direção a estação Escuela Militar, linha vermelha mesmo, e duas estações depois já está no centro da cidade (local em que ficam os principais hotéis – e também alguns albergues baratos). É bom comprar uns 5 mil pesos (cerca de 20 reais) para fazer esse trajeto aeroporto/hotel. Se gasta 3 mil pesos com o ônibus (casal), mais uns mil pesos com o metro. Lá no centro existem casas de cambio, mas tem um Itaú (para quem tem cartão internacional, vale muito) atrás do palácio de La Moneda.
Não gostamos do hostel. Como tínhamos reservado (e pago) três dias no Hostel Londres, acabamos ficando, mas com a idéia de trocar (que é o que fizemos indo para o Hotel Paris) para outro ao vencer a última diária. A cidade de Santiago é bem bonita, e merece uma visita com cuidado. Pegamos uns mapas no centro de turismo e batemos perna atrás do famoso Mercado Municipal, da Plaza das Armas e de alguns museus. Na verdade, adoramos as lojas do Paseo Ahumada, com preços excelentes (olhe as jaquetas de couro!!!), vimos uma troca de guardas no Palácio de La Moneda e fizemos dois tours de vinho, um na vinícola Concha Y Toro (12 dólares por pessoa) e outro na Viña Cousiño Macul, ambos fácil de se chegar (seja de metrô ou ônibus). Por fim uma subida no Cerro San Cristobal, local que abriga o Parque Metropolitano da Cidade, que pode ser observada do alto do morro. Subimos de ascensor e descemos de teleférico. Vale.
Acordamos no oitavo dia de viagem com passagem comprada antecipadamente para Mendoza, mas ao chegar ao local de embarque fomos avisados que a estrada estava fechada devido à neve no Aconcagua, e que a viagem estava cancelada. Ao invés de pegarmos o dinheiro de volta, perguntamos que horas saia o primeiro ônibus para Valparaiso, o que iria acontecer em 30 minutos. Compramos passagens de ida e volta para passar o fim de semana em Valpo, visitar Vina Del Mar, olhar o por-do-sol no Pacífico e se encantar com La Sebastiana, uma das três casas do poeta Pablo Neruda no Chile. E tivemos sorte: descemos na rodoviária e fomos ao centro de atendimento ao turista, onde pedimos indicações de albergues. Indicaram-nos o El Rincón Marino (www.rinconmarino.cl), que acabou sendo o melhor albergue da viagem. E ainda assistimos “Ratatouille” dublado em espanhol no cinema (e achamos Vina Del Mar muito… Guarujá).
De volta à Santiago (em um novo hotel), começamos a nos preparar para nossa aventura no Deserto do Atacama. Visitamos o site da cidade (www.sanpedroatacama.com), anotamos vários endereços de albegues, e começamos a correr atrás de reservas. Acabamos acertando, por telefone, com um hostel torcendo para ele ser ok. Para viajar, cotamos ônibus, mas a viagem de quase 30 horas seria um gasto de tempo enorme em uma viagem de 21 dias. Optamos por um vôo de duas horas Santiago para Calama pela Lan Chile (hoje em dia em torno de 300 dólares o trecho), depois uma viagem em um ônibus até o oasis de San Pedro de Atacama. O centro da cidade é minúsculo, e pouco movimentando. O guia do centro turístico explicou com chegar a nosso hostel, e lá fomos. Bem, é claro que o hostel era mais caro que os outros, e pior, afinal estávamos no deserto, mas nada que não fosse contornável. Principal: durante o frio da madrugada (que podia chegar ao zero grau), não sentíamos nada. Isso importa (risos).
San Pedro de Atacama funciona assim: a cidade é um deserto em algumas horas do dia, mas se movimenta perto dos horários dos tours. Existem várias companhias na cidade que fazem tours para os principais pontos turísticos, assim como pacotes que acabam resultando em uma economia. Pesquisamos em quatro os passeios que queríamos fazer, pechinchamos um pouco na última, e acabamos montando um pacote que – os valores são aproximados – ficou em 36 mil pesos chilenos (cerca de R$ 135 por pessoa) e que nos levava ao Valle de La Luna, Valle de La Muerte, o Parque Nacional do Geyser Del Tatio, o Salar de Atacama, as Lagunas Antiplânicas e os Pueblos Andynos. Não esperávamos gastar esse valor, mas os passeios valeram demais. No site da cidade existem preços para se ter uma média: Vale da Lua e da Morte, 5 mil pesos chilenos (R$ 20); Geysers, 12 mil pesos chilenos (R$ 45); Lagunas, 35 mil pesos chilenos (R$ 130). O pacote ajuda muito a baratear o preço. No nosso pacote não estava incluso as Termas de Puritama nem as viagens até a fronteira com a Bolívia.
Começamos por uma dobradinha: o deserto de sal do Atacama (Salar do Atacama) e as Lagunas Antiplanicas. O tour começa às 8h, passa pelo povoado de Toconao e depois segue para Salar (que é muito bonito). Ao meio-dia há uma parada no povoado de Socaire para um interessante almoço local (incluso no pacote – já comeu tomate roxo?) e depois segue em uma longa viagem cordilheira acima (28 km) para as sensacionais lagunas antiplanicas, para mim e para a Lili, as vistas mais bonitas que colocamos os olhos na América do Sul. São duas lagunas: Miscanti e Miñiques. A primeira, maior, tem 15 quilômetros quadrados e fica a uma altura de 4.200 metros acima do nível do mar. No inverno, blocos de neve se espalham pela paisagem e as lagunas estão quase congeladas. No trajeto é possível observar dezenas de vulcões ativos (o mais bonito se chama Putana – ao fundo na primeira foto) além de criações de lhamas. De todas os tours é o que mais vale a pena bela imensa beleza do local.
O segundo dia de tour foi gasto com os Vales da Morte e da Lua. O tour deixa a cidade às 15h (o que permite ao visitante aproveitar, e bem, o centro de San Pedro). O Vale da Morte é simplesmente um longo território sem nenhuma vegetação. É um passeio ok, que cresce muito em interesse quando se parte para o Vale da Lua. Todos os tours tentam chegar no local cerca de vinte, trinta minutos antes do sol se por. Eles deixam o visitante no sopé de um morro e dizem: “Está vendo o topo da montanha? Você tem que chegar lá em 15 minutos. Bom passeio”. E lá vão todos correndo em meio a dunas de areia para pegar o melhor local para observar, facilmente, o pôr-do-sol mais bonito da América do Sul, e um dos mais bonitos do mundo. É uma confusão de cores que deixa os olhos marejados. Quando o céu já está escuro, o tour leva todos os visitantes de volta à cidade. Ai vale escolher algum dos restaurantes de renome da cidade, como o La Cave, que serve cevit de lhama, e cujo corpulento chef frances Michel é uma simpatia.
O terceiro dia de passeio foi de longe o mais cansativo – e o que mais exigia do corpo: a visita ao Parque Nacional Del Tatio. O tour pega o visitante em seu hostel às 4h da manhã, e durante duas horas e meia sobe a cordilheira até chegar ao parque. Em certo momento da viagem, o guia gritou: “Está 16º abaixo de zero”. E devia mesmo. Eu estava com três calças, três meias, três blusas, gorro, luva e o escambau, e estava com os pés congelados. Quando chegamos no parque, a temperatura já devia ter baixado para uns 9 graus, mas Lili se recusou a sair da van, e só deixou o carro quando os primeiros raios de sol deram as caras. O Tatio é um campo geotérmico que marca o encontro, em seu subsolo, dos rios gelados subterrâneos com as rochas quentes. Então, grandes colunas de vapor saem para a superfície através de fissuras na crosta terrestre, alcançando a temperatura de 85°C e 10 metros de altura. Bonito de se ver. Assim que chegamos, o guia nos mostrou uma piscina térmica e disse que quem quisesse se aventurar, à vontade. Todos riram. Ali por volta das 9h, com o tempo mais “quente” (sei lá, mas devia estar -2 ou mesmo zero grau), muita gente encarou a piscina cuja temperatura alcança 35 graus.
Na volta do passeio paramos para lanchar no pequeno povoado de Machuca. Tomamos chá de coca, Lili comeu algumas empanadas de queijo de cabra e eu não resisti aos espetinhos de anticucho de lhama, uma delicia. Conversamos com um casal de brasileiros que estava encantando com o pais, com o ótimo vinho em excelente preço, e coisas assim. Eles estavam vindo de quatro dias de um tour que adentrava a Bolívia. Chegamos em San Pedro arrebentados por volta das 12h, e dormimos o resto do dia para eu acordar à noite e ir atrás do meu jogo de xadrez “Incas x Espanhóis”. Já sem dinheiro para algum outro tour, antecipamos nossa ida para Calama, e dormimos o último dia na região por lá, para acordar no dia seguinte e pegar um avião para Santiago (mais dois dias, que serviram para abastecer a mochila de garrafas de vinho – boa dica para compras: Supermercado Diez, Alameda Los Conquistadores, 2260, no bairro de Providencia. Detalhe: trouxemos oito garrafas de vinho e uma de Pisco, a cachaça chilena). No dia seguinte estávamos em Buenos Aires, e dois dias depois em São Paulo.
Olhando agora este calhamaço de narrativa, acho que ainda faltam dicas mais úteis, práticas, e os espaços de comentários estão ai embaixo para isso. E não só para perguntas, mas também para atualizações de coisas legais de quem esteve em Buenos Aires, Santiago, Valparaiso ou no Atacama nos últimos tempos, e quer dividir alguma dica legal com os leitores que planejam fazer essa viagem (aliás, uma boa aquisição é o Guia O Viajante Independente na América do Sul, um livro excelente para qualquer viagem por este belíssimo continente). Fiquem à vontade. A casa é nossa.
Todas as fotos por Marcelo Costa e Liliane Callegari
Foto 1: Uma parada sobre a ponte do Lago Putana. Ao fundo, o Vulcão Putana, ativo.
Foto 2: Dia de chuva em Santiago
Foto 3: O Caminito, em La Boca, Buenos Aires
Foto 4: A parte alta de Valparaiso, no Chile
Foto 5: San Pedro de Atacama
Foto 6: Salar de Atacama
Foto 7: Vale da Morte
Foto 8: Lagunas Antiplanicas
Foto 9: Complexo Turistico Tatio
Foto 10: Pôr-do-sol no Vale da Lua
Leia também:
– Onde comprar CDs em Buenos Aires, por Marcelo Costa (aqui)
– Turismo em Buenos Aires, por Marcelo Costa (aqui)
– Roteiro de Viagem: Argentina e Chile – Parte 1: Comida (aqui)
maio 7, 2009 No Comments
Cinco shows na Virada Cultural 2009
Comentários rápidos sobre cinco shows que vi na Virada Cultural. A idéia era ter visto Camisa de Vênus (mas eu e duas amigas não conseguimos sequer enxergar o palco), Reginaldo Rossi (bateu cansaço, mas já me contaram que o show foi chatão) e a Osesp, mas cabulei os três. (Ou)vi a última do Camelo (justamente “Além do Que Se Vê”) e vi três do Novos Baianos (as três caidaças), e gostaria de ter visto Tom Zé no Municipal e Nasi no Palco Raul cantando o “Krig-Há Bandolo”, todos no mesmo horário que o Camisa (mancada da produção), que eu acabei não vendo.
Em resumo, acabei me concentrando no palco brega (e se você lembrar que eu já disse que o Zeca Baleiro é o novo Odair José, eu vi 75% de shows bregas nessa Virada), menos lotado, sujo e fedido que os outros (principalmente o palco rock na Praça da República). Era para eu ter visto o Wander Wildner também, mas como desisti do Reginaldo acabei passando no Sesc Consolação uma hora antes do show, às 3 da manhã, e só conseguia pensar na minha cama. E ah, me disseram que o Violeta no Theatro Municipal foi beeem legal. Todas as fotos por Marcelo Costa.
Tutti Frutti no Palco Rock – 19h
Quando saiu a escalação da Virada, o Tiago Agostini virou pra mim e disse: “A Rita Lee não faz falta nenhuma no mundo. Os Mutantes se reúnem e não chamam ela. O Tutti Frutti toca o álbum mais clássico dela, e não chama ela. Ninguém sente falta da Rita Lee”. Pode ser, mas ela fez falta sim no show que homenageava o álbum “Fruto Proibido” (1974). O Luiz Carlini segura a onda, dezenas de tiozinhos grisalhos dançavam felizes, mas é impossível não sentir falta da Rita. O show foi nota 5. Valeu pela inclusão da linda “Lá Vou Eu”, mas não tem como um show homenagear o álbum “Fruto Proibido” sem ter “Luz Del Fuego”. Falha
Wando no Palco Brega – 23h30
Armado de um escudeiro tocando guitarra e de uma bateria eletrônica, Wando cantou dezenas de hits (alguns bregas, outros românticos) do cancioneiro nacional. Foi de “Estou Apaixonado” (sucesso no Brasil de quando Daniel ainda era acompanhado por João Paulo, que faleceu), o clássico “Deixa Eu Te Amar” (Agepê) e “Eu Sei Que Vou Te Amar” (Tom e Vinicius), mas o povão queria mesmo era ouvir suas frases sábias (“Todo homem tem que se ajoelhar aos pés da cama de uma mulher” / “Esta música vai para aquela mulher que sabe cruzar a perna no momento certo e descruzar no momento exato”) além de superhits como “Moça” e “Fogo e Paixão”, que encerrou a festa ali pela 1h com todo o Arouche cantando “me chama de céu”. Melhor momento da noite: Wando enxugando o suor da testa com uma calcinha que foi jogada ao palco por uma fã.
Zeca Baleiro no Palco Principal – 12h
A Avenida São João estava tão lotada que não deu nem para chegar perto do palco, então tive que me contentar com um telão bacana na esquina da Rua Aurora. Com uma banda afiadíssima, Zeca Baleiro mostrou canções mais recentes dos dois volumes de seu álbum “O Coração do Homem Bomba” – como as covers para “Alma Não Tem Cor” (Karnak) e para a sábia “Bola Dividida” (Luiz Ayrão) além da hilária “Toca Raul” – mas não negou sucessos tocando desde “Mamãe Oxum” e “Heavy Metal do Senhor”, de seu primeiro álbum (1997) até “Telegrama”, “Eu Despedi o meu Patrão” e “Salão de Beleza”. Ali pelo final se animou e arriscou uma homenagem para Wando com “Fogo e Paixão”. Showzão.
Odair José no Palco Brega – 13h30
Debaixo de um sol castigante, Odair mandou um hit atrás do outro passando por “Vou Tirar Você Desse Lugar”, “Cadê Você”, “Pare de Tomar a Pilula”, “Que Saudade de Você” e “Eu, Você e a Praça”, esta última ao lado de Zeca Baleiro, que ainda suscitou um momento antológico do show, quando Odair apresentou em primeira mão uma parceria inédita dos dois – que pode ser descrita como “Vou Tirar Você Desse Lugar, Versão 2009” – feita para Bruna Surfistinha chamada “E Depois Volta Pra Mim” cujo refrão crava: “Pra todo mundo diz que é modelo e atriz / Mas hoje eu sei na verdade o que ela faz / Quando me telefona pra dizer que não vem mais // Não precisa mais mentir / Quero você mesmo assim / Diga sempre que me ama / Vá fazer o seu programa / E depois volte pra mim”. Sem palavras. (hehe)
Los Sebosos Postizos no Sesc Santana – 19h
Em primeiro lugar: o galpão do Sesc Santana é fácil um dos melhores lugares para shows médios em São Paulo. Quando digo show médio falo entre 2 mil e 4 mil pessoas de público. Lugar de acesso ok (do metrô ao Sesc Santana a pé dá uns cinco minutos), bom som, cerveja barata. Tem tudo para ser popularizado. Foi esse lugar que abrigou a Virada Nordestina com shows de Siba, Lenine, Cordel, Wado (que gravou Poploaded Session no iG: assista “Tarja Preta“, “Tormenta” e a nova “Atlântico Negro“) e Eddie. O Los Sebosos Postizos é a Nação Zumbi mais Bactéria (do Mundo Livre S/A) e Guizado tocando covers de Jorge Ben. Faltam hits ao show, que empolga muito em coisas como “Os Alquimistas Estão Chegando”, “O Homem da Gravata Florida”, “Comanche”, “Zumbi” e “O Telefone Tocou Novamente”. Para o final, uma versão ótima de “Tomorrow Never Knows” e “Umbabarauma”. E só. 🙂
Leia também:
– Virada 2007: Paulinho da Viola, Maria Alcina, Garotos Podres (aqui)
– Virada 2008: Luiz Melodia, Vanguart, Tom Zé, Ultraje (aqui)
– Virada 2009: Wando, Odair José, Los Sebozos Postiços (aqui)
– Virada 2010: Céu, Tulipa Ruiz, Raimundos (aqui)
– Virada 2012: Man Or Astro-Man, Defalla, Titãs, Pinduca (aqui)
– Virada 2014: Ira!, Juçara Marçal, Falcão, Pepeu Gomes (aqui)
– Virada 2015: 51 shows que o editor do Scream & Yell gostaria de ver (aqui)
maio 6, 2009 No Comments
Radiohead e Iggy Pop em DVDs baratinhos…
“Iggy Pop & The Stooges – Escaped Maniacs” e “Radiohead – Live in Germany” foram lançados no Brasil sem muito alarde, e merecem uma olhada com calma. O DVD que flagra Iggy Pop ao lado dos irmãos Asheton foi registrado ao vivo no Festival de Lokerse, na Bélgica, em 2005, e é um repeteco da apresentação do grupo no Claro Que é Rock. Além da performance arrasadora (imagem ótima), o pacote traz o áudio do show em CD e nos extras do DVD uma entrevista de mais de uma hora com Iggy, que cita Marshall Mcluhan e impressiona pela honestidade e inteligência. Comprei no centro de São Paulo por… R$ 9,90. Foi lançado no país por uma tal de Etc e merece atenção. Dei um google e achei ele por R$ 11,69 na Casa e Vídeo (aqui).
Já o “Radiohead – Live in Germany” foi dica do Felipe, que lê o Scream e queria saber qual a procedência do material. Trata-se do show no Rock Am Ring Festival, na Alemanha, em 01/06/2001. Na gringa ele foi lançado pelo selo Immortal (provavelmente sem autorização da banda) e a qualidade da imagem é mediana. Dá para perceber claramente que o show foi transmitido por alguma rede de televisão, e os caras prensaram. O áudio é ótimo (a banda está matadora no palco), e a imagem é a de um telão de festival: os closes nos solos dos instrumentistas e mesmo em Thom Yorke são ok, mas quando a imagem pega todo o local onde o show foi realizado, fica tudo meio embaçado. Foi lançado no Brasil pela Top Tape, que também já lançou um do U2 e um dos Smiths na mesma linha. O do Radiohead está R$ 9,90 na Americanas.com (aqui).
maio 4, 2009 No Comments