Você já se apaixonou por um disco?
Não estranhe: você pode já ter lido isso…
Eu sou um cara passional, fudidamente passional. Em música, então, nem se fale. Tenho CDs de bandas que desgosto teoricamente, mas servem para matar o tempo (todos vocês sabem que na prática, a teoria é outra, certo) entre uma taça de vinho, uma noite mal-dormida e a eterna vontade de mandar as obrigações para o espaço. Entretenimento, manja? Bem, tudo vai por água abaixo quando me apaixono por um disco. Apaixonar-se por um disco, hoje em dia, é algo tão raro quanto encontrar uma nota de R$ 10 perdida na rua. E o melhor é que, ao contrário da analogia, você não fica pensando no azarado que perdeu a grana: você apenas sorri, aperta o repeat e flutua em sua órbita pessoal. Todas essas bobagens que eu disse (e que dariam para encher um caminhão, segundo Nei Lisboa) estão ancoradas em apenas um motivo: eu estou apaixonado por um disco. Não é um disco novo, destes que você vai esbarrar nas bancas de jornais, nem na capa da NME. É um disco de 2000, que não foi lançado no Brasil, que não lembro de ter ganhado muito destaque naquele ano e que passou totalmente desapercebido para mim. Lembro que, quase dois anos atrás, vi um show deles, aqui em São Paulo, sentado na primeira fila do teatro do Sesc Vila Mariana. A apresentação foi belíssima, com um toque inesquecível que, naqueles dias estranhos, não conseguiu ser totalmente decifrada pelo meu coração, eternamente atropelado pelo mundo moderno. O cara, loirinho, fazia piadas a todo o momento, contrastando com a melancolia de sua voz… e das músicas. A garota, morena, alternava-se entre o baixo, um harmonium e o microfone, enquanto um guitarrista japonês soltava riffs abafados que flutuavam pelo ar como fumaça de cigarro sob uma névoa de luzes. O loirinho atende pelo nome de Damon Krukowski. A garota se chama Naomi Yang. Juntos, eles formam o Damon & Naomi. Michio Kurihara, guitarrista do grupo Ghost, estava excursionando com o duo, que mostrava canções do álbum singelamente chamado Damon & Naomi With Ghost. Lançado em 2000 pela Sub Pop, Damon & Naomi With Ghost é de uma beleza rara na música pop. A melancolia transborda das caixas de som, sem resvalar um momento que seja na pieguice. The Mirror Phase, a faixa que abre o disco, é de uma covardia atroz. Como é que esses caras fazem uma música dessas e o mundo não derrete como flocos de neve nas calçadas de Ipanema? O melhor momento de guitarras surge na longa Tanka, com um crescendo mortífero. E tem cover do Big Star (a baladinha Blue Moon, do cultuado Third/Sister Lovers). E tem uma belíssima capa. E tem a vantagem de ser atemporal. Foi gravado quatro anos atrás, mas poderia ter sido ontem. Ou amanhã. O tempo não importa. O que importa é a música. Eu já devo ter te perguntado isso, caro leitor, mas não custa nada perguntar de novo: você já se apaixonou por um disco?
Texto postado na versão 1.0 deste blog quatro anos atrás
Leia mais:
– Damon & Naomi With Ghost em São Paulo, por Marcelo Costa (aqui)
– “Within These Walls”, Damon and Naomi, por Marcelo Costa (aqui)
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