Dois textos definitivos sobre Carnaval
Introdução atualizada em 2016 / Fotos: Liliane Callegari
Como todo jovem metido a roqueiro (radical) de cidade de interior, eu demorei a entender o Carnaval. Utilizava o feriadão pra ir com os amigos para Ubatuba, quatro ou cinco dias virando a madrugada de festa em festa, indo dormir as 8 da manhã e acordando quando o sol já tinha ido embora. Praia? Que nada. Devo ter saído uma ou duas vezes (nos anos 80!) no Bloco Vai Quem Quer, famoso em Taubaté, o tradicional bloco caipira de homens vestidos com roupa de mulher, e só fui me conectar com o Carnaval quando os blocos começaram a tomar as ruas de São Paulo, no começo destes anos 10. Virei fã (a ponto de listas blocos favoritos!).
Os textos abaixo são, para mim, definitivos. O primeiro, do André Forastieri, foi publicado no saudoso caderno Folhateen, da Folha, em 1995. O Forasta havia deixado a editoria da revista Bizz uns anos atrás pra tentar emplacar sua própria revista, a General (“prazos, fotolitos”), e escreveu esse texto inspirado, que eu tinha recortado do jornal numa pastinha de textos favoritos, e republiquei na sessão Matérias Antológicas da primeira versão do Scream & Yell, no começo dos anos 00. Já as aventuras do jornalista da BBC Matthew Exell eu conheci quando estava de subeditor de diversão e cultura no Portal Terra, em 2004, e fiquei fã. Quer saber o que Carnaval? Estes textos explicam.
– “Curta o Carnaval que esse pode ser o seu último verão”
André Forastieri (@forastieri)
Acredite se quiser: eu já adorei carnaval. Adorava mesmo. De detonar sexta à noite, dormir duas horas, acordar, encher a cara de novo e sair vestido de mulher – coisa de caipira. Eu ia atrás do trio elétrico mesmo. Claro que a primeira vez que vi um trio elétrico de verdade, no interior da Bahia, cai para trás. Perto do pique da moçada de lá, meu pique de festeiro era de um amadorismo acachapante. Os baianos pulavam a tarde inteira atrás dos trios, jantavam um caldo de mocotó e depois pulavam nos clubes até o sol nascer.
Foi um mês no sertão da Bahia, levando vida de rei. De noite pulava Carnaval. Dia seguinte acordava, piscininha, cervejinha, videogame e tudo lindo. Descobri um monte de coisa naquele verão – inclusive a relação entre Joy Division e frevo elétrico (foi quando eu fiz uma versão de Love Will Tear Us Apart que tinha um refrão assim: “O amor, o amor é para gente se amar, meu bem”) .
Depois aconteceu o que costuma acontecer. A grana mixou, o amor chegou, comecei a trabalhar, uma coisa levou a outra e aqui estou – passando o Carnaval em São Paulo. Trabalhando para caramba. Preocupado com prazos de fechamentos e fotolitos. E no processo, meu espírito carnavalesco foi sei lá para onde. Para o mesmo lugar que foram o fricote, o Rock In Rio 1, o sexo pré-Aids e meu cabelo comprido: para outra dimensão. Para debaixo da cama.
O que não quer dizer que você deva fazer o que eu estou fazendo nessas noites de Carnaval: ficar atirado no sofá, vendo as celulites balançarem e os entrevistadores babarem nos decotes das travecas. Quer dizer exatamente o contrário. Quer dizer que, se eu fosse você, estava me acabando.
Não que a gente só deva se alucinar no Carnaval. É que a gente mora em um dos raros lugares no planeta que admira tanto a avacalhação – que inventou um feriado para homenagear o esculacho. Detonar no Carnaval tem um sabor de brasilidade, de elogio ao Brasil, que é bem simpático.
Se você é daqueles que costuma dizer “odeio Carnaval”, bom, pode continuar odiando. Decidir que definitivamente Carnaval é uma coisa cretina e deprimente e que a única medida sensata a se tomar nestes dias de fevereiro é se esconder do mundo é uma atitude perfeitamente defensável e elitismo é bom e eu gosto. Mas se passou de leve pela sua cabeça a possibilidade de sair de casa hoje à noite, só tenho um conselho: vai firme.
Escrevendo isso tudo, me ocorreu uma coisa engraçada. Sabe, acho que aquele verão na Bahia foi o último verão da minha vida. O último verão propriamente dito, verão, verão mesmo. O último verão em que fui adolescente.
– Blog do Gringo no Samba
por Matthew Exell, da BBC
“Minha primeira experiência em um bloco foi no Carmelitas, em Santa Teresa, na sexta-feira antes do carnaval. Eu me sentia como um virgem: animado, mas um pouco nervoso. “E se eu me perder na multidão?”, pensava. Um gringo solteiro no Rio de Janeiro? Os perigos parecem óbvios. Não que essa seja minha condição, mas é melhor ficar previnido. Felizmente meus novos amigos brasileiros se ofereceram para prender uma etiqueta em meu pescoco – “por favor, devolvam este gringo idiota para…”.
Antes do bloco, no entanto, tem uma coisa que eles chamam “concentração”. Nao sei se tenho paciência para isso. Eu sei que carnaval é coisa séria para as pessoas daqui, mas de onde eu venho não é preciso se concentrar muito para aproveitar uma festa! Talvez eu pule essa parte, dê uma deitada, tome um banho um pouco mais longo. Estou aqui para a festa, nao para alguma reunião chata antes de a festa começar…
Pouco sabia eu. Como poderia? Mas eu aprendo rápido…
A casa da concentração fica no alto de uma ladeira. Para chegar é fácil e eu, desavisadamente, não prestei muita atenção nos traiçoeiros degraus. A vista é da Baía da Guanabara, dá para ver os aviões pousando no aeroporto Santos Dummont. E, segundo me disseram, para chegar ao bloco, basta descer a ladeira. É fácil.
Depois da terceira caipirinha, começo a rir sozinho. Afinal de contas, a concentração é divertida, penso eu. Já na sexta caipirinha começo a achar que a concentração é a melhor idéia que já encontrei no Brasil. Todo mundo balança a cabeça, aquiescendo. Eles já sabiam disso. Mas isso não impede que eu tente convencê-los da minha mais nova conclusão.” – Leia todas as colunas aqui
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