“Ocean Rain”, um dos melhores álbuns já feitos
Ian McCulloch nunca foi modesto ao falar do álbum “Ocean Rain”. Para justificar o pedido à gravadora para que ela bancasse um estúdio em Paris para o grupo gravar seu quarto álbum, McCulloch foi enfático: “Nos os advertimos que este seria o maior álbum já feito, porque nos acreditávamos nisso. E The Killing Moon é a melhor música já escrita. Eu acredito nisso. Ela é simples e bela e soa como nenhuma gravação que eu já tenha escutado”. Quem lê isso imagina que parir “Ocean Rain” foi um mar de rosas, mas não foi bem assim.
Após passar um perrengue danado com seus dois primeiros álbuns (“Crocodiles” e “Heaven Up Here”), cultuados no circuito independente, mas solenemente ignorados pelos charts, o grupo alcançou o sucesso com o terceiro disco, “Porcupine”, e hits do quilate de “The Cutter” e “The Back of Love”, mas o clima interno já não era dos melhores. Quando em estúdio para gravar as pré-bases do vindouro quarto disco, Ian ficou tão desanimado que quase abandonou o barco. “As gravações em Bath foram horríveis. Ficamos cinco dias lá e nada funcionou. Para piorar, peguei uma gripe”, conta o vocalista, que pensou em sair da banda.
Porém, o baterista Pete de Freitas o convenceu-o a entrar em estúdio para regravar algumas partes. “Fomos os dois para os estúdios Amazon e Pete sugeriu usar escovinhas, algo que nunca havíamos tentado. Eu ainda estava gripado, mas tudo soou brilhante. A melhor coisa que já tínhamos feito. Cheguei em casa tarde da noite e minha esposa me esperava. Toquei para ela uma parte de Killing Moon e ela chorou. Pensei que ela tivesse odiado, mas ela disse que era a canção mais linda que eu havia escrito. O disco foi feito nesse clima”, resume o vocalista.
Em Paris, o Echo and The Bunnymen encontrou tudo aquilo que esperava: uma cidade apaixonante movida a passeios de bicicleta por Montmatre, visitas ao cemitério Pere-Lachaise (“para dar um alô para Jim Morrison e Oscar Wilde”, conta Will Sargeant) e sessões de gravação no Studio Dês Dames, que tinha uma atmosfera aconchegante. Segundo o guitarrista, “Paris tinha se transformado na nossa cidade, a segunda casa dos Bunnymen’s”. O vocalista completa: “Eu cai de amores por Paris. ‘Ocean Rain’ está completamente ligado à cidade”.
Acompanhados por uma orquestra de 35 instrumentos, os Bunnymens deixaram a crise de lado e se concentraram nas gravações. As rachaduras estavam visíveis (Pete de Fretitas deixou a banda no ano seguinte), mas no estúdio tudo funcionava. Eram apenas nove canções assistidas por Gil Norton (que quatro anos depois gravaria “Doolittle”, do Pixies) que afastavam o grupo da crueza de seus primeiros álbuns. No clima de “The Killing Moon”, o Echo construía um disco de rock clássico inspirado nas chansons de Jacques Brel, Scott Walker e na orquestração de “Forever Changes”, clássico do Love.
Lançado em maio de 1984, “Ocean Rain” bateu na segunda posição do chart britânico, e “The Killing Moon” entrou no Top Ten. A beleza de canções como “Silver”, “Seven Seas”, “My Kingdom” e “Ocean Rain” permanece 25 anos depois, no momento em que o álbum ganha uma luxuosa reedição que inclui três b-sdies – “Angels and Devils”, “Silver (Tidal Wave)” e “The Killing Moon (All Night Version)” – e a integra de uma apresentação arrasadora no Royal Albert Hall em julho de 1983 além de comentários de Will Sargeant e Ian McCulloch sobre as gravações do álbum.
O show abre com três cacetadas de “Crocodiles”: a psicodélica “Going Up” e as clássicas “Villers Terrace” e “All That Jazz”. O clima segue acelerado com “Heads Will Roll”, mas “Porcupine” preenche o ambiente. “All My Colours (Zimbo)” abre caminho para a primeira das duas canções de “Ocean Rain” apresentadas na noite: “Silver”. “Simple Stuff” volta a acelerar o clima, mas o público aplaude mesmo o single “The Cutter”. “The Killing Moon” surge acelerada, rápida e bela. Seguem-se “Rescue”, “Never Stop”, “The Back of Love” (também muito aplaudida, o que faz Ian agradecer ao público dizendo que Londres é o melhor lugar para tocar – e viver).
O trecho final é todo “Heaven Up Here”. Abre com a poderosa “No Dark Things”, segue-se com a faixa título (em versão de corar o rosto) e finaliza com “Over The Wall”. Para o bis, “Crocodiles” em versão estendida que bate os sete minutos e quase triplica seu tempo em álbum. Ian grita “come on, baby” de forma alucinada e cai sobre “Light My Fire”, do Doors. Pete de Freitas massacra na bateria enquanto Will Sargeant pontua o arranjo, Les carrega tudo no baixo e Ian não pára de improvisar (veja um vídeo desta apresentação aqui). Um bis arrasador que no show original ainda contava com uma versão de “Do It Clean”, não inclusa nesta edição, mas presente no box “Crystal Days”.
“Ocean Rain” é um álbum magnífico. “Uma obra-prima”, define Ian McCulloch sem nenhuma modéstia no encarte. Ele vai além: “É o nosso Davi de Michelangelo. É o álbum que me fez perceber que havia muito mais mulheres em nossos shows. Não estávamos mais tocando para a turma do futebol”, resume. Da mesma forma, “Ocean Rain” marca o ápice da carreira do grupo de Liverpool, que nunca mais conseguiu atingir o mesmo momento de genialidade completa (apesar de bons momentos de discos como “The Game”, “Evergreen” e “What Are You Going To Do With Your Life?”). “Ocean Rain”, não o melhor álbum já feito, mas com certeza um dos melhores.
– Marcelo Costa entrevista Ian McCulloch (aqui)
– Siberia”, do Echo and The Bunnymen por Marcelo Costa (aqui)
janeiro 26, 2009 No Comments
As duas faces do Autoramas
Texto: Marcelo Costa
Fotos: Liliane Callegari
Cinco anos atrás entrevistei Gabriel Thomas na época do lançamento de seu terceiro álbum e abri o papo questionando (tomando como mote o título do disco): “Nada pode parar os Autoramas?”. Gabriel foi incisivo: “Nada nem ninguém! Só nós mesmos!”. O disco estava sendo lançado com tiragem de 3 mil cópias pela principal gravadora independente do país, a Monstro, trazia alguns hits, mas deixava um elefante atrás das orelhas: Será que o Autoramas alcançou o seu máximo?
De lá para cá a banda perdeu, primeiro, a baixista Simone (ícone da primeira fase do trio) e depois Selma, gravou mais um disco (e também uma coletânea de raridades), excursionou mundo afora e ganhou do chefão da Rough Trade a definição de “the most important independent band in Brazil”. Sem contar que Gabriel se aventurou no projeto Lafayette e os Tremendões, que trouxe alguns bons frutos para o quarto disco do trio, “Teletransporte”, ampliando o alcance da musicalidade do grupo.
Porém, elogios e aventuras a parte, dois fatores definem a nova fase do grupo: a entrada de Flávia, a nova baixista, que trouxe musicalidade e desempenho de palco para a banda. E Gabriel parece estar vivendo o seu melhor momento como músico e entertainment. Juntos, esses dois fatores fizeram com que as duas apresentações que a banda fez em São Paulo às vésperas do aniversário da cidade fossem as melhores do Autoramas na capital paulista. E isso é algo raro e extremamente positivo.
Imagina uma banda que está na estrada faz nove anos, poderia ter conquistado o sucesso de massa com seu segundo álbum, mas não recebeu ajuda da gravadora e então criou uma reputação inatacável no cenário independente. Não sei a conta de quantos shows do Autoramas já vi, mas estes dois com certeza foram os melhores. Poucos nomes da música conseguem ampliar o alcance de seu trabalho – de forma positiva – após dez anos de carreira, e o Autoramas adentra este seleto grupo.
A apresentação de sexta à noite, no CB, marcou a estréia em palcos paulistanos do projeto acústico do trio. Nada de metais, violinos, músicos de apoio e banquinhos. Apenas Gabriel no violão, Flávia no baixo acústico e Bacalhau na bateria. E um repertório impecável que homenageava Erasmo (“Minha Superstar”), Elvis (“Love Me”), Carl Perkins (“Blue Suede Shoes”) e Reginaldo Rossi (“No Claro e No Escuro”), resgatava Little Quail (“Galera do Fundão”) e apresentava pela primeira vez na cidade um grande hit de Gabriel na voz de amigos seus: “I Saw You Saying”, cantada em coro pelo público.
Isso tudo sem contar o bom repertório próprio do grupo, mais romântico, com destaques para “Música de Amor”, “Copersucar”, “A História da Vida de Cada Um”, “Agora Minha Sorte Mudou”, “O Bom Veneno” e “A 300 Km”. Gabriel não economiza elogios para a nova baixista em entrevistas dizendo que sem ela o acústico não aconteceria, e a versatilidade de Flávia fica evidente no palco. São só os três músicos, um violão, e a sonoridade preenche o ambiente com classe e elegância. Para fechar a noite, uma versão sacolejante e instrumental de “Blue Monday”, do New Order.
No dia seguinte, a parada era outra. No projeto Pares, do Sesc Pompéia, o Autoramas divida o palco com o Cachorro Grande em uma noite de guitarras em alto volume. Abriram com “Motocross” e seguiram-se hits do quilate de “Paciência”, “Mundo Moderno”, “Nada a Ver”, “Rei da Implicância”, “Você Sabe”, “Fale Mal de Mim” e “Carinha Triste”. Uma das poucas canções que marcou nos dois shows, “A 300 Km/H” foi um dos grandes momentos da noite ao lado de “Surtei”, um blues do álbum “Teletransporte” dedicado, neste show, para Beto Bruno, vocalista do Cachorro Grande. Flavia cantou “Send Me a PostCard”, do Shoking Blue, e Gabriel resgatou “1,2,3,4”, do Little Quail.
Na seqüência, o Cachorro Grande entrou no palco disposto a satisfazer uma horda de jovens fãs que aguardava os gaúchos em São Paulo com ansiedade. A banda abriu com “Roda Gigante”, hit do último álbum, “Todos os Tempos”, e depois fez um passeio pelo repertório destacando “Hey, Amigo”, “Lunático” e “Você Não Sabe o Que Perdeu” em uma apresentação bem mais comportada e polida do que o usual do quinteto. Para o final, as duas bandas subiram juntas ao palco para homenagear Beatles com uma cover de “I Saw Her Standing There” e encerrar um ótimo fim de semana de rock and roll.
Mais fotos dos shows do Autoramas e do Cachorro Grande aqui
Leia também:
– “Teletransporte”, do Autoramas, por Marcelo Costa (aqui)
– André Azenha entrevista o Autoramas (aqui)
janeiro 26, 2009 No Comments