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Último dia em Ouro Preto

Eu tinha dito no post anterior que o dia aqui havia amanhecido ensolarado, né mesmo. Bah, São Pedro tirou uma com a nossa cara. Só foi o tempo de irmos tomar café no albergue, papear rápido com outros hospedes e sair que as nuvens cinzas cobriram a cidade, mas não impediram a gente de bater pernas e aproveitar cada minuto do nosso último dia em Vila Rica.

Começamos descendo a rua dos Bancos e caímos em frente à Casa dos Contos (o equivalente a Casa da Moeda), um belo casarão monumento do barroco mineiro, construído entre 1782 e 1784. O prédio abriga uma ótima exposição sobre as moedas nacionais, mas o que mais chama a atenção é a importante exposição, na senzala da casa, sobre a escravidão na região.

Saímos dali tentando fugir da chuva, mas o tempo abriu a ponto de podermos apreciar com calma a arquitetura de uma das mais belas igrejas da região, a de Nossa Senhora do Rosário, que se diferencia das outras por sua fachada circular, construída em 1785. Acabamos almoçando por ali mesmo, no Largo do Rosário, no restaurante Acaso 85, em um casarão que impressiona (e a comida também é boa).

A próxima parada foi na igreja mais rica da cidade (quiça do Brasil), a de Nossa Senhora do Pilar, padroeira da cidade. Aqui foram usados 400 quilos de ouro e 400 quilos de prata. A entrada impressiona, e pedimos o auxílio de uma guia, a Sonia, para contar histórias do local. Trabalharam na construção o tio, o pai e o mestre de Aleijadinho, que tem algumas peças assinadas por ele expostas no museu no subsulo.

É uma das igrejas mais impressionantes de toda a viagem, até agora, e só não bate a de São Francisco de Assis, obra máxima de Aleijadinho. A quantidade de detalhes chama a atenção, e a nave, mais espaçosa, lembra muito a de um anfiteatro. Sem contar a quantidade de ouro usada, que marca a abundância do período. Ela foi inagurada em 1733, ainda não terminada, e diz a lenda que a procissão que se seguiu para levar a padroeira da igreja do Rosário para a nova foi feita toda sobre ruas cobertas com pó de ouro.

A guia nos contou várias histórias interessantes, e saiu com uma das máximas mais bacanas da viagem: “Ouro Preto é para ser vista à noite”. Segundo ela, várias obras trazem á tona novos significados quando vistas na escuridão. É o momento em que detalhes interessantes que os artistas ocultam nas obras surgem. Como, por exemplo, segundo ela, uma caveira na fachada da Igreja de São Francisco de Assis, que é valorizada em dias de chuva, que escurecem certas pedras mais do que outras. “Dizem que ele errou em alguns profetas de Congonhas, né. Que nada. Ele fez aquilo de propósito para mostrar o defeito das pessoas e símbolos da maçonaria”, comentou.

Na saída, a chuva apertou, e acabamos parando na cachaçaria Milagre de Minas, na rua de cima da Igreja de Pilar. Ficamos ali uma meia hora, e a Leila caprichou na hospitalidade. Experimentamos cerca de dez ou doze cachaças (sacumé, perdi a conta), além de uma geleia da marvada. Acabei optando por um jogo de copos para pinga e uma bela garrafa da cachaça da casa, a Milagre de Minas, aguardente curtida em dezenas de especiarias. Logo mais em casa, em São Paulo. Aguarde.

Nosso último ato turístico foi visitar o Museu da Inconfidência, na Praça Tiradentes, com um excelente acervo que conta não só a história de Minas Gerais, mas também do Brasil. É se segurar para não sair de lá procurando uma lojinha com a camiseta que traz a estampa da bandeira mineira e o popular “Liberta que será tamém”. Estou me segurando, mas alguma coisa eu devo levar, além das cachaças (ainda tomo uma Providência em BH, pode ter certeza).

Ainda passamos pela Igreja Nossa Senhora do Carmo (frequentada pela aristocracia rica da cidade), projetada pelo pai de Aleijadinho, e que conta com um belíssimo desenho de Athayde na sacristia. Interessante observar como cada comunidade local tinha sua igreja, mesmo os negros, que apesar de não terem fontes de renda, construiram uma das mais belas igrejas da cidade, a do Rosário. Agora é hora de um café. Amanhã seguimos viagem para São João Del Rey.

Ps. Após terminar o post fomos comprar as passagens na Rodoviária. Demos sorte. Pegamos dois dos últimos quatro lugares (vamos em um ônibus que segue para São Paulo e nos deixará em São João). Aproveitamos que estávamos por ali para ver a Igreja de São Francisco de Paula (uma das que mais chama a atenção na cidade, por estar sobre um morro). Dali “descobrimos” outra bastante especial descendo o morro, a Igreja de São José.

Erguida entre 1730 e 1811, a Igreja de São José pertencia à uma irmandade que reunia vários artistas chamada Confraria de São José dos Bem Casados, entre eles Aleijadinho, que desenhou (gratuitamente) o risco do retábulo, da capela-mor e da torre. Junto com a do Rosário e de São Francisco de Assis, a de São José é a que mais me chamou a atenção (embora seja visível o descuido com a obra) em toda a viagem, parte por ela fugir do padrão e ter uma entrada circular e suas sacadas frontais.

 

Fotos: Marcelo Costa (http://www.flickr.com/photos/maccosta)

janeiro 6, 2009   No Comments

Estrada Real e Os Profetas

Quando disse no post anterior que iríamos fazer um “bate e volta” para Congonhas, não imaginava que seria uma quase aventura (hehe). Aviso aos navegantes: no site de Ouro Preto consta que existem ônibus direto da cidade para Congonhas, mas essa linha foi desativada. Agora são dois os caminhos a seguir: pegar um ônibus de Ouro Preto para Ouro Branco ou então para Conselheiro Lafaiete, e de lá para Congonhas.

Parece simples, não. Não é. Para Conselheiro Lafaiete só existem duas partidas e voltas diárias. Para Ouro Branco há mais possibilidades. Acabamos optando pela primeira, cujo ônibus saia quase uma hora antes da segunda, mas não fazia o mesmo trajeto pois a estrada estava “fechada” (como descobriríamos na volta), então a linha seguia um longo atalho pela Estrada Real (http://www.estradareal.org.br/).

A Estrada Real inicialmente ligava a antiga Villa Rica, hoje Ouro Preto, ao porto de Paraty, mas pela necessidade de uma via de escoamento mais segura e mais rápida ao porto do Rio e, também por imposição da Coroa foi aberto um “caminho novo”. A rota de Paraty passou a ser o “caminho velho”. Com a descoberta das pedras preciosas na região do Serro, a estrada se estendeu até o Arraial do Tejuco (atual Diamantina), deixando Ouro Preto como o centro de convergência.

Muitos anos atrás, ainda na época em que eu trabalhava na Pró-Reitoria de Extensão da Universidade de Taubaté, fiz um trecho de caminhada pela Estrada Real de Cunha até Parati com alunos de Arquitetura. Agora pegamos mais de quarenta minutos em estrada de terra batida com asfalto em paisagens lindissimas, mas é preciso estômago para se concentrar no visual e não enjoar diante das dezenas de curvas.

Atravessamos Cachoeiro do Campo, um pedacinho de Glaura, Santo Antônio do Leite, Engenho Correia, Miguel Burnier e Lobo Leite. Foi quando percebi uma placa de Congonhas, e sai correndo para falar com o motorista, que nos deixou debaixo de uma ponte na BR-040 avisando: pode ficar ai que o ônibus para Congonhas passa logo. Não deu outra: dez minutos depois pegamos um que vinha exatamente de Conselheiro Lafaiete. No mínimo duas horas de economia.

Na Rodoviária de Congonhas, o pessoal meio que olhou torto quando perguntamos sobre o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, até se atentarem que estávamos na verdade querendo conhecer a Basílica. Há um ônibus com este mesmo nome que deixa o visitante na porta do santuário, obra de Aleijadinho em 1757 (e terminada em 1790) sob encomenda de Feliciano Mendes como forma de pagar uma promessa para o santo.

É aqui que estão os famosos Profetas de Aleijadinho, obras impressionates que praticamente flutuam na entrada da igreja. É um conjunto tão forte que é impossível não querer traze-los pra casa, nem que for em miniatura, como eu fiz (ok, não vou ter espaço para os 12 profetas, mas já separei alguns para amigos). O Santuário é completado com seis capelas que ilustram os Passos da Paixão de Cristo em obras também de Aleijadinho. De cair o queixo.

Almoçamos no Restaurante da Ladeira, ali mesmo, um típico prato de Tutu a Mineira que serve para dois, mas na verdade dava fácil para quatro, acompanhado de uma cachaça artesanal (mais uma). Na volta ainda passamos pela igreja matriz (também de Aleijadinho) e partimos para a saga do retorno para Ouro Preto, com escala em Ouro Branco, passagem rápida pela Vila de Itatiaia, mais um trecho da Estrada Real e uma parada estratégica.

Lembra que tivemos que fazer um longo trecho em estrada de terra pois a estrada que liga Ouro Preto com Ouro Branco estava fechada? Então, mais ou menos fechada. Na verdade, está proibida a passagem de ônibus sobre a ponte do Rio Falcão, então o que o pessoal da empresa Vale do Ouro faz: eles levam o passageiro de Ouro Branco até a ponte, e trocamos de ônibus atravessando a pé (passageiros do outro lado fazem o caminho inverso). Coisas de Brasil.

A paisagem na volta é novamente belíssima apesar das nuvens baixas e da chuva constante. Chegou a lembrar o alto da Cordilheira dos Andes, na região do Atacama, quando visitamos alguns lagos perto de vulcões ativos. É impossível não ter vontade de fazer o caminho da Estrada Real conforme as tradições: a pé, de bike ou, melhor, à cavalo. Quem sabe um dia, né mesmo.

Hoje o dia amanheceu ensolarado novamente em Ouro Preto, mas a maioria das igrejas abre para visitação após o meio-dia. Após um bom café no albergue, lá vamos nós atrás das belezas do barroco mineiro. Me aguarde.

Fotos: Marcelo Costa (http://www.flickr.com/photos/maccosta/)

janeiro 6, 2009   No Comments