SP Noise: “Parece Glasgow nos anos 90”
Texto: Marcelo Costa / Fotos: Lili Callegari
Mais do que trazer uma escalação com nomes badalados no circuito independente, a primeira edição do SP Noise prometia uma mistureba de estilos que poderia soar, no mínimo, inusitada. A variedade abrangia o rock matemático de Helmet (confirmado na última hora) e dos belgas do Motek passando pelos inenarráveis Ambervisions, de Santa Catarina, pela surf-music dos argentinos do The Tormentos, pelo rock de clima punk flower power do Black Lips até o som climático e viajandão do Black Mountain, mas era impossível não olhar para as roupas.
Do visual adolescente e fanfarrão do Black Lips passando pelo modelo hippie adotado pelo Black Mountain, o de garçons de transatlântico exibido pelos argentinos do Tormentos, a falta de uniformidade do Vaselines (Stevie Jackson de bancário, Bobby Kilddea de camiseta de pijama gola v, Frances de qualquer coisa e Eugene de mestre de cerimônias de festa country) até chegar ao “grande momento” do fim de semana: o colete de couro com franjas e calça de oncinha de Eduardo Martinez, vocalista argentino do combo finlandês Flaming Sideburns, o SP Noise foi muito mais visual que musical.
O primeiro dia foi aberto pelos goianos do Black Drawing Chalks que fizeram um barulho de muita responsa. Os argentinos do Tormentos repetiram o show mediano que vi deles em Buenos Aires, quatro anos atrás. Provável que daqui a cinqüenta anos estejam fazendo um show igual. Os Ambervisions fizeram o público rir com seu vocalista, Zimmer, de cabeça enfaixada, óculos e maracas, mas o show não honrou a barulheira de seus dois álbuns. O Motek me cansou na terceira vez que multipliquei 4 x 4 alcançando um resultado de 16, mas os CDs da banda foram bem vendidos na barraquinha.
No quesito show, o festival começou mesmo quando os finlandeses do Flaming Sideburns pisaram no palco 2 jogando seu glam rock com pitadas hard no colo do público. A banda usa uniforme (que podem ser o da turnê anterior do Hives) e soa extremamente afiada. O vocalista argentino Eduardo Martinez é uma peça. Baixinho, meio fora de forma, mas de colete e sem camisa, e ostentando uma legitima calça de oncinha, Martinez é daqueles que amam os clichês do estilo. Dançou de rostinho colado com uma menina na pista, se jogou no colo de um cara que ficou alisando seu cabelo (curto) enquanto ele cantava e até plantou bananeira no palco. Fora de forma quem?
Fechando a primeira noite, os canadenses do Black Mountain só faltaram acender incensos no palco 1 para deixar o clima flower power contaminar o pequeno público. Enquanto rapazes suspiravam pela vocalista Amber Webber (que mais tocava maracas, pandeiro e posava do que cantava), o grupo mandava ver na sonoridade setentista com bastante propriedade num misto de psicodelia com folk e momentos de hard rock. Tudo ia bem até o show ser interrompido bruscamente pelo pessoal da casa, que devido ao avançado do horário (22h e pouco) precisava esvaziar o local para começar uma outra balada noturna. Um pecado que vitimou uma boa apresentação.
O segundo dia começou com um público muito maior e os paulistas do Homepie abrindo os trabalhos no palco 2 mostrando influências de Belle and Sebastian e um longo trajeto a percorrer para chegar a algum lugar. Os norte-americanos do Calumet-Hecla fizeram um barulho dos diabos no palco 1 com a ruiva Anne fazendo caras e bocas, mas não chamaram muito a atenção do público, que preferiu ficar no bar, jogando Nintendo Wii ou aproveitando os últimos resquícios de sol, antes da chuva. O Do Amor (“Cheiro do Amor?”, perguntou um amigo) apresentou sua mistura de (indie) rock, carimbó e axé-music, mas dispersou o público, que também deixou passar os chilenos do The Ganjas.
Os moleques desajustados do Black Lips lotaram o palco 2, e o show foi melhorando progressivamente até honrar a fama conseguida com boas resenhas em grandes veículos da imprensa internacional. A rigor, o show foi menos caótico do que a apresentação no Fib, na Espanha, em julho. Mas lá eles estavam no enorme palco principal (que naqueles dias recebeu Leonard Cohen, Morrissey, Raconteurs e My Bloody Valentine) enquanto aqui sofriam com problemas no som, chegando ao ponto do vocalista e guitarrista Cole Alexander colocar uma meia no microfone para evitar choques. Outro bom show interrompido pela casa cujo melhor momento foi o arremesso de cuspe do vocalista para o alto, e que lhe beijou a testa.
O Helmet – responsável pelo aumento de vendas de ingressos para o festival assim que confirmou, na quinta passada, sua presença em São Paulo – honrou sua história. O líder e único remanescente da formação original da banda, Page Hamilton, mostrou logo de cara que não estava para brincadeiras. Assim que alguém pediu uma música, ele mandou: “Foda-se! A gente só vai tocar o que a gente quiser”. E assim foi o massacre. Teoricamente é um som que não deveria agradar a quem tem mais de 18 anos, mas é lindo ver uma roda de pogo quebrando tudo e até o segurança batendo cabeça de costas para o palco. Disparado o melhor show do festival.
Fechando o fim de semana noise, os escoceses do Vaselines subiram ao palco com muitos problemas no som e a fama de banda preferida de Kurt Cobain, que gravou três covers do grupo no Nirvana. O show abriu, inclusive, com uma delas, “Son of a Gun”, e a desordem no palco honrava a tradição tosca do grupo. O baixista Bobby Kilddea não conseguia ouvir nada no retornos, o guitarrista Stevie Jackson se enrolava com a guitarra e o microfone de backing e o baterista Michael (o Michael da música do Franz Ferdinand, que não tem nada, mas nada mesmo de sexy) descia a mão no kit básico sem nenhuma variação. Era 1, 2, 3 e vamos pular.
No centro do palco, Eugene Kelly e Frances McKee tentavam entreter o público em meio a tosqueira. Eugene chegou a levar um choque quando tentava testar o microfone, largou a guitarra e saiu emburrado. Voltou depois, com o microfone trocado, e apresentou “Molly’s Lips” (outra gravada por aquele grupo de Seattle), cuja temática é o sexo oral, como uma canção sobre “beijar bucetas”. Francês emendou totalmente desavergonhada: “Como se você soubesse o que é isso”. A vocalista fez várias referências a sexo durante a apresentação. O som melhorava em faixas mais roqueiras como “Dying For It”, mas capengava em números mais lentos – como “Jesus Wants Me for a Sunbeam”, o que não chegava a incomodar o público.
“You Think You’re a Man” veio no bis, tornando-se um grandes momentos da noite. “Dum-Dum” fechou o show – com os responsáveis pela casa irados e pedindo para que o show acabasse o mais rapidamente possível. Um pouco antes, em meio aos inúmeros problemas de som no palco, e a chuva lá fora, Frances brincou e praticamente resumiu o fim de semana: “Isso tudo está parecendo Glasgow nos anos 90”.
O São Paulo Noise, nos anos 00, tropeçou no apertado dos horários (não se começa um festival na cidade numa sexta-feira às 18h nem no meio de um quase feriado, pois ninguém consegue chegar) e no line-up sufocado em um horário de matinê sem chance de erros e improvisos. É ótimo sair de casa para ver um show e chegar antes da meia-noite, mas para não prejudicar as atrações principais é melhor escalar menos bandas. O saldo final é positivo, pois os tropeços desta primeira edição podem ser consertados nas próximas. E quem sabe no ano que vem São Paulo pareça um lugar melhor.
Ps. Frances, Glasgow é uma das cidades mais chatas do mundo!
Ps2. Mais fotos do SP Noise, por Lili Callegari (aqui)
novembro 23, 2008 No Comments